Legionário, no 750, 22 de dezembro de 1946

7 DIAS EM REVISTA

Noticiamos com satisfação que a Constituinte italiana aprovou a incorporação do Tratado de Latrão à Constituição. Em outros termos, o Governo só poderá alterar dito tratado, sem consentimento da Santa Sé, nos casos e com as restrições com que se permite uma reforma constitucional. Se, contudo, a reforma do tratado se verificar com o consentimento da Santa Sé, poderá ser feita independente da aprovação do Legislativo. Assim, as reformas favoráveis à Igreja serão fáceis. As desfavoráveis serão difíceis.

Essa vitória se deve ao fato de que todos os partidos anticomunistas da Câmara, opostos ao Democrata Cristão por tão justos motivos, reforçaram a votação deste para alcançar a vitória da Igreja.

A este gesto de nobreza de espírito dos elementos anticomunistas e contrários à "mão estendida" se deve tão feliz resultado.

*  *  *

A Cúria Metropolitana desta Arquidiocese está publicando o seguinte edital, para o qual chamamos a atenção de nossos leitores:

"De ordem de s. Emcia. o senhor cardeal-arcebispo e dos Exmos. Srs. bispos desta Província Eclesiástica, reunidos em conferência anual, comunico ao Revdo. clero e aos fiéis de todo o Estado de S. Paulo que a Liga Eleitoral Católica (LEC) reiniciará brevemente as suas atividades, orientando os católicos em face da próxima campanha eleitoral. Mantendo-se, como sempre, fora e acima dos interesses partidários, a Igreja, como já o fez no último pleito, apoiará a todos os partidos e candidatos que se comprometerem a defender os postulados essenciais da LEC.

Relativamente ao partido comunista - materialista e ateu e seus candidatos - cumpre a todos os católicos, por grave dever de consciência, recusar-lhe todo e qualquer apoio. E a fim de melhor esclarecer os fiéis sobre as razões desta atitude, manda o episcopado paulista que se leia em todas as igrejas provisionadas da província eclesiástica, a carta encíclica 'Divini Redemptoris' do Santo Padre Pio XI. - São Paulo, 18 de dezembro de 1946. - (a) Monsenhor Paulo Rolim Loureiro, chanceler do  Arcebispado".

No que diz respeito ao comunismo, tão incisivamente condenado neste edital, é preciso que os fiéis exerçam toda a vigilância. É certo que os comunistas procuram passar, no momento presente, por perfeitamente ecléticos em matéria de filosofia e religião, indiferentes pois às controvérsias entre ateus, pagãos, espíritas, protestantes, cismáticos e católicos, e, assim, dispostos a, uma vez no governo, conceder a todas as opiniões a maior liberdade. Mas nisto há um embuste grosseiro. E, para o demonstrar, não precisamos olhar para a Rússia, nem consultar as obras dos principais autores comunistas. Basta que recordemos um pouco de Catecismo.

Ainda que aparecesse uma escola política que, partindo de princípios diversos do materialismo e do ateísmo, chegasse entretanto ao programa político e social do comunismo, esta escola estaria em irredutível oposição com o Catolicismo. A luta entre a Igreja e o comunismo não vem só do fato de que este é ateu, mas também do fato de que o comunismo deseja a extinção da família e da propriedade privada. De sorte que ainda mesmo se o comunismo deixasse de ser materialista e ateu continuaria absolutamente tão condenado quanto está presentemente. E, para dizer tudo até o fim, ainda mesmo que o comunismo - por uma contradição gritante - além de repudiar o  ateísmo repudiasse também o amor livre, e combatesse apenas a propriedade privada, continuaria absolutamente e fundamentalmente incompatível com o Catolicismo. É preciso dizer esta verdade em letras garrafais, para desiludir os que julgam que, com o tempo, poderá haver uma conciliação entre católicos e comunistas.

* * *

Insistamos, para elucidar um ponto que é de suma gravidade para os católicos. Segundo a doutrina  da Igreja, a propriedade privada é essencial à ordem humana, pois que é diretamente reclamada pelas exigência de nossa natureza. E, como Deus é o Autor da natureza humana, essas exigências naturais significam a vontade de Deus. De onde se segue que a propriedade privada existe por vontade de Deus. Suprimir a propriedade privada implica em introduzir uma perturbação tão profunda na ordem natural que com ela se destroe a sociedade temporal. E constitui uma desobediência à vontade de Deus. De onde se segue que é uma ação que expõe os  povos às mais graves conseqüências, e arrasa os próprios fundamentos da civilização.

E como a Igreja é a interprete dos desígnios de Deus, a guardiã da Lei de Deus, a tutora da ordem natural, ela estará sempre em conflito gravíssimo, fundamental, irremediável com qualquer partido, governo ou forma de Estado que elimine a propriedade individual - ainda mesmo que este partido, governo ou Estado tome ares de católico.

Esta é a genuína doutrina católica, que importa manifestar com a mais completa clareza a nossos leitores.

Como se vê, postas as coisas neste pé, se em um Estado comunista houver Igrejas Católicas, franqueadas aos fiéis, do púlpito, do confessionário, de todos os modos a Igreja pregará contra a organização econômica do comunismo, e a favor da propriedade privada. Será possível que o comunismo admita isto?

A título definitivo, não. A título precário, provisoriamente, para ver se arrasta os católicos a alguma aventura, talvez. Neste caso, provaria ele negociar uma concordata com a Igreja. Aceitará a Igreja tal concordata?

