Legionário, Nº 741, 20 de outubro de 1946

7 Dias em Revista

A propósito da sentença que condenou a 16 anos de prisão com trabalhos forçados o venerando Arcebispo de Zagreb, a Cúria Metropolitana desta Arquidiocese distribuiu o seguinte comunicado:

"Por motivo da recente e injusta condenação lançada contra a digna pessoa do Sr. Arcebispo de Zagreb, o clero de São Paulo enviou à Sua Santidade o Papa Pio XII o seguinte telegrama de protesto contra esse ato do governo Iugoslavo.

Monsenhor Montini - Cidade do Vaticano - Todo clero de São Paulo, reunido sob a presidência do Exmo. Cardeal Arcebispo, roga a V. Excia. queira apresentar a Sua Santidade os seus sentimentos de profunda indignação contra a iníqua condenação de Monsenhor Stepinac e seus companheiros. (a) - Vigário Geral ".

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Esta folha faz da devoção ao Sumo Pontífice o elemento mais essencial de todo o seu programa. Assim, registra com respeitosa satisfação a primeira visita que efetuará a esta Arquidiocese S. Excia. Revma. Mons. Carlos Chiarlo, Núncio Apostólico de Sua Santidade o Papa Pio XII, junto ao governo brasileiro.

Esta grata notícia foi comunicada ao Revmo. Clero e fiéis da Arquidiocese, por meio do seguinte comunicado da Cúria Metropolitana:

“De ordem de Sua Eminência Reverendíssima o Senhor Cardeal Arcebispo, comunico ao Revmo. Clero Secular e Regular, e aos fiéis do Arcebispado, que deverá chegar a São Paulo na próxima segunda feira, dia 21, às 19 horas e meia, o Exmo. e Revmo. Sr. D. Carlos Chiarlo, Núncio Apostólico de Sua Santidade o Papa Pio XII junto ao governo brasileiro”.

É a primeira vez que S. Excia. Revma. vem a nossa Capital em visita oficial, devendo desembarcar na Estação Roosevelt, onde receberá os cumprimentos das autoridades, clero e fiéis.

Para essa recepção festiva ao eminente embaixador da Santa Sé no Brasil, são convidados o Revmo. Clero e fiéis católicos de São Paulo - São Paulo, 17 de outubro de 1945. - (a) Monsenhor Paulo Rolim Loureiro chanceler do Arcebispado".

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Em nosso último artigo, mostramos que, lentamente, a política religiosa da URSS evolui no sentido de uma franca reconciliação com os cismáticos, reconciliação tão franca que tende mesmo a transformar os sovietes em paladinos da religião pseudo-ortodoxa, em todos os países da Europa Central, oriental, nos Balcãs e quiçá mesmo na Ásia menor. Um "paladino", para ser digno desse nome, precisa ser combatente. Não se é somente paladino em favor de alguém, mas contra outrem. E "outrem", no [caso] concreto, é a Igreja Católica. Iludem-se os que pensam que o processo de Mons. Stepinac é um fato isolado. Ele se liga às perseguições efetuadas pelos soviéticos contra os católicos para os forçar a ingressar na igreja cismática, perseguições estas veementemente denunciadas pelo Santo Padre. E tende a se desenvolver sistematicamente em outros atos de hostilidade. Assim é que os telegramas de sexta-feira noticiavam que mais um prelado vai ser sujeito a processo, na parte dos Balcãs ocupada pela Rússia.

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Estamos em um tempo de confusão. Não é supérfluo mostrar, pois, ainda mesmo a católicos, que a situação de Tito não tem desculpas. Com efeito, ele foi declarado excomungado pela Sagrada Congregação do Concílio, e essa declaração eqüivale a um verdadeiro julgamento proferido contra ele pela Santa Sé.

