Plinio Corrêa de Oliveira

 

7 Dias em Revista

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 17 de agosto de 1947, n. 784

  Bookmark and Share

 

Esta semana presenciou um dos acontecimentos políticos mais importantes de nossos tempos: a aprovação de uma lei autorizando o governo inglês a impor ao operário o emprego em que deve trabalhar. Em outros termos - é o que se deduz dos telegramas - o gabinete trabalhista pediu e obteve do Parlamento autorização para dispor de toda a mão de obra, designando a cada operário a fábrica em que deve exercer as funções para que está habilitado. Tomado este princípio em seu sentido amplo e genérico, pode o Estado deslocar um operário de Dover para Londres, ou de Londres para Birmingham, desde que os interesses da indústria - a juízo do governo - o peçam. E o operário tem de se conformar.

Uma das diferenças características entre o escravo e o homem livre acaba, assim, de desaparecer. O escravo podia ser mandado para qualquer lugar por seu senhor, e sujeito a exercer as funções de sua habilidade onde o senhor mandasse. O homem livre, pelo contrário, podia trabalhar onde bem entendesse. O operário inglês se encontra, de agora em diante, em situação mais parecida com a do escravo, que com a do homem livre.

* * *

"Mais parecida"? A expressão é insuficiente. Deveríamos dizer "inteiramente igual". Entre os povos pagãos das grandes civilizações asiáticas, ou no velho mundo greco-latino, o senhor tinha sobre o escravo o direito de vida e de morte, e, portanto, o direito de aplicar aos escravos castigos corporais que chegavam até a efusão de sangue e aos ferimentos graves. Além disto, tinham o direito de obrigar o escravo a aceitar trabalho em qualquer lugar. Com o advento do catolicismo, a situação dos escravos se modificou. Ninguém podia tirar-lhes a vida. Consequentemente, o direito aos castigos corporais ficou consideravelmente limitado, sendo proibidos quaisquer castigos que implicassem em ferimento grave. O essencial da escravidão acabou sendo o direito do senhor de dispor ao seu talante do trabalho escravo. Assim mesmo, este direito tinha limites. O servo da gleba não podia ser vendido por seu senhor para trabalhar em outra gleba. O homem ficava ligado ao solo em que tinha o lar, os afetos, as suas raízes naturais.

O operário inglês, em virtude da legislação trabalhista, acabou ficando em situação inferior ao escravo da gleba. Se ainda não está sujeito à punição corpórea, já não tem direito a escolher a cidade em que resida!

* * *

Para se medir até que ponto estamos sendo arrastados pela torrente da confusão, pondere-se que tudo isto se passa, não a pedido de um governo reacionário, mas trabalhista. A liberdade privada do operário é supressa pelo partido... dos operários, ou ao menos pelo partido que apresenta como sua própria razão de ser a proteção dos direitos do operariado!

Esta imensa transformação que encerra no Ocidente a era da liberdade (da satânica liberdade revolucionária à moda de 1789, mas também da santa liberdade cristã e medieval dos filhos de Deus), se dá no país da Magna Carta, do habeas corpus, e do parlamentarismo. As aparências da democracia subsistem, mas sua realidade expira. Pois se um governo tem o direito de mudar de residência a seu bel-prazer, e de emprego, os operários de todo o país, que liberdade tem um operário de pertencer à oposição? Quem não percebe que ele será removido para lugar pior, desde que não bata palmas ao que faz o governo?

A Inglaterra se transforma, assim, em uma ditadura feroz análoga à URSS, em que um governo de "descamisados" oprime todo o país, e reduz a população a um rebanho vil, sem dignidade nem personalidade. Este golpe, que fere a fundo os direitos das elites, sobrevém na Inglaterra, o país clássico da tradição monárquica e aristocrática. A Câmara dos Lordes, acovardada, aprova sem discussão este decreto ignominioso. E apenas aprovado, ele recebe a sanção real!

Melhor teria sido que o Rei usasse de sua atribuição legal de dissolver a Câmara dos Comuns, consultando diretamente o eleitorado sobre esta medida. Mas o Rei fraquejou, e isto é explicável: hoje em dia, parece que todos os covardes, os pusilânimes, os míopes estão do lado do bom espírito; e os audaciosos, os inteligentes, os previdentes do lado do espírito mau.

* * *

Mais uma contradição, que merece especial registro: quando Hitler instituiu o trabalho obrigatório, disse-se que os alemães estavam escravizados e que para os libertar que as democracias do Ocidente haviam feito a guerra. Agora, vem a Inglaterra e escraviza os ingleses: o que foi então esta guerra? Uma formidável comédia?

Quando os trabalhistas subiram ao poder, Churchill previu tudo isto, e vaticinou que eles estabeleceriam a ditadura. É o que fazem neste momento. Não adiantou que a oposição conservadora capitaneada pelo grande líder de guerra e por Eden protestasse. Attlee e seus "descamisados" (pois que os há em Londres como em Buenos Aires e por toda a parte, descendentes legítimos dos sanguinários sans culottes franceses) impuseram despoticamente sua vontade. E hoje em dia a Inglaterra é um dos Estados mais totalitários do mundo.

