Legionário, Nš 710, 17 de março de 1946
7 Dias em Revista
Como é triste ter razão nos prognósticos sombrios! Segundo prevíramos, a política internacional evolui perigosamente para a guerra. Escrevemos esta nota na tarde de sexta-feira. Qual será a situação domingo, quando o "LEGIONÁRIO" for distribuído? A catástrofe? É possível. Tudo é possível. Até uma provisória distensão diplomática é possível. O mais provável, porém, é que estejamos mais ou menos na mesma, neste estado caótico que é a um tempo de "après-guerre" e de "avant-guerre".
Não julgamos muito provável a guerra imediata. Não achamos que nos tenhamos aproximado muito da guerra pelo risco concreto e local dos manejos militares soviéticos no Irã. A questão iraniana é suscetível de um arranjo qualquer. Nem a Inglaterra nem os Estados Unidos aceitarão nova guerra só por causa de uma questão de fronteiras de um país asiático, por mais fundamentais que sejam os interesses que ali tenham, e ainda mesmo que o bom senso mostre que um recuo anglo-americano apenas serviria para excitar ainda mais o imperialismo bolchevista. O mundo está extenuado, e só se decidirá a enfrentar nova tormenta quando se encontrar na necessidade não apenas certa, mas evidente, brutal, iniludível, de pegar novamente em armas.
Mas, ainda assim, os acontecimentos da semana passada marcam uma etapa considerável em direção à guerra. Porque ficou demonstrado com uma clareza capaz de deslumbrar cegos que os piores vícios diplomáticos do nazismo ressurgiram no comunismo. E que quando há uma potência deste feitio no mundo, ou o mundo lhe faz a guerra dia mais dia menos, ou se deixa dominar por ela.
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Todos os elementos capazes de proporcionar ao mundo uma atmosfera de paz verdadeiramente respirável se dissiparam.
A URSS pertence à ONU, mas recusou-se a tratar da questão iraniana junto ao tribunal internacional que ela mesma constituiu, ao que parece apenas para julgar os povos fracos.
Depois desta recusa, iniciou-se o regime das "negociações diretas".
Phedro descreveu com muitos séculos de antecedência esta história, quando contou as "negociações diretas" de certo leão a quem um cordeiro turvava as águas.
Durante as negociações russo-iranianas, uma província iraniana manobrada pelos russos "se declarou independente" e "aceitou tropas soviéticas". Foi o Azerbeidjan. Agora, os soviéticos enchem de tropas esta província e outros territórios, em manobras que em tudo e por tudo, dão a idéia de uma preparação para invadir o Irã e quiçá atacar a Turquia.
Quando a ONU novamente se reunir, de duas uma: ou tratará do caso, ou não tratará. Se tratar, terá de intimar a URSS a que restitua os territórios roubados durante as famosas "negociações diretas". Ninguém duvida que a URSS absolutamente não se importará com isso, e mandará a ONU às favas. Para evitar tal desfecho, admitamos que a ONU não trate do assunto. Neste caso, o que restará dela? Quem no mundo, ainda a tomará a sério?
Foi nesta atmosfera incandescente que apareceu a descomponenda de Stalin contra o Sr. Winston Churchill.
Quando o Revmo. Sr. Pe. Arruda Câmara, Deputado por Pernambuco, disse recentemente na Constituinte algumas verdades sobre os comunistas, certa imprensa se formalizou ao máximo. Ainda não vimos que a mesma imprensa censurasse as palavras vulgares e grosseiras com que Stalin injuriou o Sr. Churchill.
Aqui está uma coleção destas palavras: "é impossível encarar seriamente as falsas declarações dos amigos do Sr. Churchill na Inglaterra..."; "o trecho da oração do Sr. Churchill a que o Sr. se refere é simplesmente um emaranhado de tolices, de absurdos e de exemplos claros de falta de tato"; "suas rudes palavras apenas representaram calúnia e ofensa"; "essa é precisamente a circunstância que o força a explosões rudes e sem tato"; "parece-me que o Sr. Churchill está trapaceando como num jogo de cartas"; "ele não compreende em que posição ridícula se colocou ao pronunciar palavras tão hipócritas".