Note-se bem que a excomunhão não foi fulminada contra Tito pelo fato de que a sentença proferida contra Mons. Stepinac é injusta. Sem dúvida, o "Osservatore Romano", exprimindo autorizadamente o pensamento pontifício, estigmatizou com energia as acusações falsas, que se levantaram contra Mons. Stepinac. Mas, por mais abominável que seja a condenação injusta de um réu, máxime de um Prelado, não é propriamente aí que está o fundamento da excomunhão. Tito praticou um ato de suprema gravidade, sujeitando a julgamento civil, um Prelado da Igreja. Por sua divina constituição, a Santa Igreja está acima de todos os governos civis. A nenhum poder humano toca o direito de julgar os Prelados da Igreja. Assim, pois, pelo próprio fato de ter sujeito a julgamento civil um Prelado, e ainda mesmo que a sentença proferida contra esse Prelado fosse justa, Tito mereceria a excomunhão em que incorreu.

Ora, se algum ingênuo (?) pode ainda imaginar que Tito eventualmente teria sido iludido a respeito de Mons. Stepinac por informações falsas, é certo que não se pode ter enganado, como católico, sobre a violência que praticava contra a Igreja de Deus, submetendo a julgamento civil um seu Prelado. Por certo, ele terá sido prevenido da excomunhão, com tempo de emendar previamente seu erro. Se não o fez, basta isso para demonstrar sua posição fundamentalmente censurável perante a Igreja na qual foi batizado.

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Assim, pois, se não bastasse o simples fato de ser Tito um dos suportes do domínio comunista nos Balcãs, fato só por si suficiente para demonstrar que ele é um verdadeiro inimigo da Igreja, a sua atitude no processo de Mons. Stepinac fala, por si só, com insofismável clareza nesse sentido.

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Já que tocamos neste assunto, registramos com satisfação que Sua Eminência, o Senhor Cardeal Griffin, Arcebispo de Londres, ordenou uma campanha de telegramas de todos os católicos ingleses ao gabinete trabalhista, para lhe solicitar que intervenha em favor de Mons. Stepinac. Teremos, porém, surpresa em saber que a campanha alcançou algum êxito. As pessoas do tipo "nem carne nem peixe", do sr. Attlee e de seus colegas socialistas, são exímias na tática inglória de ouvidos moucos. Só uma fortíssima pressão poderá arrancá-los a essa fácil posição. Não sabemos se o número de católicos já é suficiente na Inglaterra, para alcançar esse resultado. Porque, em última análise, só o argumento-número moverá o sr. Attlee.

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Quando comentamos, ao reunir-se a Conferência de Paris, o completo isolamento em que ficou o Sumo Pontífice, que segundo parece nem sequer foi convidado a enviar àquele conclave um observador oficial, acentuamos muito um aspecto do tema: se Pio XII fosse convidado, sua situação se tornaria embaraçosa, porque a atmosfera de taverna, em que se desenvolve hoje a diplomacia, não é propícia à presença e à influência de representantes do Vigário de Cristo.

O recente discurso em que o Sr. Molotov declarou que a URSS não aceitava as decisões tomadas pela maioria de dois terços na Conferência, demonstra bem nossa asserção. Depois deste discurso, a que ficou reduzida a Conferência? A uma farsa internacional. Se o mundo de hoje quer fazer farsa a propósito de tudo, e até dos assuntos mais graves, é melhor que a faça sem a presença do Vaticano. Fica bem à Santa Sé parecer bem visivelmente enxotada de uma assembléia de que também foram desterradas a dignidade, a seriedade e a polidez das maneiras.

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Abstemo-nos de comentar os pormenores concernentes à execução dos principais chefes nazistas. Foram tão divergentes os noticiários telegráficos conhecidos no Brasil sobre esse assunto, que um comentário sério do procedimento dos auxiliares de Adolf Hitler se torna quase impossível. Além do mais, parece que a versão distribuída a outros países foi bem diversa. Assim o "Osservatore Romano", considerando justo o castigo infligido aos grandes criminosos de guerra, acentua que todos eles - exceção feita do suicída, é óbvio - morreram com o pensamento posto em Deus. Ora, não é isto que consta em relação a vários deles, do noticiário telegráfico feito para o Brasil.

