Legionário, Nš 708, 3 de março de 1946

7 Dias em Revista

Ainda não conhecemos o texto do discurso proferido na quinta-feira pp. pelo Revmo. Sr. Pe. Arruda Câmara, deputado por Pernambuco, na Assembléia Constituinte. Sem embargo disto, não podemos deixar sem alguns reparos os comentários que certa imprensa desta Capital fez a respeito de tal discurso.

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O Revmo. Sr. Pe. Arruda Câmara é um distinto Sacerdote pernambucano, que já foi deputado à Constituinte de 1934, na qual atuou com brilho e eficácia, em favor das reivindicações católicas. Sacerdote zeloso e parlamentar de elevado procedimento, ao mesmo tempo que na tribuna da Assembléia lutava pela causa da Igreja, exercia o seu ministério espiritual no Rio de Janeiro, fazendo uso da palavra, com freqüência, nas cerimônias religiosas da Capital do País, onde era ouvido com geral agrado. Estas qualidades o indicaram à consideração de seus pares, que o elevaram à vice-presidência da Constituinte.

Tudo isto posto, tudo leva a crer que o discurso de S. Revma. não se tenha afastado da nobre tradição parlamentar e cristã que cerca seu nome.

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Certos jornais disseram, escandalizados, que o Revmo. Sr. Pe. Arruda Câmara "descompôs" os comunistas em termos exaltados e inconvenientes. E se melindraram com isto como se a pretensa "descompostura" tivesse sido contra eles. Inesperada e singular solidariedade, que faz pensar...

De qualquer forma, os "especimens" dessa linguagem "injuriosa" produzidos pelos jornais, não nos convenceram. O Revmo. Sr. Pe. Arruda Câmara teria falado em "crimes monstruosos", "assassinatos", etc., etc. Com isto, terá ele exorbitado?

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Afinal, a linguagem humana é o que é. E quando um homem penetra em casa de outro para o matar, quando um homem, animado pelo propósito de assaltar o patrimônio alheio, mata os que defendem a lei e o direito, não há outro modo senão dizer que ele praticou uma tentativa de espoliação, agravada por homicídio. E se quer qualificar isto em moral, não há outro modo de dizer as coisas, senão que isto é pura e simplesmente monstruoso.

É possível que a certas consciências isto não se afigure assim. É possível, até, que a alguns isto pareça muito natural. Mas há de restar a todos suficiente bom senso, para compreender que um Sacerdote de Jesus Cristo não pode deixar de achar isto uma monstruosidade.

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É curioso que, a propósito de tudo e de quase nada, as injúrias pululam em nossos jornais. Ninguém se choca com isto. Mas basta que as "injúrias" sejam dirigidas aos comunistas, basta que procedam de um Sacerdote ou um membro do laicato católico, que todos se alvoroçam.

Por que isto? Há todo um mundo, nesta simples interrogação.

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Em recente discurso do Santo Padre Pio XII ao corpo diplomático acreditado junto ao Vaticano, lê-se a seguinte frase:

"Esta dupla universalidade do Sacro Colégio e do Corpo Diplomático constitui uma imagem visível do verdadeiro internacionalismo da Igreja".

Com respeitoso contentamento, registramos o fato de que foi precisamente esta a reflexão publicada recentemente pelo "Legionário" a propósito da coroa de glória universal, que circundou a Santa Sé nas recentes festas, quando um número sem precedentes de Prelados e embaixadores do mundo inteiro se reuniu em torno do sólio de São Pedro.

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Como prevíamos, os acontecimentos na China se desenrolam na atmosfera de uma franca luta civil, na qual se defrontam à primeira vista chineses comunistas e anticomunistas, e, segundo mostra um mais atento exame anglo-americano contra os soviéticos.

Assim, o armistício chinês não passou de uma farsa em que a URSS violou flagrantemente seus compromissos.

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E o mesmo se dá com o Irã. Depois das ruidosas negociações na "mesa redonda" da ONU, o caso russo-persa foi relegado para o terreno das negociações diretas entre as partes interessadas. De um momento para outro, o assunto foi despido de toda atualidade, e de lá para cá tem sido obscuramente manipulado pela diplomacia soviética em manobras de que uma ou outra vez os telegramas nos dão alguma nebulosa idéia. E, enquanto prosseguiam as "negociações diretas" entre o lobo e o cordeiro, o mundo pensava em outra coisa.

