Legionário, N.º 760, 2 de março de 1947

7 Dias em Revista

Segundo notícia da agência oficial do Vaticano, transmitida por via telegráfica ao mundo inteiro, só no campo de concentração nazista de Dachau, e feita portanto exclusão do que tenha sucedido em outros campos, morreram pelo menos dois mil sacerdotes católicos.

Ainda aos olhos da simples razão natural, uma notícia como essa causa horror. Se ponderamos ademais que a pessoa do sacerdote é sagrada, em virtude da ordenação sacerdotal, e que qualquer mau trato físico contra um Ministro do altar é sacrílego, poderemos compreender melhor a imensidade dos pecados cometidos em Dachau.

É importante registrar tudo isto. Primeiramente para que desagravemos por atos de reparação, e por um especial respeito para com o Clero, o Sagrado Coração de Jesus, ofendido por tamanha injúria. Em segundo lugar, para manter bem vivo em nosso espírito o horror ao nazismo e seus consectários. E, finalmente, para combater certa propaganda discreta e indireta que se vai fazendo a favor dos campos de concentração, por meio de mil historietas amáveis que começam a circular sobre víveres, agasalhos, e notícias propiciadas aos detentos, concertinhos, teatrinhos, etc., proporcionados em Dachau e outros campos aos presos sob o olhar paternal e simpático dos ditadores nazistas.

Mas há mais. No tempo em que o nazismo estava em seu apogeu, afirmávamos energicamente que este constituía o inimigo número um da Humanidade em geral e especialmente da Cristandade. Esta linguagem desagradava, é claro, aos que, sob pretexto de uma cruzada contra o comunismo, queriam de fato estabelecer uma confusão de campo entre os arraiais católicos e nazistas. Mantivemos, contudo, energicamente, nosso ponto de vista, que até hoje sustentamos ter sido perfeitamente acertado.

Somos, pois, muito insuspeitos para manifestar o mais formal desacordo em relação aos que, diante da situação atual, inteiramente diversa dos tempos em que o nazismo estava no auge, querem apresentar os restos de totalitarismo direitista como o grande perigo, e depreciam o perigo imenso que é o comunismo.

Custa crer que espíritos inteligentes e bem informados achem que uns destroços de partidos políticos, vivendo subterraneamente nos porões da Alemanha ou em obscuros rincões da Itália, possam constituir perigo comparável ao exército imenso de Stalin, servido por todo o potencial econômico da Rússia, e apoiado pelas quintas colunas vermelhas autênticas que são, no mundo inteiro, os partidos comunistas.

Se, pois, o perigo nazista está longe de ser tão próximo quanto o perigo comunista, como afirmar que o primeiro é mais grave que o segundo?

Às vezes, entre dois perigos, o mais próximo não é o mais grave. Dá-se isto quando o perigo mais remoto traz consigo males muito maiores. É muito mais próximo de nós, nestes dias chuvosos, o perigo de uma gripe que o de uma pneumonia. Mas o da pneumonia é mais grave porque expõe a vida humana.

Dá-se isto na alternativa "nazismo-comunismo"? Poder-se-á sustentar que o nazismo constituía em si mesmo mal maior do que o comunismo?

Voltemos ao campo de concentração de Dachau, de que falávamos acima. É terrível a atrocidade nele praticada contra dois mil sacerdotes. E na URSS, não se dá isto também?

Sim, e todos o sabem. Dá-se na URSS e em todos os territórios sob ocupação soviética. Ainda está vivo na memória de todos o caso de Mons. Stepinac. Agora, do Vaticano vem a notícia de que Monsenhor Francesco Gini, Bispo de Alessio e chefe da legação pontifícia na Albânia - um diplomata portanto - está entre os clérigos aprisionados pelos sovietes. Não se conhecem os motivos de sua detenção. Em Scutari - importante cidade Albanesa - conhecido mosteiro foi destruído, tendo sido trucidados ou aprisionados todos os religiosos. Os conventos de religiosas foram fechados, e o uso de hábito religioso foi proibido a todas as freiras.

Isto é o que se sabe, o que filtra através da famosa cortina de aço. E o que não se sabe?

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Afirmamos que os partidos comunistas do mundo inteiro são verdadeiras quintas colunas. A afirmação não é nova, e, entretanto, continua inteiramente oportuna. Com grande facilidade, esquece-se ou se diminui o alcance desta verdade. É preciso que ela seja mantida sempre na ordem do dia, para o que der e vier. E, para isto, os próprios comunistas, com suas inabilidades, se encarregam de nos fornecer elementos.

