Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

7 Dias em Revista

 

 

 

 

 

Legionário, N.º 796, 9 de novembro de 1947

  Bookmark and Share

Os católicos de todos os quadrantes da política devem aplaudir a escolha do Sr. Adroaldo Mesquita da Costa para o Ministério da Justiça. Trata-se de um dos líderes mais em evidência do movimento católico do Rio Grande do Sul, já conhecido pessoalmente do público paulista, pois que, a convite do pranteado arcebispo D. José Gaspar de Afonseca e Silva, pronunciou eloqüente discurso numa das sessões solenes do IV Congresso Eucarístico Nacional. Advogado de relevo, professor, orador de dotes invulgares, o Sr. Adroaldo Mesquita da Costa trabalhou eficazmente nas Constituintes de 34 e 46, das quais fez parte, pelas reivindicações católicas. Na atual legislatura, sua atitude em favor da cassação dos mandatos representa uma orientação doutrinária notada com simpatia por todos os católicos zelosos e coerentes. Assim, muito pode esperar a opinião católica da atuação do novo Ministro, em matéria de coragem, lucidez e linha.

* * *

Um dos aspectos mais lamentáveis das atuais eleições municipais é o uso e abuso que se faz do qualificativo de “católico” para atrair votos. Nomes e caras inteiramente desconhecidos nos meios católicos aparecem colados nos muros e nos postes, com o clássico incitamento: “católicos, dai vosso voto a...”. São aproveitadores dos quais o mínimo que se pode dizer é que são cínicos. Em geral, nenhum compromisso oferecem, nenhum programa apresentam que justifique a preferência católica. Sua fotografia é seu único documento.

Nesta imensa e vergonhosa balbúrdia, quisemos reagir a nosso modo contra tanto oportunismo. Fazemo-lo apontando à confiança dos nossos leitores um jovem candidato que tem um passado, um nome e um programa: é José Dalmo Belfort de Matos. Conhecemo-lo, e podemos afirmar que servirá à Igreja na Câmara Municipal com a sinceridade e a dignidade com que a vem servindo desde os primeiros anos de sua adolescência.

* * *

Tomando esta atitude, não queremos sair da linha justa de que jamais nos afastamos. Timbramos, pois, em afirmar que: se Dalmo Belfort de Matos figurasse em outra legenda que não a do PR nós lhe daríamos igualmente nosso voto. Não cogitamos de partidos, nem rompemos nossa eqüidistância em relação a eles. Cogitamos só do candidato que nos merece apoio; não pretendemos afirmar que ele é o único candidato digno do apoio católico, nem que todos os católicos devem votar nele. Afirmamos simplesmente que nele os católicos encontrarão boas garantias. Não indicamos outros nomes ao lado do seu para evitar dispersão de votos; aliás, a tarefa de fazer listas de candidatos de confiança, só a LEC a possui. E, pois, se ela julgou em sua sabedoria que não era este o momento de as fazer, ninguém tem credenciais para as fazer em nome dela, nem para falar ex auctoritate propria, ditando normas ao eleitorado católico.

Para deixar tudo isto bem claro, inserimos a parte referente a Dalmo Belfort de Matos em seção livre. Nesta situação única, abrimos em nosso jornal uma exceção única: jamais tivemos seção livre, e esperamos que jamais se reabra esta seção.

Temos contudo prazer em que seja para nosso distinto colaborador, que esta única, unicíssima exceção se tenha aberto.

* * *

O cunho tragicômico destes dias políticos em que vivemos não nos deve desviar a atenção dos grandes campos da batalha política em que se jogam hoje os destinos ideológicos do mundo. Falamos, é claro, da Inglaterra e muito especialmente da França.

Na Inglaterra a opinião pública acaba de mostrar espetacularmente que repudia o trabalhismo. Os resultados das eleições foram insofismáveis. Está provado, com evidência solar, que a opinião inglesa deseja voltar atrás na política nefasta das nacionalizações e na obra de demolição do Império que, para maior vantagem dos seus "inimigos" do Kremlin, os trabalhistas empreenderam.

Ora, os trabalhistas sempre se inculcaram como democratas sinceros, supersticiosamente devotos do princípio da soberania popular. A lógica mais elementar os levaria, pois, a pedir ao Rei Jorge VI que dissolvesse a Câmara dos Comuns e ordenasse novas eleições. O democrata sincero prefere errar com o povo a acertar sem ele ou contra ele. Assim deveriam agir os trabalhistas.

* * *

Para que melhor se compreenda esta afirmação, lembremos de passagem que o regime inglês é parlamentarista, e por isto profundamente diverso do brasileiro ou norte-americano que é presidencialista. No regime presidencial, as câmaras jamais podem ser dissolvidas sem um golpe de Estado. Se, por exemplo, as próximas eleições municipais do Brasil derem um resultado diverso do que saiu das urnas da última eleição, não haverá motivo para dissolver a Câmara nem o Senado. Essa dissolução representaria uma infração ao que nossas instituições têm de mais fundamental. Pelo contrário, nos regimes parlamentares a própria lei confere ao Chefe de Estado o direito de dissolver a Câmara baixa (na Inglaterra os comuns), quando esta já não representa a opinião. Mais do que um direito, é isto um dever. Não proceder a tal dissolução implica para o Rei ou Presidente em violar o que as instituições parlamentares têm de mais fundamental.

