Legionário, n.o 786, 31 de agosto de 1947

7 DIAS EM REVISTA

A perseguição religiosa na Istria continua a acentuar-se. De acordo com um comunicado de Mons. Antino Santin, Arcebispo de Trieste, os comunistas iugoslavos atacaram uma Igreja Católica na Istria, e decapitaram o respectivo Pároco. Acrescentou o prelado que os comunistas iugoslavos “estão perseguindo selvagemente a Igreja Católica”. Em outro lugar da Istria, os comunistas infligiram maus tratos físicos à progenitora de um sacerdote católico, para obrigar à infeliz senhora revelar o paradeiro de seu filho.

O assassínio denunciado por Mons. Antino Santin deu-se na igreja de Lanischie, e a vítima foi o Pe. Miro Buselich. Os comunistas irromperam na Igreja, e alcançaram o pároco junto ao altar, onde o degolaram a golpes de facão. Em seguida, apunhalaram outro sacerdote, que correra em socorro do Pe. Buselich.

Pensar, depois disto, na possibilidade de uma política de colaboração entre católicos e comunistas é afrontar o bom senso mais elementar...

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É felizmente o que o General De Gaulle compreendeu. Não discutimos o homem nem suas idéias. Mas é impossível negar que sua atitude de decidida hostilidade contra o comunismo está fazendo um grande bem à França e ao mundo inteiro. De Gaulle rasgou de alto a baixo a cortina de sofismas, de perigosos erros ocultos em certas semiverdades que alguns lideres do MRP francês faziam circular nos meios mais sadios da opinião pública. E, com isto, a malfadada tentativa do MRP de manter uma política de mão estendida com o comunismo vai se tornando cada vez mais desacreditada. Notícias procedentes da França nesta semana informam que o fenômeno de desagregação do MRP e dos demais partidos já começou, tornando-se cada vez mais densas as fileiras do Rassemblement du Peuple Français, de De Gaulle.

É inquestionável que De Gaulle está arrancando a França das garras de uma política errada. Mas para levar aonde? É esta a grande... grandíssima questão...

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Uma das melhores críticas ao programa trabalhista inglês, tão atacado presentemente, procedeu dos arraiais conservadores. A Federação das Industrias Britânicas que representa 4.200 empresas e 300 associações - uma grande potência da iniciativa privada, portanto - elaborou um plano de reforma da política do governo, compreendendo notadamente três sugestões:

1 - que a Inglaterra procure aproximar-se da Europa Ocidental em vez de cortejar ridiculamente o comunismo com sua atitude de pêndulo entre o Oriente europeu e o Ocidente, e que procure assim dominar os mercados europeus livres;

2 - que a Inglaterra, nesta fase de economias terríveis, renuncie ao propósito igualmente ridículo de despender milhões de libras esterlinas na aquisição de empresas particulares que vão funcionando a contento geral, aquisições estas tão flagrantemente inoportunas que só se podem explicar pela obstinação fanática dos socialistas em destruir a propriedade privada;

3 – que, à vista do malogro patente do Estado na direção das empresas particulares que desapropriou, confie aos particulares a gestão de tais empresas, ou pelo menos aceite participação da iniciativa particular na direção das empresas públicas.

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Isto nos faz lembrar o desacerto flagrante da recente desapropriação dos meios de transporte coletivo em São Paulo. Bem ou mal, a iniciativa privada vinha servindo a cidade, e se não correspondia às nossas necessidades é só porque a importação de veículos se tornou quase impossível durante a guerra. O município gastou, na desapropriação dessas empresas, capitais preciosos que poderiam ter concorrido para o saneamento e urbanização dos incontáveis bairros pobres da cidade. E ninguém lucrou com isto, nem mesmo o trânsito. Com efeito, que melhora houve com todo este gasto? Onde estão as frotas de ônibus novos, os bondes novos, que o município poderia apresentar como justificativa de desapropriação? Compare-se o estado raquítico de nossa viação municipal, com o florescimento da pujante empresa de ônibus Santos-São Paulo, e será fácil medir a fecundidade da iniciativa privada e a esterilidade da iniciativa pública. Sugerimos esta comparação para não recorrer ao exemplo da Central do Brasil. E sirvam estas reflexões para que compreendamos a necessidade de não entregar a antiga Inglesa às garras da administração pública.

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Lamentamos que os Estados Unidos tenham retirado mais alguns efetivos militares da China, na semana passada. A situação internacional não se apresenta tranqüilizadora. O presidente da Liga dos ex-Combatentes dos EE.UU. já declarou,  em entrevista sensacional publicada há dias, que a guerra poderá irromper de um momento para outro, graças à extraordinária gravidade da situação grega. Discursando em Paris, o Marechal Montgomery proclamou o mesmo, insistindo sobre a necessidade de estarem alertadas todas as nações. Não parece este o momento adequado para debilitar a linha de defesa da civilização, precisamente em um ponto tão visado pelos comunistas, como é a China.

