Legionário, n.º 772, 25 de maio de 1947

7 DIAS EM REVISTA

Nestes dias estão em foco dois assuntos econômico-sociais importantíssimos, a extinção do DNC [órgão que regulava a política cafeeira] e a nova lei de inquilinato. Nós católicos temos o hábito de esbravejar contra o comunismo, a todo o propósito, sem contudo abrir suficientemente os olhos para o socialismo branco, invasor e omnímodo, que lentamente vai transformando nossas leis e costumes. Este socialismo é propugnado às vezes por demagogos, e outras vezes por políticos que imaginam ser muito anticomunistas, e se dizem tais em seus discursos. E, assim à sombra do próprio anticomunismo, uma revolução social branca se vai fazendo no país. Os particulares vão perdendo a noção de seus direitos, e o Estado vai perdendo a noção dos limites que lhe circunscrevem a ação. Deixemos de lado, portanto, outros temas da atualidade, para dedicar a nossa atenção a estes dois, na edição de hoje.

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O LEGIONÁRIO é um jornal estritamente apolítico, e que, como tal, evita de se imiscuir em questões de natureza puramente temporal. Não relutamos, contudo, em intervir em quaisquer assuntos – por mais distantes das preocupações religiosas que pareçam – desde que haja neles algum princípio da doutrina católica afetado direta ou indiretamente.

Por isto, não podemos deixar de dizer  uma palavra a respeito das discussões, que se tem travado ultimamente, na Câmara Federal, na Câmara Estadual e na imprensa a propósito do DNC.

Evidentemente, nada temos que dizer pró ou contra as pessoas que dirigem no momento nossa política cafeeira, sua idoneidade, sua competência etc. Apreciações desta natureza fogem inteiramente ao campo de nossas preocupações. Deixemos, pois, de lado as pessoas, mas consideremos os princípios e as instituições.

A instituição, no caso, é o DNC. E o princípio é o da famosa “economia dirigida”, de que tanto se abusa em nosso século. Impressiona ver, nos atuais debates, a unanimidade maciça com que os interessados na lavoura e comércio do café pedem a abolição do DNC. Nenhuma voz discrepante se levanta entre fazendeiros e comissários, para pedir ao Estado que continue a dispensar aos cafeicultores o “favor” da tutela oficial. Todos pedem, suplicam, exigem a liberdade plena para o café. E o que não for esta liberdade lhes parece perigoso, suspeito, nocivo. Nas piores fases da expansão da broca, os fazendeiros e comissários não manifestaram tanto terror do estafonederes, quanto mostram em relação ao Estado, no momento presente.

Este fato tem sua explicação. Toda tragédia do café não teria ocorrido, ou pelo menos não teria sido tão aguda e revoltante quanto foi, se o Estado se tivesse abstido de intervir no assunto. De início, a interferência oficial foi catastrófica porque produziu a crise, pela retenção dos estoques. Verificada a crise, a interferência estatal foi ruinosa porque a prolongou e agravou desmedidamente. Com efeito, ninguém ignora que boa parte do café confiscado aos fazendeiros era – que termo empregar? - subtraído aos armazéns, e vendido clandestinamente (?) para fornecer dinheiro ao próprio Estado. Assim, o fazendeiro custeava a produção do café, pagava o ensacamento e o embarque, entregava o café ao Estado para ser queimado, e o Estado se locupletava com o preço deste café! Houve uma agravante: o DNC exigia que o café destinado à queima fosse metido em sacas inteiramente novas. Que nem sequer eram depois restituídas aos fazendeiros. Se o DNC, em lugar de ser órgão de uma nação civilizada, fosse um bureau administrativo [de qualquer parte incivilizada do globo], não poderia fazer mais, nem pior.

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Os cafeicultores compreenderam muito bem que estes desatinos não se deveram unicamente a este ou aquele personagem, a este ou aquele regime, mas tinham uma causa mais profunda. Com efeito, duraram durante a gestão de toda a espécie de personagens e regimes. E, por isto mesmo, são tão pessimistas em relação ao futuro que os espera, se o Estado continuar a intervir na política cafeeira, através do DNC ou de qualquer órgão congênere. Em última análise, seu pessimismo se refere, não a estes ou aqueles homens, a estes ou aqueles regimes, mas ao Estado como tal, quaisquer que sejam os homens e os regimes.