Isto tudo não obstante, é preciso que digamos uma palavra sobre o fato da execução em si. As agências telegráficas divulgaram tantos pormenores da execução, e pormenores por vezes tão sinistros, que despertaram uma certa comiseração em relação às "vítimas" de Nuremberg. Ora, se esta comiseração é muito cristã, na medida em que signifique um pesar por que os crimes cometidos pelos chefes nazistas hajam sido tão graves que lhes tenham valido a morte, não é razoável no sentido que a pena de morte não deveria ser aplicada aos sentenciados. Como bem diz o "Osservatore", em si mesma essa pena é justa, e é o que explica que o Vaticano não haja intercedido em favor dos réus. Não lamentamos que ela lhes tenha sido aplicada. Lamentamos, isto sim, que eles a hajam merecido.

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O que realmente não compreendemos, é por que se deu aos grandes charlatães nazistas a oportunidade de pronunciar frases sediciosas no momento da morte. Essas frases ficarão em fermentação na Alemanha e no mundo inteiro, por muito tempo, e só Deus sabe o que desta fermentação poderá vir. Isto tanto mais quanto, segundo certos telegramas, todos os sentenciados tiveram de jurar, antes de morrer, que Hitler está morto. Este estranho juramento, a ser verídico, sugere a suspeita de que os aliados não dão crédito à notícia da morte de Hitler. Esta suspeita, por sua vez, excitará nos círculos nazistas um sebastianismo ardente, agravado pela exaltação mística provocada pelas frases dos sentenciados de Nuremberg.

E, como se tudo isto não bastasse, o chefe do serviço policial norte-americano em Berlim, poucos dias depois das execuções capitais, afirmou do modo mais categórico, que não acredita na morte de Hitler.

Com isto tudo, onde iremos parar... sobretudo se o chefe da polícia yankee tem razão?

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Tantos são os assuntos, que ficaram sem ser abordados, até aqui, um dos mais importantes: o "sim" com que o povo francês respondeu à pergunta plebiscitária do domingo último.

Não julgamos ser o caso de nos pronunciarmos sobre o problema constitucional em si mesmo: envolve questões da mecânica institucional que não têm maior interesse para nós, brasileiros.

Queremos, contudo, comentar os resultados políticos do fato. Estes resultados são dois: De Gaulle fica em uma situação difícil de definir, afirmando-se por si só como uma potência superior a cada um dos três partidos coligados, e o MRP, isto é, a corrente católica, apareceu como claramente dividida. Claramente, e, ao que parece, irremediavelmente.

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Da afirmação do poder político de De Gaulle resulta um fato muito importante para o futuro do mundo. Com efeito De Gaulle afirmou em seu famoso discurso de Bayeux que a adoção do texto constitucional arrastaria a França à anarquia, da qual só poderia ser salva pela ditadura. Se De Gaulle tem razão, e se de fato a anarquia resultar da Constituição, os franceses terão de escolher um ditador. Quem será ele? Evidentemente o homem mais influente do país, o que se houver coberto de maiores glórias... e o nome de Charles de Gaulle virá evidentemente à tona.

Ora, o triunfo de De Gaulle significará por sua vez o advento de uma política internacional mais russófoba, mais aliadófila.

Sob este ponto de vista, o acontecimento terá repercussão transcendental, e favorável. Mas a morte da democracia no próprio solo francês, que conseqüências terá para o mundo?

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A desunião do M.R.P. era inevitável, como a do PDC italiano.

Com efeito, o M.R.P. levou longe demais sua colaboração com os comunistas, e não espanta que a um aceno de De Gaulle os católicos que estranhavam o bem estar do Sr. Bidault ao lado dos piores inimigos da Igreja, se hajam divorciado da orientação deste último, para seguir a do grande general.

Mais uma vez, vemos a imprudência de católicos, na Europa, gerar discórdias, estas discórdias gerarem confusão, e esta confusão terminar em  ruptura.

De quem a culpa? Do Sr. Bidault, que quis impor a todos os católicos seu programa extravagante, em lugar de renunciar a suas excentricidades doutrinárias, para salvar a união.