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Já que falamos do Mal. Montgomery, lembremos um aspecto curioso de seu discurso. O ilustre chefe militar, fazendo a enumeração dos meios mais indispensáveis para a defesa de um país, na era da energia atômica, mencionou em primeiro lugar “o desenvolvimento do caráter nacional e a questão da educação”. Para os espíritos superficiais, a verdade parece precisamente o contrário. Para que construir escolas, que a bomba atômica pode destruir? Consideradas as coisas do mero ponto de vista da defesa militar contra a bomba atômica, há algo de mais inócuo do que uma escola?

Montgomery pensa precisamente o contrário. De nada valerá a um povo ter a bomba atômica como... meio de agressão, ou ter os melhores meios de defesa contra a bomba atômica, e não possuir caracteres bem formados, um sistema educativo eficaz.

Verdade profunda, em consonância absoluta com o pensamento da Igreja e que nos deve inspirar a nós católicos as mais sadias reflexões.

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Isto tudo nos faz tremer pelo Ocidente. Na mesma semana em que nos Estados Unidos os esforços industriais e científicos para a produção de armas de guerra nova estavam recrudescendo assombrosamente, o Senador Scheridam Downey declarou que "está constituindo grave problema para o país a redução da natalidade". Desanimado talvez quanto à eficácia dos meios morais, aquele congressista não apontou outra solução senão a imigração. Admitamos que, de momento, a imigração solucione o problema do povoamento. É preciso acrescentar com toda a franqueza que o aspecto menos importante da questão da queda da natalidade é precisamente o do povoamento. O lado moral é que predomina. Queda da natalidade significa queda da moralidade, significa decadência da família. E decadência da família significa forçosamente decadência da civilização e do Estado, se quisermos continuar fieis ao princípio de que a família é a base da sociedade. Ou as palavras já não têm sentido, ou é esta a verdade evidente. Ora, se a imigração pode solucionar o problema do povoamento, não pode solucionar o problema moral. E é aí que está todo o mal.

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Não nos iludamos. Vamos à raiz das coisas. A formação moral é extraordinariamente difícil em nossos dias, quando - já o proclamou Pio XII -  a simples prática dos deveres morais elementares exige por vezes verdadeiro heroísmo, tais as dificuldades de toda ordem, que a sociedade contemporânea opõe à pratica do bem. Ora, o heroísmo não é coisa que naturalmente se possa esperar em matéria tal, de massas inteiras de homens. Logo, é impossível esperar a reforma moral dos meros meios naturais.

E estamos, assim, no âmago do problema. Só a Igreja, com seu magistério, seus sacramentos, seus processos incomparáveis que a ascese e formação da vontade, pode salvar o mundo contemporâneo da hecatombe.

Assim, pois, esse meio de salvação mais poderoso do que todas as forças de destruição da bomba atômica, está nas mãos da Igreja, em nossas mãos, de certo modo. Pensamos bastante nisto, nós católicos?

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Seria impossível maior confirmação de quanto temos dito sobre a exacerbação do sentimento nacionalista dos povos muçulmanos, do que o que vem ocorrendo no Egito. Esse país pediu espontaneamente sua filiação à ONU, e a obteve. Como membro da ONU, o Egito tem deliberado assiduamente acerca dos problemas internacionais, concernentes a outros povos, e em que nada teria que dizer normalmente. Este direito trazia um dever correspondente. Quando se tratasse de interesses egípcios, evidentemente o Egito deveria ouvir com boa vontade a opinião dos outros povos, e sujeitar-se de boa mente às decisões da ONU. Esta conseqüência é de simples bom senso. Contudo, tal é o paroxismo do espírito de patriota e de fanatismo muçulmano, que os egípcios prorromperam no Cairo em manifestações antibrasileiras veementes, só porque tomamos o lado da Inglaterra. E tudo... tudo isto culminou com um atentado contra a legação do Brasil. É a este grau de petulância que chegaram povos ainda há pouco postos em menoridade.

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No que diz respeito à Índia, as conseqüências que receávamos se confirmaram. A Inglaterra foi fraca, e, cedendo a utopias sentimentais, deu independência aos hindus. Em menos de dez dias, segundo estimativas oficiais, as lutas entre os dois Estados hindus independentes - muçulmanos e bramanistas enfim - causaram mais de duzentas mil mortes.

Mas podemos estar bem certos de que os sentimentais "humanitaristas" que injuriavam a ação colonial da Inglaterra não reconhecerão com isto o erro em que estavam. É que o humanitarismo é um fanatismo como outro qualquer.