Nestes dias estão em foco dois assuntos econômico-sociais
importantíssimos, a extinção do DNC [órgão que regulava a política cafeeira] e a nova
lei de inquilinato. Nós católicos
temos o hábito de esbravejar contra o comunismo, a todo o propósito, sem contudo abrir suficientemente os olhos
para o socialismo branco, invasor e omnímodo, que lentamente vai transformando
nossas leis e costumes. Este socialismo é propugnado às vezes por
demagogos, e outras vezes por políticos que imaginam ser muito anticomunistas,
e se dizem tais em seus discursos. E, assim à sombra do próprio anticomunismo,
uma revolução social branca se vai fazendo no país. Os particulares vão
perdendo a noção de seus direitos, e o Estado vai perdendo a noção dos limites
que lhe circunscrevem a ação. Deixemos de lado, portanto, outros temas da
atualidade, para dedicar a nossa atenção a estes dois, na edição de hoje.
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O LEGIONÁRIO é um jornal estritamente apolítico, e que, como tal, evita de se imiscuir em
questões de natureza puramente temporal. Não relutamos, contudo, em intervir em
quaisquer assuntos – por mais distantes
das preocupações religiosas que pareçam – desde
que haja neles algum princípio da doutrina católica afetado direta ou
indiretamente.
Por
isto, não podemos deixar de dizer uma
palavra a respeito das discussões, que se tem travado ultimamente, na Câmara
Federal, na Câmara Estadual e na imprensa a propósito do DNC.
Evidentemente,
nada temos que dizer pró ou contra as pessoas que dirigem no momento nossa
política cafeeira, sua idoneidade, sua competência
etc. Apreciações desta natureza fogem inteiramente ao campo de nossas
preocupações. Deixemos, pois, de lado as pessoas, mas consideremos os
princípios e as instituições.
A instituição, no caso, é o DNC. E o
princípio é o da famosa “economia dirigida”, de que tanto se abusa em nosso
século. Impressiona ver, nos atuais debates, a
unanimidade maciça com que os interessados na lavoura e comércio do café pedem
a abolição do DNC. Nenhuma voz discrepante se levanta entre fazendeiros e
comissários, para pedir ao Estado que continue a dispensar aos cafeicultores o
“favor” da tutela oficial. Todos pedem, suplicam, exigem a liberdade plena para
o café. E o que não for esta liberdade lhes parece perigoso, suspeito, nocivo.
Nas piores fases da expansão da broca, os fazendeiros e comissários não
manifestaram tanto terror do estafonederes, quanto mostram em relação ao Estado, no
momento presente.
Este
fato tem sua explicação. Toda tragédia do café não teria ocorrido, ou pelo
menos não teria sido tão aguda e revoltante quanto foi, se o Estado se tivesse
abstido de intervir no assunto. De início, a interferência oficial foi
catastrófica porque produziu a crise, pela retenção dos estoques. Verificada a
crise, a interferência estatal foi ruinosa porque a prolongou e agravou
desmedidamente. Com efeito, ninguém ignora que boa parte do café confiscado aos
fazendeiros era – que termo empregar? - subtraído aos armazéns, e vendido clandestinamente (?)
para fornecer dinheiro ao próprio Estado. Assim, o fazendeiro custeava a
produção do café, pagava o ensacamento e o embarque, entregava o café ao Estado
para ser queimado, e o Estado se locupletava com o preço deste café! Houve uma
agravante: o DNC exigia que o café destinado à queima fosse metido em sacas
inteiramente novas. Que nem sequer eram depois restituídas aos fazendeiros. Se
o DNC, em lugar de ser órgão de uma nação civilizada, fosse um bureau
administrativo [de qualquer parte incivilizada do globo], não poderia fazer
mais, nem pior.
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Os
cafeicultores compreenderam muito bem que estes desatinos não se deveram
unicamente a este ou aquele personagem, a este ou aquele regime, mas tinham uma
causa mais profunda. Com efeito, duraram durante a gestão de toda a espécie de
personagens e regimes. E, por isto mesmo, são tão pessimistas em relação ao
futuro que os espera, se o Estado continuar a intervir na política cafeeira, através do DNC ou de qualquer órgão congênere. Em
última análise, seu pessimismo se refere, não a estes ou aqueles homens, a
estes ou aqueles regimes, mas ao Estado como tal, quaisquer que sejam os homens
e os regimes.
