Não raras vezes temos ouvido o comentário de que
esta folha pinta com cores exageradamente carregadas o quadro da situação
contemporânea. Muito especialmente, acusam-nos de exagerarmos a extensão do
alcance do dissídio existente entre a sociedade moderna e a Igreja. Enquanto
nós vemos a situação da Igreja como sendo muito grave, muito delicada, uma das
situações mais graves e delicadas que Ela tem tido que atravessar no decurso de
sua História vinte vezes secular, outros vêem os fatos de modo bem diverso. Não
lhes parece que a sociedade contemporânea esteja apostatando, nem que seus
costumes e seu espírito sejam hostis ao espírito e aos preceitos do Evangelho.
E, por isto, negam que a situação da Igreja seja grave ou mesmo apenas difícil.
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A este propósito, seja-nos lícito, portanto,
fornecer como elemento para a elucidação do problema uma declaração do Santo
Padre Pio XII.
Trata-se de um trecho da mensagem que o Santo Padre
enviou ao I Congresso Mariano reunido na
Argentina neste mês.
O pobre
mundo, como se quisesse retroceder vinte séculos até as aberrações da decadente
sociedade pagã, põe sobre seus altares os ídolos vãos da luxúria, da soberba,
da inveja e, como conseqüência natural, do ódio contra tudo o que lhe possa
disputar a sua ração mesquinha de prazer, sua miserável parcela de domínio ou
uma gota que possa apagar aquela que, em troca, quereis neste momento renovar:
vossa vassalagem àquela que é símbolo de toda pureza - Mater Castissima -
encarnação no mais total desprendimento. Aquela que, como ninguém, é Mater Pulchrae Dilectionis exemplo
perfeito de caridade e amor.
Prometei a Maria que vos dedicareis, com todas as vossas
forças, a conservar e favorecer a dignidade do matrimônio cristão, a instrução
religiosa da juventude, as escolas e a aplicação dos ensinos da Igreja na
ordenação social: ser fiéis à Igreja nestes pontos fundamentais da civilização
cristã será hoje uma prova palmar do verdadeiro e genuíno amor a Maria e seu
Divino Filho.
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Nestas palavras do Sumo Pontífice, se equilibram
admiravelmente o mais frio e objetivo realismo na apreciação dos fatos, e a
mais soberana e venerável serenidade. O Santo Padre vê toda a extensão do
perigo. Longe de fechar para ele os olhos, pelo contrário, quer que seus filhos
tenham a exata compreensão das dificuldades da hora em que vivemos. Contudo, o
Papa não se deixa vencer diante de prognósticos tão sombrios. Se bem que poucos
sejam os motivos humanos para esperar, o Papa espera. Espera tudo da oração,
espera tudo da onipotente intercessão de Nossa Senhora. Nesta tormenta
universal, a Estrela do Mar continua a brilhar para os corações verdadeiramente
fiéis.
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Não queremos deixar de assinalar toda a gravidade
do projeto de lei que está sendo discutido na Câmara de Deputados a respeito do
reconhecimento de filhos ilegítimos, inclusive dos adulterinos.
Boa parte dos deputados se tem mostrado favoráveis
a uma equiparação tão completa entre os filhos adulterinos e os legítimos que,
praticamente, um dos efeitos mais importantes do casamento, que é a definição
dos direitos dos filhos, desaparece. A conseqüência mais imediata deste fato
consiste em que os tristemente famosos "casamentos no Uruguai" já não
ficarão em situação tão inferior aos casamentos feitos segundo as leis de Deus
e dos homens. Os filhos nascidos das núpcias justas ficarão em plano igual ou
quase igual aos filhos do pecado. Mais remotamente, isto conduz ao amor livre:
num país em que a prole goze de todos os direitos ainda que ilegítima, o que é
o casamento?
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Convém, pois, lembrar rapidamente a doutrina
católica sobre o assunto. Em primeiro lugar, façamos notar que a Igreja
reconhece que os filhos ilegítimos, qualquer que seja sua categoria, tem
direito a sustentação e proteção dos pais. Ela jamais aprovou, Ela jamais
aprovará que os pais atirem às rodas das Santas Casas os filhos nascidos dos
pecados que tiverem cometido. Isto posto, porém, é preciso acrescentar desde
logo que, por uma questão de dignidade, o filho legítimo ocupa nível,
categoria, situação, superior à do filho ilegítimo. A bastardia é uma nódoa, e
esta nódoa de algum modo se fixa na pessoa do bastardo, ainda que ele possa ser
pessoalmente muito estimável, digno e honesto. Não seria justo, nem decente,
que a criança nascida da união sacramental e a criança nascida do pecado
tivessem situações idênticas, do ponto de vista da honra.
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Frisamos bem este ponto para fazer notar que esta
questão não é principal ou exclusivamente financeira. Ela comporta um certo
aspecto financeiro, mas é essencialmente uma questão moral, em que portanto a
situação honorífica dos filhos entra largamente em jogo. Não será a Igreja que
vá reduzir a uma "questão de estômago" problema tão delicado e tão
importante quanto este.
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Vamos agora ao aspecto concreto da questão. Do que ficou dito já decorre que o filho
adulterino, ou mesmo o ilegítimo não legitimado (que não se deve confundir com
o filho ilegítimo reconhecido) não tem direito a uma educação tão esmerada, a
uma formação pessoal tão nobre, a uma situação social tão alta quanto a do
filho legítimo. E daí decorre evidentemente que, no patrimônio paterno, os
direitos do filho ilegítimo são menores. Sem entrar em pormenores, é fácil
compreender como à vista destes princípios gerais, a legislação que se prepara
ofende o pensamento católico.