Nenhuma concordata significa a aprovação do regime político ou social instituído pelo governo com que a Santa Sé entre em acordo. Haja vista o nazismo, cuja doutrina era condenada pela Igreja, mas com o qual o Vaticano fez uma concordata.

É possível que o comunismo ofereça à Igreja liberdade de cultos por algum tempo. Se a compensação não for algum sacrifício de doutrina, não é impossível que a Igreja aceite, o oferecimento. Será para ambos os lados uma "parada" arriscada. A Igreja, com alguns anos de liberdade, poderá organizar melhor a resistência contra futuras perseguições. E os comunistas, adornados por uma aparência de benignidade, terão transviado algumas almas. Como se vê, a questão é por demais nebulosa para que possamos saber, à distância, se convém ou não convém tal concordata. Só mesmo a Santa Sé o pode julgar. E, aliás, só ela tem o direito de julgar.

Mas uma coisa é certa: se tal concordata sobrevier, ou com a Rússia, com a Polônia (e a respeito de concordata com esta ultima os rumores andam significativos), isto não quer dizer de modo algum que a Igreja esteja disposta a abrir mão do sacratíssimo princípio da propriedade privada.

* * *

A respeito da Polônia, não podemos deixar de transmitir aqui um comentário interessantíssimo feito por Sua Eminência o Cardeal Griffin, Arcebispo de Londres. Disse o eminente purpurado que não compreende como a ONU se interessa tanto pela liberdade na Espanha, a ponto de intervir claramente na política interna daquele país, e, contudo, se desinteressa de garantir as eleições livres na Polônia. Então, a liberdade só é um bem para a Espanha? A Polônia está a margem da humanidade e da civilização, e a liberdade de seus filhos não interessa de modo algum à ONU? Como compreender tão flagrante contradição?

É a este grau de baixa e grosseira incongruência em que caiu a política internacional em nossos dias.

* * *

Continua veemente a luta, na Itália, entre católicos e anti-católicos. Desencadeou-se agora naquele país uma grande campanha a favor do divórcio. Os elementos católicos estão reagindo à altura. E A. A. C. enviou uma delegação  ao Sr. De Gasperi, protestando contra a onda de impressos anticlericais e pornográficos que invadiu a península.

Hoje em dia tudo é possível... Até um ato de coragem do Sr. De Gasperi. Convenhamos, contudo, em que provável não é!

* * *

Continua a lavrar a "revolta" nas fileiras do Partido Trabalhista Britânico. Tão veemente e indiscutível é a tendência desse partido para a esquerda, que seus representantes mais jovens e prestigiosos abriram uma cisão rumorosa com o gabinete trabalhista por motivo da política exterior adotada por este último. Desejam os trabalhistas que a Inglaterra deixe de ser tão intimamente solidária com os Estados Unidos contra a União Soviética. Em outros termos, desejam que a Inglaterra apoie algumas das reivindicações internacionais soviéticas. E, em  outros termos ainda, desejam favorecer a expansão internacional dos soviéticos. Se estes dispusessem na Inglaterra de uma quinta-coluna eficaz, militante, ardilosa, influente, tal quinta-coluna não teria outra tática, nem adotaria outra linguagem.

* * *

Ao mesmo tempo, acentua-se a discórdia entre a oposição conservadora e o gabinete trabalhista. O governo está nacionalizando cada vez mais a economia inglesa. Agora, nacionalizou os meios de transporte, o que "eqüivale a uma verdadeira catástrofe nacional", segundo declarou na Câmara dos Comuns o Sr. Anthony Eder. E esta é apenas uma etapa de um plano mais vasto. Assim, o próprio gabinete tão rudemente atacado pela ala rubra do trabalhismo britânico por ser insuficiente russófilo, trabalha pelo comunismo, pois que lhe prepara o caminho tornando cada vez mais socialista o regime político e social inglês.

A despeito da violência de sua oposição ao gabinete, os conservadores ficam em uma situação difícil pois que, se derrubarem o gabinete estarão expostos a um outro gabinete trabalhista, que representaria já não mais a tendência  moderada, mas a tendência extremada do trabalhismo britânico. Assim, a oposição conservadora ao programa socialista do atual gabinete se vê consideravelmente atenuada pela própria revolta que contra este gabinete lavra no seio do trabalhismo.

Assim, se a dissidência dos "jovens turcos" do trabalhismo cria para o gabinete algumas dificuldade na política externa, de fato facilita sua obra na política interna. Em outros  termos, o balanço de tudo isto é o seguinte:

a) lucra a URSS porque a reação anti-soviética dos EE.UU se enfraquece;

b) lucra a URSS porque os da reação anti-socialista dos conservadores britânicos se debilita.

Desde que o resultado de movimentos tão contraditórios e tão complexos, provocados pela cisão do trabalhismo inglês, vem a dar  sistematicamente em vantagens para URSS, é o caso de se perguntar se não há nisto tudo um jogo político ágil e prolixo dos soviéticos, um desses jogos que em nossos dias não é muito difícil organizar, quando se deixa circular ouro à vontade?

* * *

Caiu na França o Sr. Bidault. O regime tripartite de governo, em que elementos ingênuos depositaram tão ardentes esperanças, se esfacelou. E sobe à cena o Sr. Leon Blum.

Entrou na arena o velho leão [...], rugindo contra o comunismo. E, ao mesmo tempo, anunciou um programa de reformas visando socializar - isto é sujeitar aos princípios econômicos de Marx - largas esferas da vida econômica francesa.

No final das contas, do que vale este anticomunismo cujo primeiro sintoma, na Inglaterra como na França, é fazer concessões ao comunismo?