Legionário, Nš 717, 5 de maio de 1946

7 Dias em Revista

Dois personagens que não passaram para a História nem como fracos nem como acomodatícios; dois personagens que talvez se pareçam apenas por sua extraordinária têmpera de vontade, porque em tudo mais, nascimento, vocação, vida, feitio de inteligência, aspirações foram dissemelhantes, disseram uma mesma frase que no momento nos vem à memória. Luiz XIV e o Pe. Antônio Vieira afirmaram, ambos, que a palavra mais difícil de pronunciar no vocabulário humano é o "não".

Estar em desacordo, protestar, reagir é coisa que só os neurastênicos e os originais podem achar agrado. O Conselheiro Acácio poderia ser um tolo em todos os assuntos, exceto em sua profundíssima e sensatíssima convicção de que o homem só vive de modo deleitável estando em acordo com todo o mundo. E se o "LEGIONÁRIO" de nenhum modo poderia juntar o humilde depoimento de sua experiência, à guisa de confirmação, na mesma linha das afirmações oraculares do Pe. Antônio Vieira e do Roi-Soleil, pode sem pretensão sentar-se ao lado do Conselheiro Acácio, na vasta e numerosa bancada dos que gostam de concordar.

É fato que temos freqüentado muito raramente esta bancada, e até, é bem verdade que os habitués dela não nos vêem com bons olhos. Seja como for, não somos dos que acham agradável discordar. Discordamos por obrigação de consciência. Mas quando encontramos algum motivo razoável de bater palmas e concordar, fazemo-lo de grand coeur.

Hoje, podemos permitir-nos este raro prazer. Gozemos dele.

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Os leitores terão entendido que nos referimos ao fechamento do jogo, pelo governo federal. É uma medida de bom senso e de limpeza, que tardava a vir. De há muito, a consciência religiosa do país, mencionada aliás no decreto governamental, vem reclamando o fechamento do jogo. Basta lembrar (a Pastoral Coletiva do Episcopado Paulista), que teve tão geral repercussão em todo país.

Imaginamos pois o júbilo que há de dominar a esta hora nosso venerando episcopado, vendo atendida pelo governo uma reivindicação que formulou em tempos, com um vigor que relembra as mais ardentes pastorais de Dom Vital.

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Devemos ainda aplaudir outro gesto do governo. Foi a diligência realizada contra a suspeitíssima "União Geral Eslava", e a declaração do Sr. ministro da justiça, de que está sendo elaborado um plano metódico de debelação do comunismo.

Neste como em outros assuntos, declaramos sem meias palavras o nosso pensamento. Achamos que o comunismo deve ser combatido pelas autoridades, e que seus adeptos não tem direito à liberdade de pensamento. E achamo-lo como católicos, isto é, porque entendemos que a Igreja Católica nos obriga a pensar assim.

Com efeito, no Syllabus a Igreja condenou a proposição de que se deve dar aos adeptos de doutrinas perniciosas a liberdade de as divulgar. Ora, o comunismo é uma doutrina perniciosa, diz a mesma Igreja. Logo, concluímos como católicos: não se deve reconhecer aos comunistas o direito de propagar suas doutrinas.

Há qualquer coisa de mais simples e mais claro?

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Mas, perguntar-se-á, somos dos que acham que a questão social é uma questão de pata de cavalo? Distingo. A questão social é antes de tudo uma questão religiosa, que se resolve com oração, jejum, boas obras, apostolado. A questão social é também... uma questão social, e como tal se resolve com justiça e caridade, extirpando abusos e apoiando as legítimas reivindicações operárias ou patronais.

Assim, a questão social se resolve por meios bem outros que a pata de cavalo. Mas a questão comunista não é a questão social. A questão comunista cifra-se na existência de exploradores profissionais, ou ideólogos em fermentação, e que procuram envenenar, azedar e tornar irremediável a questão social. E o que a persuasão não conseguir com estes ideólogos e exploradores, deverá consegui-lo o emprego sereno mas másculo do poder estatal.

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E isto nos leva a outro tema em que também temos de aplaudir o governo. Foi o decreto facilitando a aquisição de casa própria para o trabalhador. Com isto, mostra o poder público que não confia só na pata de cavalo, nem que deseja apenas a proteção dos interesses patronais. Sem dúvida, estes interesses tem uma larga margem em que são tão legítimos quanto os dos operários. Mas o governo deve velar por todos, e especialmente pelos necessitados. Assim, a aquisição de um lar próprio para o operário, medida altamente preconizada pela Santa Sé, só pode constituir um título de honra para a política e legislação social no Brasil.