Reuniu-se agora em Londres um Congresso dos Partidos Comunistas de todo o Império Britânico. Esse Congresso adotou uma resolução condenando a viagem da família real à África do Sul. O fato facilmente se explica. Os comunistas são forçosamente anti-monárquicos. Todas as oportunidades lhes são boas para atacar o trono. Esta é uma: serviram-se dela.

Seja como for, o fato, evidentemente, se relaciona de modo capital com a Inglaterra, e interessa apenas secundariamente o nosso Brasil. Dificilmente se poderia perceber de que maneira esta moção de censura forçosa, inevitável e banal como é, e que com certeza na Inglaterra pareceu muito explicável, poderia apaixonar a opinião brasileira.

Pois apaixonou e a tal ponto que criou um incidente. Os comunistas vibram com tal entusiasmo a respeito dos assuntos que afetam a política de Moscou que em um dos cinemas do Rio – um dos mais luxuosos de Copacabana – quando se filmou um aspecto da viagem da família real inglesa, grupos de comunistas abriram os guarda-chuvas para impedir a projeção. Promoveram uma imensa assuada, e entraram em pugilato contra os espectadores que protestaram contra os incômodos acarretados por tal procedimento.

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Falam os comunistas de “liberdade de pensamento”. Se um grupo de católicos obstruísse por esta forma uma projeção cinematográfica comunista, eles gritariam contra a “intolerância”. Nós, que somos contra a liberdade de pensamento a 1789, teríamos o direito de agir assim. Mas eles...!

E ainda há quem tome a sério os comunistas, quando clamam contra a autoridade, em suas risadas demagógicas insinceras.

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O Congresso de comunistas de Londres teve ainda outro aspecto interessante. Os delegados do PC francês compareceram, e começaram por fazer um discurso complexo, para se desculpar perante as outras delegações pelo caráter nacionalista do comunismo francês. “Os comunistas franceses”, disse um dos oradores, “desejam que o caráter nacional de seu partido seja compreendido na Inglaterra” com certeza porque para os comunistas ingleses, e dos outros países, parece inconcebível que comunistas sejam realmente patriotas.

E, se realmente é explicável que um comunista – favorável à supressão da idéia de pátria – seja pouco patriota, isto se entende especialmente da Inglaterra.

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Com efeito, durante toda a conferência de Londres, não se fez outra coisa, senão conspirar contra os interesses ingleses. O Rei vai à África consolidar os vínculos britânicos com aquela região? Os comunistas votam uma moção de censura. A Inglaterra mantém tropas na Grécia para garantir o governo legalmente eleito contra a pressão das armas soviéticas? Os comunistas aprovam um pedido de imediata retirada dos contingentes britânicos ali acantonados. O Governo desenvolve uma reação – e quão tímida – contra os pruridos autonomistas do Egito e Índia? Os comunistas protestam.

Se o governo atendesse a todos estes protestos, se, em outros termos, o programa comunista fosse executado à risca, o que sucederia à Inglaterra? Ficaria esquartejada.

É a este trabalho de esquartejamento que se dedicam com afã os comunistas ingleses, enquanto a economia de seu país está ameaçada de colapso e a Grã Bretanha atravessa dias talvez mais trágicos do que aqueles em que a Luftwaffe sobrevoava Londres.

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Assim, teve toda a razão o Sr. Butler, chefe conservador, declarando em recente discurso que “os Estados Unidos e outras nações estrangeiras estão começando a pensar que estamos jogando fora nosso império”.

Qual o objetivo da URSS em tudo isto? É fácil perceber. De um lado o colapso político do império acarretará o colapso econômico e este repercutirá funestamente sobre toda a economia do Ocidente burguês. Do outro lado, a Índia destacada do império passará a fazer o papel de satélite do sistema colonial soviético. E, por fim, o Egito, tornado mais independente reforçará o surto ascensional dos povos maometanos, criando um gravíssimo perigo para a Cristandade no Mediterrâneo.

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Uma palavra sobre Von Papen. Achamos simplesmente escandaloso que a corte de desnazificação de Nurenberg o tenha condenado a oito anos de prisão com trabalhos forçados. O maior malfeitor deste século, depois de Hitler, um dos traidores mais cínicos da História, acaba sendo praticamente indultado.

Com efeito, ninguém toma a sério estes “trabalhos forçados”. Von Papen tem 68 anos, e não pode fazer trabalhos manuais. Aliás a própria Corte já decretou que tais trabalhos serão “especiais de acordo com as condições físicas do réu”. Tudo isto ficará letra morta. É só vir um governo mais ou menos autônomo, que Von Papen estará na rua, reintegrado em seus bens, que serão mantidos até lá em esmerada proteção sob o “seqüestro” oficial. E estará tudo acabado.