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E tem eles toda a razão. O DNC é um órgão “errado”. Ele, pura  e simplesmente, não deveria existir. Claro está que a política cafeeira não poderia vogar sem direção, ao léu dos acontecimentos. Mas, segundo o espírito da sociologia católica, tal direção deveria ser feita pelos próprios interessados, reunidos em um ou alguns grandes organismos, dotados de poderes necessários, mas inteiramente autônomos no que diz respeito ao Estado.

O Estado errou quando se imiscuiu em uma seara que não era a sua, e tentou fazer o papel de leader, lavrador e comerciante, ele que não existe nem para lavrar terras nem para comerciar. Quando age fora de sua seara, o Estado é um semeador de catástrofes e ruínas. Se a ação estatal é um precioso bem no campo que lhe é próprio, sempre que desrespeita a autonomia da iniciativa particular ele se prejudica e prejudica aos particulares, faz mal o bem, e faz bem o mal. Todo o drama do café ilustra magnificamente os princípios católicos que, sem pender para uma liberdade que degeneraria em anarquia, contudo condenam também a escravização de todas as esferas da vida, ao Estado.

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O mesmo poderíamos dizer de outro assunto inteiramente diverso: os aluguéis. Compreende-se que o Estado tenha intervindo nos contratos de locação, com o intuito de evitar que a lei da oferta e da procura fosse falseada pelas exigências exorbitantes dos senhorios. O Estado, porém, transpôs os limites da moderação, e, para proteger a lei natural da oferta e da procura contra os proprietários, aboliu-a do modo mais completo, em benefício dos inquilinos.

Um erro gera outro. O Estado deveria ir autorizando uma alta de aluguéis proporcional à alta geral do custo de vida, embora reprimisse as “chantagens” dos senhorios. Ele poderia ter autorizado cada ano um aumento de locação de 15% apenas, digamos. Assim, os aluguéis estariam no nível geral da vida. Não. Brutalmente, irracionalmente, ele congelou os preços. Resultado os proprietários se alarmaram, e o número de capitalistas interessados em construção decresceu. O Estado procurou remediar o mal por meio de uma pequena finesse, permitindo que os aluguéis dos prédios novos fossem fixados segundo o preço corrente no momento em que a primeira locação deles se efetuasse. Mas as finesses do Estado são subtilezas de elefante. Os proprietários bem perceberam que daqui a alguns anos suas rendas se tornariam insignificantes pela alta do custo de vida. Daí resultou que o número de prédios novos continuou a ser insuficiente.

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Perdurou a crise de habitações. Alguns corajosos, contudo, resolveram-se a construir, e começaram a despejar os ocupantes dos prédios velhos. O Estado deveria isentar de impostos estes abnegados. Pelo contrário, cogita-se agora de lhes proibir que construam. Onde iremos parar?

Se a população vai crescendo, e se torna proibido construir na área central e já edificada do Rio e de São Paulo, é ou não é certo, evidente, indiscutível que a crise se agravará?

Vejamos se, de estratagema em estratagema, de artificialidade em artificialidade, o Estado chegará até este extremo.

Os apuros em que o Estado se encontra agora, debaixo deste ponto de vista, são evidentes. De onde vem eles?  Se não inteiramente, ao menos em grande parte eles procedem de uma só causa: o Estado pensou que podia contrariar artificialmente, com suas leis, a ordem natural das coisas. Ai dos que violam a ordem da natureza: esta os castiga muitas vezes de modo inflexível. De erro em erro, chegaremos a uma situação de calamidade em matéria de moradia, pela proibição absurda em que ficará o particular, de dar à crise o único remédio plausível, que é a construção de prédios novos.

Neste dia só uma solução parecerá viável: confiscar os prédios aos proprietários, invadir as residências particulares e transformá-las todas em cortiços.

Se um proprietário, amigo do asseio e da vida do lar, protestar, não faltarão pasquins para noticiar o fato em letras garrafais: “proprietário egoísta, queria continuar dono em sua própria casa”. Os subtítulos serão: “meu lar é para mim e para os meus, exclamava cinicamente o proprietário desonesto”. “A polícia prendeu uma proprietária que não quis alojar o mendigo em seu quarto”. Ou então: “o proprietário egoísta e desonesto queria ter um banheiro só para a sua família”.

Levar-nos-á até este extremo a demagogia reles sob cujo signo vivemos?