Legionário, Nš 730, 4 de agosto de 1946
7 Dias em Revista
Na Babel contemporânea, é raro ouvir-se uma voz sensata. Quando ela aparece, é preciso aproveitar avidamente a ocasião de a fazer escutar por todos. É o que faremos com o discurso do visconde de Cranborne, leader da oposição conservadora, pronunciou na Câmara dos Lords, na semana passada, sobre a situação internacional da Europa.
Antes de tudo, colocou ele os vários aspectos da situação internacional em uma perspectiva muito exata, quando indicou como ponto de convergência de todos eles, a questão russa. Declarou ele que "o mundo tem um problema que sobrepuja todos os demais, isto é, a Rússia, sua política e suas relações com o resto do mundo".
É o que entra pelos olhos. Uma grande potência, ocupando em dois continentes territórios vastíssimos, dispondo ditatorialmente dos seus recursos naturais e do potencial humano de 180 milhões de súditos, tendo além disto "quintas-colunas" que elegem para quase todos os parlamentos da terra seus deputados e senadores, que em quase todos os exércitos de terra, ar e mar, em quase todas as universidades e centros de cultura, indústria e bancos tem agentes, propagandistas ou espiões, deseja confessadamente apossar-se de boa parte da Europa, e impõe aos outros povos uma civilização diametralmente oposta à nossa. Qual o problema internacional que em magnitude, se possa comparar a este?
O visconde de Cranborne parece não temer uma guerra imediata. De fato, o perigo não é iminente, mas circunstâncias imprevisíveis o podem tornar muito próximo, de um momento para outro. Seja como for, a política que a URSS deseja desenvolver na hipótese de não haver nos próximos anos uma nova guerra é muito claramente caracterizada pelo leader conservador. Consiste ela em manter obstinadamente o statu quo na Europa atual, fixando sob a hegemonia soviética sobretudo o centro europeu e os Balcãs, e isolando-os do resto do mundo, com uma cortina de ferro intransponível. Assim, envolta em um cômodo mistério, a máquina bolchevista poderá acabar de dissolver a cultura e a civilização ocidental nessas infelizes regiões, e iniciar a assimilação de sua própria "cultura" pelos povos por ela tutelados. Essa conquista terá por efeito um considerável aumento de poderio do bolchevismo. O que colocará a Europa debaixo de uma ameaça terrível, quando a obra de assimilação dos soviéticos estiver consumada.
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A isto propõe, muito acertadamente lord Cranborne, que as nações européias por seu turno se organizem e se concentrem: os países da Europa ocidental representam, unidos uma imensa força. Não só possuem em matéria de riquezas, cultura, território continental ou insular da Europa, esplêndidos recursos, mas dominam a África e boa parte da Ásia contando ainda com zonas de influência na América e na Oceania. Se constituírem um só todo político, uma vasta aliança ou confederação, serão uma potência. Esta potência poderá tirar aos soviéticos "duas ilusões, isto é, que suponham que podem passar sem o resto do mundo, e que o resto do mundo não possa passar sem eles".
Como se vê, é um plano perfeitamente bem lançado, o único que a civilização poderá seguir, se não quiser arruinar-se por completo.
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O visconde de Cranborne focalizou, em seguida, a política que a URSS vem desenvolvendo na Áustria, e mostrou as injustiças e desatinos que os bolchevistas vem realizando contra essa pobre nação.
A imprensa diária já tem dado notícias suficientemente claras sobre isto, para que nos seja necessário dizer algo sobre o assunto. Mas o LEGIONÁRIO que protestou veementemente contra a anexação da Áustria à Alemanha, e que sempre sustentou que a independência, poder e glória da nação austríaca é essencial à Cristandade, não pode deixar de protestar formalmente contra o mal espiritual e material incalculáveis que ali vem fazendo os bolchevistas.
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Outro tópico do discurso do Visconde de Cranborne que merece todo apoio, é o que se refere à futura organização da Alemanha. Pleiteia ela a estruturação de um estado germânico federal, no qual certas desproporções territoriais sejam eliminadas: provável alusão às dimensões gigantescas da Rússia, obtidas principalmente no século XIX, com guerras injustas. Para ser perfeito o plano de lorde Cranborne bastaria que ele propusesse uma organização tal, que o centro do mundo germânico fosse deslocado para Viena, a verdadeira metrópole do catolicismo no mundo teutônico.
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No dia 8 p.p. o camarada Stalin fez um discurso radiofônico, de bastante importância. Certos ingênuos andam assoalhando que o regime bolchevista mudou. O discurso de Stalin foi um hino ao bolchevismo, ao seu passado, a suas idéias e suas instituições, e uma verrina contra o mundo liberal-democrático e burguês. Nesse discurso, Stalin se revelou inteiramente solidário com todas as idéias clássicas do bolchevismo e com a obra de Lenine. Como, pois, manter ilusões a respeito deste assunto?
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Principalmente, como explicar que ilusões como esta persistam, depois de discursos tão francos como o do dia 8? A razão é simples. O comunismo, imitando em tudo o nazismo, adotou a deslealdade de processos de propaganda do totalitarismo pardo, os quais consistiam em manter o entusiasmo dos fanáticos por meio de discursos incendiários, e em diluir a resistência dos adversários, por meio de promessas blandiciosas.
O maior bluff da história contemporânea foi a política de simpatia para com a Igreja, desenvolvida pelo nazismo nos primeiros dias de governo de Hitler. Depois deste, não há outro maior que a reconstituição da Igreja cismática pelos bolchevistas ateus. O esforço que os soviéticos têm feito para dar vida à nova "igreja" bem mostra a veemência de seu desejo de iludir os russos cristãos, diminuindo sua resistência contra um governo que, no fundo, se conserva fundamentalmente ateu.
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Um corolário desta política é a que inaugurou o comunismo, aproximando-se agora dos... nobres! Clero e nobreza, eis os amigos que o comunismo procura conquistar!
Evidenciou-se o fato, por recente decreto em que o governo soviético concedeu direito de regresso à Rússia a todos os aristocratas que em 1918, depois do advento do bolchevismo, se refugiaram no exterior.
Num requinte de gentileza, a URSS oferece, além disto, aos que cautelosamente queiram ficar longe das garras bolchevistas, a carteira de cidadania, desde que, simplesmente, queimem incenso a Moloch, aceitando a condição de súditos de Stalin e do Estado anticristão.
Nosso prognóstico é melancólico: receamos que até um ou outro membro da Casa de Romanov aceite a transação. Estaremos enganados. Queira Deus!