* * *

Isto claramente posto, torna-se patente que os trabalhistas violam os próprios princípios da democracia inglesa, perpetuando-se no poder contra a vontade do povo. Mas o próprio dos liberais e dos socialistas consiste em que eles só reconhecem ao povo uma liberdade: a de concordar com eles. Se o povo não concordar com eles, todas as opressões são justas e patrióticas. Tirania é o ato ou fato pelo qual um conservador no poder contraria os manejos da oposição socialista ou liberal. E nada mais.

* * *

O mesmo se está verificando na França. Derrotados os socialistas, eles se obstinam em evitar a dissolução da Câmara, se bem que as instituições sejam lá tão parlamentares quanto na Inglaterra. O exemplo é bem frisante para se conhecer o verdadeiro espírito do socialismo. É uma tirania disfarçada mas tenaz, em cujo programa a palavra "democracia" só tem sentido enquanto significa um pretexto para tirar os adversários do poder.

A nosso ver, o Rassemblement du Peuple Français se aproxima agora de uma das fases mais delicadas de sua existência. O Movimento Republicano Popular se esfacelou. Notícias vindas um pouco tardiamente da Argélia informam que até por lá seus eleitores o abandonaram em benefício do General De Gaulle. O que resta fazer aos seus chefes? Entre eles há três espécies bem diversas. Uns são anticomunistas sinceros, que entraram no MRP apenas porque ele representava no momento o meio de reação contra a esquerda mais eficaz. É claro que De Gaulle os poderá aproveitar. Mas do lado deles há os oportunistas, que ontem preconizavam a colaboração com Moscou, e amanhã preconizarão até a guerra, se com isto obtiverem vantagens eleitorais. Por fim, o pequeno grupo de super-dirigentes é formado por místicos, do "misticismo" duvidoso mas fanático da politique de la main tendue. Como agirão? E como agirá com eles o General? A nosso ver, todo o futuro da RPF está em que De Gaulle rejeite tanto os oportunistas quanto os "místicos" da main tendue. Do contrário sua vitória terá sido frustrada. O que fará ele?

* * *

Os oportunistas, como é evidente, estão procurando "aderir". Na Câmara, os deputados do MRP, em número já não pequeno, estão tendendo para o RPF. Mas os “místicos” o que farão? Através de notícias vindas da própria França, parece-nos que, sem aderir propriamente, eles tentam agora uma "aproximação" com o General, e uma "infiltração", manobras estas em que tais "místicos" são, na França, exímios. Por isto, deixam eles circular sem demais protestos a notícia evidentemente inverídica de que eles mesmos aconselharam o eleitorado a votar em De Gaulle e a imolação do MRP ao RPF foi voluntária. Esta notícia lhes dá uns ares de quem não está "contra" o General. Daí a poder aliar-se amanhã a ele, a distância não é grande. E, nesta aliança, haverá sempre ocasião para tentar levar o General à mesma posição de "eqüidistância entre o Oriente e Ocidente" e de "main tendue", com que obstinadamente sonham estes "místicos". Simples conjectura de nossa parte? Ou realidade? O futuro o dirá. Desejamos ver como De Gaulle aceitará os políticos que, com uma das mãos postas nas da URSS, estendem agora outra para ele.

* * *

Em ultima análise, é o que parece estar fazendo De Gasperi. Mais elástico do que o Sr. Bidault o premier italiano está evoluindo cada vez mais da posição "intermediária" e "colaboracionista" que adotara, para um anticomunismo declarado. E isto a tal ponto que os deputados da ala anticomunista do qualunquismo [do partido Uomo Qualunque], que acaba de se esfacelar, se incorporaram ao PDC italiano.

Já se vê que não é muito temerária nossa suposição de que os sósias franceses do Sr. De Gasperi pensem em fazer algo de parecido com isto.

A política é até certo ponto a arte de desconfiar: no fundo, as intenções do Sr. De Gasperi de fato terão mudado tanto quanto sua posição? Esperemos também que o futuro nos responda.

* * *

Uma palavra, por fim, sobre o problema árabe. Afirmávamos há algum tempo atrás que o mundo pan-árabe superou os problemas de fronteiras que dentro dele existiam e constitui hoje, a serviço do Islã, uma grande família de povos e de Estados irmãos, como fora outrora a serviço da Igreja a Cristandade medieval. A todo o momento ocorrem fatos novos que confirmam esta tese. Assim, Abd-el-Krim, o famoso herói da "Resistência" anti-francesa dos árabes norte-africanos foi convidado por Sardar Ibrahim, chefe do governo muçulmano provisório de Cashemir na Índia, a ir comandar a "guerra santa" (expressão textual dos telegramas) naquela região, contra os brahmanistas. E, segundo consta, o chefe africano aceitou. Como explicar isto, uma colaboração dentre homens de terras tão longínquas, com interesses regionais tão diferenciados, senão pela existência de uma grande causa comum que transcende imensamente aos problemas locais de cada uma das partes do mundo pan-árabe?


ROI campagne pubblicitarie