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E
tem eles toda a razão. O DNC é um órgão
“errado”. Ele, pura e simplesmente, não
deveria existir. Claro está que a política cafeeira
não poderia vogar sem direção, ao léu dos acontecimentos. Mas, segundo o
espírito da sociologia católica, tal direção deveria ser feita pelos próprios
interessados, reunidos em um ou alguns grandes organismos, dotados de poderes
necessários, mas inteiramente autônomos no que diz respeito ao Estado.
O
Estado errou quando se imiscuiu em uma seara que não era a sua, e tentou fazer
o papel de leader, lavrador e comerciante, ele que não
existe nem para lavrar terras nem para comerciar. Quando age fora de sua seara, o Estado é um semeador de catástrofes e
ruínas. Se a ação estatal é um precioso bem no campo que lhe é próprio,
sempre que desrespeita a autonomia da iniciativa particular ele se prejudica e
prejudica aos particulares, faz mal o bem, e faz bem o mal. Todo o drama do café ilustra magnificamente
os princípios católicos que, sem pender para uma liberdade que degeneraria em
anarquia, contudo condenam também a escravização de todas as esferas da vida,
ao Estado.
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O
mesmo poderíamos dizer de outro assunto
inteiramente diverso: os aluguéis.
Compreende-se que o Estado tenha intervindo nos contratos de locação, com o
intuito de evitar que a lei da oferta e da procura fosse falseada pelas
exigências exorbitantes dos senhorios. O Estado, porém, transpôs os limites da
moderação, e, para proteger a lei natural da oferta e da procura contra os
proprietários, aboliu-a do modo mais completo, em benefício dos inquilinos.
Um
erro gera outro. O Estado deveria ir autorizando uma alta de aluguéis proporcional
à alta geral do custo de vida, embora reprimisse as “chantagens” dos senhorios.
Ele poderia ter autorizado cada ano um aumento de locação de 15% apenas,
digamos. Assim, os aluguéis estariam no nível geral da vida. Não. Brutalmente,
irracionalmente, ele congelou os preços. Resultado os proprietários se
alarmaram, e o número de capitalistas interessados em construção decresceu. O
Estado procurou remediar o mal por meio de uma pequena finesse, permitindo que os
aluguéis dos prédios novos fossem fixados segundo o preço corrente no momento
em que a primeira locação deles se efetuasse. Mas as finesses
do Estado são subtilezas de elefante. Os proprietários bem perceberam que
daqui a alguns anos suas rendas se tornariam insignificantes pela alta do custo
de vida. Daí resultou que o número de prédios novos continuou a ser
insuficiente.
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Perdurou
a crise de habitações. Alguns corajosos, contudo, resolveram-se a construir, e
começaram a despejar os ocupantes dos prédios velhos.
O Estado deveria isentar de impostos estes abnegados. Pelo contrário, cogita-se
agora de lhes proibir que construam. Onde iremos parar?
Se
a população vai crescendo, e se torna proibido construir na área central e já
edificada do Rio e de São Paulo, é ou não é certo, evidente, indiscutível que a
crise se agravará?
Vejamos
se, de estratagema em estratagema, de artificialidade em artificialidade, o
Estado chegará até este extremo.
Os apuros em que o Estado se encontra agora, debaixo deste ponto de vista, são evidentes. De onde vem eles? Se não inteiramente, ao
menos em grande parte eles procedem de
uma só causa: o Estado pensou que podia contrariar artificialmente, com suas
leis, a ordem natural das coisas. Ai dos que violam a ordem da natureza:
esta os castiga muitas vezes de modo inflexível. De erro em erro, chegaremos a uma situação de calamidade em matéria de
moradia, pela proibição absurda em que ficará o particular, de dar à crise
o único remédio plausível, que é a construção de prédios novos.
Neste dia só uma solução parecerá viável:
confiscar os prédios aos proprietários, invadir as residências particulares e
transformá-las todas em cortiços.
Se
um proprietário, amigo do asseio e da vida do lar, protestar, não faltarão
pasquins para noticiar o fato em letras garrafais: “proprietário egoísta,
queria continuar dono em sua própria casa”. Os subtítulos serão: “meu lar é
para mim e para os meus, exclamava cinicamente o proprietário desonesto”. “A
polícia prendeu uma proprietária que não quis alojar o mendigo em seu quarto”.
Ou então: “o proprietário egoísta e desonesto queria ter um banheiro só para a
sua família”.
Levar-nos-á até este extremo a
demagogia reles sob cujo signo vivemos?