Legionário, Nş 723, 16 de junho de 1946
7 Dias em Revista
A despeito da crise política italiana, que terá tão fundas e quiçá trágicas repercussões na política da Europa e do mundo, pensamos que nenhum acontecimento desta semana tem o alcance mundial da declaração feita pelo Sr. Bevin, no Congresso do Partido Trabalhista britânico, de que se começaria agora a praticar progressivamente a política socialista em seu país, sem contudo abalar em nada os fundamentos da liberdade política, que caracterizam a democracia britânica.
Para bem medir o alcance desta declaração, é preciso lembrar que o Sr. Winston Churchill pronunciou, durante a última campanha eleitoral, um discurso sensacional, em que explicava os motivos de sua luta contra o Partido Trabalhista. E, como explicação central de sua atitude, asseverou que a instauração de uma economia socialista traria como conseqüência necessária a fundação de uma Gestapo. Fundada a Gestapo, estaria finda a velha Inglaterra democrática.
O Sr. Bevin retruca, agora, a afirmação do grande líder inglês. O trabalhismo vai realizar a economia socializada, sem contudo destruir a liberdade.
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Milhões de homens morreram durante esta guerra. Não há estatística que possa dizer quanto suor, sangue e lágrimas a vitória das democracias ocidentais custou. O ideal invocado para justificar a luta era o esmagamento do Estado totalitário. Realmente, esmagado o "eixo", veio a vitória da democracia. Mas em que condições! No campo dos vencedores, partilhando com eles os despojos e os louros, figura precisamente um Estado totalitário: a URSS. Totalitário de um totalitarismo rebarbativo, empreendedor, sanguinolento, exatamente como o nazismo. Este totalitarismo, tão imperialista em matéria de fronteiras e de idéias, como o próprio Hitler, disputa o governo do mundo. E, como se isto não bastasse, temos este espetáculo de estarrecer: o próprio Churchill declara ao mundo que se instala na Inglaterra um regime totalitário. Vem o Partido do governo, e declara que, realmente, a política econômica será totalitária. Mas a política... política, não o será.
O que mais faltaria, para nos entristecer a nós, anti-totalitários declarados?
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Um totalitarismo econômico que não se transforme em totalitarismo político é simplesmente uma utopia. Desde que uma meia dúzia de mandarins da moderna democracia possam dispor a seu talante dos viveres de um povo, instituir e suprimir racionamentos, fazer leis que em poucos instantes podem enriquecer ou arruinar províncias inteiras, instituir regulamentos que podem levar ao cumulo da prosperidade qualquer jornal ou estação rádio emissora, quem será livre de discutir as ordens desses demiurgos?
Mas, dir-se-á na Inglaterra existe um Parlamento. Os jornais, os rádios, os partidos políticos, podem discutir livremente e denunciar os mandarins da alta administração. Outra ingenuidade. Poder discutir, pode. Mas... e o que acontecerá depois? Numa sociedade estatalizada, onde quase todo mundo é funcionário público, ou depende de funcionários públicos, do médico, do dentista, do advogado do sindicato, do chefe de quarteirão que distribui cartões de racionamento, do feitor de distrito, que dispõe sobre a fábrica ou escritório em que cada qual vai trabalhar, pergunta-se: quem tem a coragem de discutir com o governo?
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E, já que falamos em assuntos ingleses, não queremos deixar de salientar outra triste notícia, que nos vem da gloriosa e tradicional Inglaterra. A ministra da Educação anunciou, também no Congresso do Partido Trabalhista, que o ensino seria ministrado nas escolas de tal maneira que eliminasse todas as diferenças de classe social.
À primeira vista, coisa muito simpática. Na realidade, imensamente anti-educacional ou francamente subversiva.
Examinemo-la do ponto de vista católico.
É inteiramente fora de dúvida que, segundo a doutrina da Igreja, deve haver classes sociais diversas e que esta diversificação importa não só em diferença de funções mas, consequentemente, em diferença de situação e nível.
Isto posto, ou a educação das crianças se especializa desde logo para o ambiente em que vivem, ou serão crianças inadaptadas, de formação mental defeituosa, e quiçá mórbida. É o que ensina qualquer manualzinho de pedagogia.
Assim, negar a existência de classes sociais diversas, para efeito de educação ou é educar pessimamente ou é caminhar para o nivelamento completo, isto é, para o comunismo.
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Para falar em comunismo, não podemos deixar de assinalar a franqueza do líder comunista no Parlamento francês, que, abrindo a presente seção parlamentar, fez um discurso em que apontou o Estado leigo como o ideal do comunismo, e preconizou uma marcha ainda mais acentuada dos franceses para a laicidade.
Evidentemente, isto implica em afirmar muito claramente para os católicos que não tenham ilusões sobre os propósitos comunistas.
Seria conveniente que o Sr. Luís Carlos Prestes imitasse essa franqueza.
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E vamos ao "caso" italiano.
Doutrinariamente falando, como já dissemos, a questão monarquia-república é indiferente aos católicos. Apenas questões circunstanciais, como as que existem na Itália, podem justificar a marcadíssima preferência que a massa do eleitorado católico deu, na Itália, à forma de governo monárquica.
Seja como for, esta preferência é patente, é legítima, e os católicos não se devem envergonhar dela.
Antes, ela parece muito judiciosa.
Tudo isto posto não podemos dar o menor crédito à notícia de que monarquistas italianos teriam agredido religiosas para se vingar da atitude da Igreja contra a monarquia. Isto é uma quimera, se não for manobra comunista.
Pode haver entre os eleitores italianos monárquicos muito ressentimento no que diz respeito à atitude pessoal do Sr. de Gasperi e de outros líderes do P.D. Cristão na Itália.
Mas, entre o ressentimento contra esses políticos e uma incompatibilidade contra a Igreja, há uma imensa distância.
Afinal, é preciso reconhecer que a Igreja não é o Sr. de Gasperi.