Não podemos deixar de aplaudir o gesto do Itamarati rompendo relações
com a URSS. Quando estas se
estabeleceram, mostramos que nada as motivava. Tínhamos com a Rússia imperial um contato
cultural e econômico longínquo, indeciso e desinteressado. Nestes últimos 30
anos, nada ocorreu que originasse, entre aquele país e o nosso, relações sadias
e bem intencionadas mais intensas. Pelo contrário, tendo a III Internacional tomado de assalto a
Rússia depois da queda do czarismo, aquele desditoso
país perdeu toda a verdadeira independência, transformando-se em mero
instrumento de uma cáfila de revolucionários internacionais. Em relação a
estes, "tudo nos separava, e nada nos unia". O Brasil cessou,
portanto, depois de 1917, de manter relações com as novas autoridades
"russas". Correram assim as coisas, sem o menor prejuízo cultural ou
econômico para nós, e com evidente vantagem para nossa tranqüilidade doméstica,
até 1946. Foi nesse ano que as relações entre o Brasil e a "Rússia" -
de fato, dissemos, a Rússia autêntica não é senão um cadáver agitado como um
imenso fantoche pelos exploradores da
III Internacional – se reataram. Nessa ocasião, acentuamos a inteira
inoportunidade deste gesto do Itamarati. Os fatos
acabam de demostrar que tínhamos razão.
* * *
Por quê?
Ninguém se iluda com os motivos do indisfarçável contentamento com que o Brasil recebeu a
ruptura. Indiscutivelmente, concorreu para isto o sentimento do brio nacional
agravado com as injúrias feitas ao chefe do Estado, e com as insolências sem
precedentes que caracterizaram o procedimento soviético ante nosso protesto.
Mas houve mais. Houve um alívio geral, um desafogo evidente. Este desafogo se
tornará maior no momento em que o indivíduo ambíguo e mal encarado que
representava entre nós o governo "russo" tiver acabado de aprontar
suas malas e retornar a seu país. É que ninguém, no Brasil, se sentia tranqüilo
com a presença de uma delegação soviética tramando em nosso território,
abrigada por nossa ingênua hospitalidade, e protegida pelas garantias e
imunidades diplomáticas.
Sem dúvida alguma, o
acontecimento - a subversão de nossas instituições. Não apareceu à luz um só
documento provando concretamente a atividade
subversiva da embaixada soviética. E, contudo, ninguém duvidava nem duvida
dessa atividade.
* * *
Por quê? As declarações do ex-capitão
Prestes na Câmara dos
Deputados já demonstraram à saciedade que o Partido Comunista Brasileiro obedece às ordens
provenientes de Moscou. No mundo inteiro, a mesma acusação se levanta contra as
outras sessões do PC. Na França, o General De Gaulle emprestou a esta
acusação o prestígio de sua autoridade, de seu nome, de sua influência. A
votação do povo francês acaba de demonstrar que esta acusação pareceu
verossímil à maioria dos eleitores. Nos Estados Unidos, as investigações sem fim, movidas nos mais diversos
setores da sociedade, mostram a todo o
momento que as atividades comunistas estavam presas ao Kremlin por todos os
cordéis. A recente "restauração" da III Internacional tornou a bem dizer oficial a sujeição dos PCs do mundo inteiro a Moscou. Depois disto, como não
admitir que o representante de Stalin entre nós haveria
de manter um contato de todos os momentos com os chefes comunistas, e que
estaria encarregado de proteger de todos os modos, de orientar e de dirigir a conspirata comunista no Brasil?
Todas estas coisas são
evidentes para todos os elementos de bom senso, que analisam os fatos a frio, e
sem sutilezas sofísticas. E, por isto mesmo, exceção feita dos comunistas, e de
alguns intelectualóides perdidos em distinções e sub-distinções parecidas com as dos estadistas bizantinos
nas vésperas da queda de Constantinopla, ninguém no
Brasil deixou de se regozijar com a ruptura das relações entre nosso país e a
"Rússia".
* * *
Isto tanto mais se confirma, quanto os jornais
acabam de publicar que está anunciada para breve a reunião dos representantes
comunistas dos países da América do Sul, em Montevidéu, destinada a lutar contra a política de solidariedade das
nações latino-americanas com os EE.UU.
Evidentemente, a reunião de Montevidéu não será
senão uma reedição da de Varsóvia. Congregar-se-ão na capital uruguaia os
representantes de todas as correntes comunistas desta parte do globo. É uma
seção latino-americana da III Internacional que se vai reunir. E o fará para
levar a cabo uma das obras em que mais estão empenhados os sovietes: cindir as
Américas, enfraquecendo assim a política americana de resistência ao comunismo.
Pode haver algo de mais significativo?
Enquanto estas coisas se passam em nosso
continente, na Europa não ocorrem de modo diverso. Gradualmente, vão dando sua
adesão à reunião de Varsóvia os vários Partidos Comunistas que ainda não o
tinham feito. Na semana passada, o secretariado central do PC italiano com sede em Roma
publicou um comunicado anunciando que aderia a todas as decisões tomadas na
antiga capital polonesa.
* * *
Já que falamos de assuntos italianos, não queremos
deixar de frisar uma incoerência em que caíram os liberais daquele país. Até
agora a maioria do parlamento ainda não decidiu a cassação do mandato dos
comunistas, e o fechamento do PC, a despeito da evidente subordinação dessa
corrente a poderes estrangeiros: tem medo de ofender os princípios básicos da
democracia.
Paradoxalmente, porém, o Parlamento italiano acaba
de proibir o Rei Vitor Emanuel, o Rei Humberto, e respectivas famílias, de residirem na Itália. Como explicar tanta indulgência para com os escravos de
uma potência estrangeira que tramam, de norte a sul da península, a subversão
de todas as instituições políticas e sociais, e a extinção da soberania
nacional, e tanta severidade em relação aos chefes da família mais antiga e
mais tradicional da Itália?
Dir-se-á que existe o risco de que os antigos
soberanos preparem a queda do regime. E o risco do comunismo não é muito mais
iminente, e sobretudo mais profundo? Não é mais fácil fiscalizar dois homens,
duas famílias, do que um Partido inteiro?
* * *
Falamos de reis. Lamentamos que o Rei Jorge VI tenha tido a
fraqueza de incluir na Fala do Trono a sugestão socialista de se limitarem os
poderes da câmara dos Lords. Essa Câmara funcionava
como um freio da demagogia tão freqüente nos regimes democráticos. Limitar seus
poderes implica deixar a Inglaterra inerme ante as
investidas socialistas. Por isto, e só por isto, deseja o atual gabinete
reduzir o poder da Câmara Alta. Mas, como esse poder já foi muito reduzido em
ocasiões anteriores, o que daí resulta com toda a clareza é que a Câmara dos Lords, com a atual "reforma", deixará de existir.
Assim, o Rei apunhá-la
sua nobreza. E a Coroa ficará desprotegida. No dia em que se propuser no
Parlamento a extinção da monarquia, não haverá mais uma Câmara Alta que proteja
o Trono...
São as conseqüências fatais da fraqueza e da
incoerência.