Parece que em matéria de injúria o que aí está não é pouco. Vejamos se os censores do Pe. Arruda Câmara também se revoltarão contra Stalin.
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E, já que tratamos da entrevista de Stalin, não nos dispensaremos de apontar nele alguns aspectos curiosos.
Um dos argumentos que ele dá para justificar o pretenso direito da URSS de ter "governos amigos", nos países limítrofes, é que "não podemos perder de vista o fato de que os alemães invadiram a Rússia pela Finlândia, Polônia, Rumânia, Bulgária e Hungria. E puderam fazê-lo porque nesses países existiram governos hostis à União Soviética. Em conseqüência da invasão alemã, a União Soviética perdeu irremediavelmente sete milhões de seus filhos". Do que Stalin tirou a seguinte conclusão: "será que se pode estranhar o fato de que a União Soviética, desejosa de se proteger, no futuro, esforçar-se por assegurar o estabelecimento nesses países, de governos que lhe sejam leais? Como é que se pode, a não ser que seja louco, qualificar de tendência expansionistas essas providências e aspirações da União Soviética?"
Em primeiro lugar, há neste tópico, quanto à Polônia, uma falsidade flagrante. A Polônia foi invadida pelos alemães e amigavelmente partilhada entre estes e a Rússia, num tratado escandaloso em que Ribbentrop e Molotov se apertaram cordialmente as mãos, sobre o cadáver do justo.
Em segundo lugar, é curioso que um país que presume ser a maior, ou das maiores potências do mundo, julgue não poder subsistir se tiver a hostilidade de seus pequenos vizinhos. O regime comunista não é uma maravilha? Então, porque não consegue ele fortificar-se bastante "intra muros", para fazer face ao invasor?
Por fim, até onde vai um raciocínio destes? Porque amanhã a URSS poderá declarar que a Hungria só não será invadida se também a Áustria for governada por um país amigo dos sovietes, etc., etc.
E, por falar em Áustria, não sabemos se o Sr. Churchill tem realmente a excelente idéia que lhe atribui Stalin, de restaurar a monarquia dual austro-húngara. Seria a única solução possível para o problema danubiano. De qualquer forma, como ousa Stalin afirmar que os Habsburg são "senhores da raça fascista" ?
O mundo inteiro sabe que a Imperatriz Zita e o Arquiduque Otto, seu filho, jamais pactuaram com o nazismo. Que os nazistas confiscaram todos os seus bens, e que eles próprios se viram obrigados a fugir diante da invasão, indo asilar-se no Canadá.
Como é possível negar assim a verdade?
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Em matéria de negação evidente da verdade, parece que nenhuma excede a esta. Diz Stalin: "Como é sabido, apenas um partido domina a Inglaterra, o Partido Trabalhista, e os partidos da oposição viram-se privados do direito de participar do governo. É a isto que o Sr. Churchill chama de verdadeira democracia? Na Polônia, Rumania, Iugoslávia, Bulgária e Hungria estão no governo blocos de vários partidos, de quatro a seis, e a oposição, se tem caráter leal, é assegurado o direito de participar do governo. Mas a isto o Sr. Churchill chama de totalitarismo, tirania e domínio da força".
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Sim, chama, e com razão. Porque o mundo inteiro sabe que se trata aí de mero jogo de palavras. O que é esse "caráter leal" que Stalin exige para que as oposições tenham direito à vida? Ele mesmo explicou num tópico que transcrevemos pouco acima. É ser afeiçoado à URSS. É ser comunista ou simpatizante. Se não há este "caráter leal" este propósito de servir com "lealdade" os objetivos sociais e diplomáticos da URSS, não existe oposição com direito à vida.
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Gostaríamos de fazer a Stalin uma pergunta. Se só é democracia um regime governado por meio de coligações partidárias, como pretende ele sustentar que a URSS é uma democracia, quando é público e oficial que os comunistas não admitem partido de oposição na Rússia?
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E com isto encerramos os comentário de hoje. Quando se revela tão claramente a inexistência de qualquer propósito de lisura, concórdia, honestidade, é ou não é verdade que se percebe que o mundo caminha para nova guerra?