*  *  *

Volvamos os olhos, agora, para o panorama brasileiro. Possuímos aqui um bom número de demagogos que vivem a protestar contra supostos abusos do poder etc. Votam um tal ódio ao princípio de autoridade, que bastou a restauração da monarquia na Grécia, para os fazer fremir de cólera: os reis, dizem, são inimigos da liberdade. Vem agora um governo popular e suprime brutalmente a liberdade na Inglaterra. Onde os protestos destes pigmeus? Não veem, não ouvem, não sentem. Estão dormindo. Nada percebem. Por que? No fundo, não é a liberdade, que eles amam, é a elite que eles detestam. O poder lhes parece odioso quando exercido por homens superiores. Ao cetro de um rei, preferem o látego de um feitor, desde que este seja um autêntico "descamisado" que jamais tomou chá em pequeno.

*  *  *

Aprovamos, assim, os esplêndidos discursos da oposição conservadora contra esta lei de alcance mundial. São seus os argumentos que acabamos de expender, e fazemos votos por que a grande nação inglesa se liberte quanto antes da detestável tirania esquerdista que atualmente a oprime.

*  *  *

Depois dos assuntos ingleses, um assunto semi-inglês. Nossos leitores têm seguido a campanha movida pelo órgão oficioso da Santa Sé contra a perseguição religiosa na Iugoslávia, e sabem, através do caso doloroso de Mons. Stepinac, quanto sofrem nossos irmãos na Fé, naquele país. O cardeal Griffin, Arcebispo de Westminster, em recente declaração, afirmou solenemente que a perseguição religiosa continuava a oprimir os iugoslavos. Contudo, suas declarações - de que nenhum católico duvida - foram agora desmentidas por um Dr. Guy Emery Shipler, porta-voz da delegação protestante que recentemente esteve em Belgrado. Este fato prova claramente que a política de aproximação entre protestantes e comunistas continua intensa.

Prova-o também uma notícia curiosa: em Edimburgo, realizou-se um congresso internacional da Associação Cristã de Moços, que como todos sabem é protestante. A esse congresso compareceram delegações de mais de cinquenta nações, inclusive da URSS. De onde se infere que a ACM tem direito de agir na URSS, direito este que, por certo, as Congregações Marianas não têm.

*  *  *

O Conde Emanuel de Bennigsen publicou, há dias, um artigo no "Estado de São Paulo", em que mostra que a recente decisão da ONU de fazer suspender as hostilidades entre indonésios e holandeses evidencia uma tendência profunda daquele organismo internacional de favorecer a soberania dos países coloniais, até mesmo contra o espírito e a letra dos tratados internacionais anteriores. Mostra o articulista que este princípio pode levar longe, se aplicado uniformemente aos assuntos análogos que vierem a ser submetidos à ONU, já que representará a destruição da forma atual de preponderância política que a Europa, e notadamente a Inglaterra, exerce sobre grandes regiões da África ou da Ásia.

* * *

Concordamos com estas considerações, e de nossa parte temos que acentuar que qualquer afrouxamento dos laços que prendem a África ou a Ásia às potências europeias significará forçosamente o triunfo das correntes nativistas que levantam o Oriente contra o Ocidente. Estas correntes não se apresentam senão como grandes movimentos políticos, sem preocupação religiosa ostensiva. Mas será quase impossível evitar que elas se voltem contra o Cristianismo mais cedo ou mais tarde, e quando falamos em Cristianismo entendemos Catolicismo e as missões católicas espalhadas um pouco por toda a parte.

Assim, pois, pressentimos com bastante ansiedade acontecimentos graves que se podem dar de futuro, em relação às cristandades africanas e asiáticas ora florescentes. Cremos que elas resistirão. Mas o sentido de unidade do Corpo Místico de Cristo faz-nos sofrer na previsão das perseguições que terão de suportar.

* * *

Tudo isto se apresenta em um futuro menos remoto do que se pode imaginar. Assim é que, nesta semana, a ONU foi solicitada a se pronunciar sobre outra questão colonial gravíssima: a presença de tropas inglesas no Sudão, o que molesta o governo do Rei Faruk. De outro lado, a França concedeu autonomia administrativa à Tunísia, e está na iminência de a conceder à Argélia, e a Inglaterra outorgou uma independência quase total ao Paquistão e ao Indostão. Ora, tudo isto vai acelerar o movimento nativista, e produzir questões que, dia mais dia menos, irão transformar-se em casos internacionais sujeitos à ONU.

Por mais inimigas que sejam, a Rússia e a república norte-americana apoiarão os nativistas como já os apoiaram no caso da Indonésia: convém a uma e à outra destruir o poderio de Londres, e obrigar todo o mundo a se filiar a um dos dois grandes grupos internacionais, o de Washington e o de Moscou. E, assim, um futuro declínio do poderio colonial da Inglaterra, da França, da Espanha, da Itália, de Portugal, parece quase inevitável.


Bookmark and Share