Legionário, Nš 709, 10 de março de 1946

7 Dias em Revista

As notícias telegráficas da semana finda anunciam que Suas Eminências, os Srs. Dom Jaime de Barros Câmara, Arcebispo do Rio de Janeiro, e Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, Arcebispo de São Paulo, partiram no dia 6, de Nápoles, com destino ao Rio de Janeiro.

Os eminentes Prelados receberam, no momento da partida, as despedidas do Embaixador Maurício Nabuco, representante do Brasil junto à Santa Sé, e do Cônsul brasileiro em Nápoles.

Em companhia dos Antístites brasileiros, viaja S. E., o Cardeal Guevara, Arcebispo de Lima. Seguem no mesmo navio diplomatas italianos acreditados junto a nações hispano-americanas.

Os mesmos votos com que nosso público acompanhou aos ilustres viajantes durante seu percurso com destino a Roma, acompanham-nos agora que retornam à Pátria.

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Os horizontes internacionais apresentam-se francamente sombrios. De todos os lados, as notícias são de molde a fazer pensar em uma nova conflagração mundial. Evidentemente, só uma pessoa que estivesse nos bastidores da mais alta política internacional poderia dizer até que ponto é provável ou improvável que nova guerra venha a ensangüentar o mundo. Salta aos olhos que o conflito seria uma catástrofe. Até que ponto as potências interessadas sentem chegado o momento de impor ao mundo esta catástrofe? Em outros termos, até que ponto julgam os anglo-americanos que podem ceder, transigir, recuar, para salvar a civilização? Até que ponto julgam estar crescendo o perigo? Consideram chegado eles o momento de dizer "basta" à Rússia? E a própria Rússia? Estará seriamente empenhada em se expandir, arrostando até mesmo os riscos de uma guerra? Claro está que a resposta a estas perguntas supõe o conhecimento de dados técnicos absolutamente confidenciais.

Assim, pois, todo prognóstico parece absolutamente precipitado e inútil.

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Há, entretanto, duas atitudes extremas que devemos evitar com todo o cuidado. Uma, é do nervosismo. Todos os países do mundo se defrontam hoje com problemas internos verdadeiramente terríveis. A sombra da situação internacional, com seus presságios sinistros, projeta-se sobre estes problemas e lhes dificulta consideravelmente a solução. É necessário que mantenhamos o espírito de máxima objetividade e calma, persistindo em não ver na situação, senão a medida exata e real de perigo, que ela apresenta. Do contrário, a atmosfera de intranqüilidade excessiva daí decorrente poderia gerar situações com as quais apenas os desordeiros e os elementos mal intencionados têm a lucrar.

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De outro lado, porém, é preciso cortar energicamente as vazas ao otimismo descansado e tolo, ao espírito de concessão a todo preço. Aquilo, enfim, que o "Legionário" costuma chamar "mentalidade de Munique".

A URSS está tomando no mundo uma atitude imensamente perigosa. Em nosso artigo de fundo, comentamos alguns aspectos do discurso do Sr. Winston Churchill, que documentam com singular precisão, esta afirmativa. É evidente que uma guerra seria uma catástrofe. Mas todos nós sabemos que, mais do que as vidas que se perdem na guerra, pesam os valores transcendentais e inestimáveis que o comunismo põe em risco.

Assim, uma grande vigilância, uma energia sem desfalecimentos, uma disposição viril e ativa de aceitar a catástrofe se ela for inevitável, tudo isto nos deve animar no momento presente.

Só há um meio sério e eficaz de manter a tranqüilidade mundial: façam-se à Rússia as mais extremas concessões que a prudência permita mas, isto feito, é preciso que ela sinta que as nações aliadas saberão empenhar com vigor as armas, para esmagar, caso ela venha pedir de nós o impossível.

Fora de tal atitude, não há para nós meio algum de preservar a paz. Pois que o medo de um adversário fraco excita, em lugar de as apaziguar, as nações que têm a mentalidade imperialista da URSS.

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Isto posto, relancearemos um rápido olhar sobre a situação internacional.

Antes de tudo, registremos que a política na China continua a evoluir com crescente gravidade. Os elementos anticomunistas não toleram a violação da palavra empenhada pelos sovietes de retirarem inteiramente suas tropas do território mandchu. Daí, uma tensão que está provocando manifestações e contramanifestações que por sua vez ameaçam deslizar para o terreno da guerra civil.

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Em segundo lugar, vem a questão colonial no Império Britânico. A Índia e o Egito estão sendo sacudidos por imensas rajadas de descontentamentos. Particularmente no Egito, a situação toma aspecto alarmante. Por toda a parte os elementos comunistas fazem causas comum com os descontentes, procurando açular sua resistência, e agravar as dificuldades já consideráveis em que o Império se debate.

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Em terceiro lugar, vêm as greves dos EE.UU. Certamente amainaram. Mas ainda continuam sérias. Todos sentem que podem elas se reanimar de um momento para outro. O que haverá no "bas-fond" dessas greves? Até que ponto influências misteriosas e ocultas concorrerão para agravar os termos do problema social na América do Norte? E, se olharmos as coisas de mais perto, até que ponto poderemos discernir cordéis vermelhos movendo toda esta trama?

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Uma coisa é certa. A espionagem na parte setentrional de nosso continente é colossal. O Sr. Mackenzie chefe do governo canadense já declarou que os agentes soviéticos que roubaram segredos científicos atinentes à bomba atômica obedeceram diretamente as instruções de Moscou. Com isto, o "premier" canadense desmente formalmente as alegações com que a URSS procurará defender-se de qualquer co-autoria no roubo daqueles segredos, atirando as responsabilidades sobre os ombros dos agentes diplomáticos-militares da URSS no Canadá. Por outro lado, as autoridades norte-americanas acabam de revelar uma imensa trama que se desenrola em torno de uma das fábricas da bomba atômica com o intuito de roubar o segredo de sua fabricação. Declarações dos elementos oficiais atribuem aos comunistas todo o complot de espionagem.

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Enquanto isso a situação na Argentina, representando a cristalização de uma ordem de coisas formalmente repudiada pelo governo norte-americano, cria terríveis problemas em nosso continente e exige toda a atenção e patriotismo de nossos estadistas. O Brasil, vizinho da Argentina, está diretamente envolvido em tudo quanto se relaciona com o assunto. Nossa política internacional atravessa, pois, um período extremamente tenso.

Os comunistas indígenas, prejudicando de todos os modos o funcionamento da Constituinte, criam uma atmosfera de desconfiança e mal-estar na política interna, de que eles prometem tirar os melhores resultados.

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Para completar este quadro, os comunistas, no Irã, continuam em sua atitude provocadora. Não sabemos ainda que resposta dará a URSS à nota da Inglaterra e EE.UU. Uma coisa, porém, é certa: os entendimentos entre o "premier" iraniano e o governo soviético fracassaram, e a URSS continua a manter tropas no Irã.

Com isto, a ONU fica reduzida a pouco mais que um circo de cavalinhos. E as possibilidades de entendimentos entre o mundo comunista e o anticomunista a bem dizer ficam depreciadas ao minimum.

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No que diz respeito à questão espanhola, infelizmente as possibilidades do Príncipe Dom Juan parecem ter diminuído muito. E os comunistas jubilosos com este resultado esperam tirar o maior proveito da situação, pois que se apresentam com uma única solução possível para substituir a Franco.

Segundo a denúncia de Churchill, em todos os países centro-europeus o imperialismo ideológico dos soviéticos vai levando de roldão as resistências.

De todo o lado o panorama apresenta uma só nota característica: distúrbios universais promovidos pela URSS.