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A esta altura, surpreendeu-nos o estranho conteúdo de um telegrama que informou estas coisas espantosas:

a) Os soviéticos prometeram desocupar desde logo de tropas a zona em litígio;

b) durante o curso das negociações, não cumpriram sua palavra dada;

c) e, pelo contrário, os soviéticos acabam de introduzir novas tropas naquela região, alegando ser isto necessário para auxiliar as primeiras a se retirar;

d) os emissários iranianos que desejaram certificar-se "in loco" desta estranha necessidade, não foram admitidos.

É possível romper mais cinicamente a palavra dada?

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O curioso é que, na China, o partido comunista local apoia inteiramente a permanência de tropas soviéticas em território nacional. Ainda há pouco, em Chungking, Nankim, Xangai, Changtu, Nanchang, Kuming, e outras cidades, numerosos estudantes realizaram manifestações de protesto contra o fato de que "os comunistas chineses tratam de ceder a zona Noroeste da China a uma potência estrangeira".

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Também, no Irã, é um partido democrata de inspiração comunista, que apoia a presença de forças russas em território persa.

Esta solidariedade vergonhosa com o estrangeiro não é novidade. Por toda a parte os comunistas fiéis a sua ideologia, que nega a idéia de pátria, sacrificam os interesses nacionais desde que com isto se beneficie a URSS.

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Isto posto, gostaríamos de perguntar ao camarada Luiz Carlos Prestes que diferença ele vê entre os traidores como Quisling, Mussert, etc., e os quinta-colunistas vermelhos da China, Irã, etc.

E, já que o problema foi posto, formulemos a outra interrogação que nasce espontaneamente da primeira. A amarga experiência do que foi a quinta-coluna alemã entre nós, auxiliada por toda a espécie de fascistas com base nas embaixadas estrangeiras não nos mostra que devemos cortar a aventura de um reatamento de relações com a Rússia, e o florescimento da quinta-coluna vermelha com base nos inúmeros agentes diplomáticos e consulares da URSS?

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Na Índia, é positivo que o partido comunista procurou açular e tirar proveito da greve ocorrida na marinha nacional. Declarou-o o Sr. Clement Attlee, em discurso na Câmara dos Comuns. Tudo indica que a influência comunista não é alheia nos distúrbios no Egito e na Ásia Menor.

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Deveremos admitir que só o Brasil se conserva indene dessas conseqüências que decorrem inevitavelmente do reatamento das relações diplomáticas com a URSS? Por tudo isto, consideramos desconcertante que o governo argentino tenha reatado relações com a União Soviética. Tudo isto pressagia dias amargos para a América do Sul.

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Formulamos nosso mais vivo protesto contra a deliberação das autoridades iugoslavas, meros títeres do governo soviético, que incluíram na relação dos criminosos de guerra o Exmo. Revmo. Mons. Ivan Scharitch, Arcebispo de Bósnia e Hersegovina.

Este fato se deve, sem dúvida, ao detestável hábito dos comunistas de qualificarem de nazistas todo e qualquer anticomunista sincero. Até nisto se parecem os vermelhos com seus sósias pardos, que condenavam como comunistas, indistintamente os lideres monarquistas ou católicos, simplesmente por serem anti-nazistas.

O Legionário já tem acentuado mais de uma vez que a famosa distinção entre o comunismo e o socialismo é meramente fictícia. Segundo o ensinamento da Santa Igreja, nenhuma distinção substancial existe entre uma e outra coisa. E, de fato o socialismo tende para o comunismo com todas as forças de seu dinamismo interior.

Ainda agora os "delegados federais de toda a França, presentes à reunião do Partido Socialista francês, fizeram enérgicas propostas, entre as quais exigem relações mais estreitas com os comunistas. Essas discussões se realizaram a portas fechadas, ontem à noite, na capital francesa, quando se examinava a Carta do Partido redigida pelo Sr. Leon Blum, e que se destina a substituir o antiquado documento de 1905".

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Para os adoradores da URSS será útil refletir sobre as recentes declarações do Sr. Anthony Eden na Câmara dos Comuns. O ilustre estadista britânico acentuou que a invasão alemã "constituiu uma terrível experiência" para a URSS, que teve a ocasião de verificar que 80.000.000 de nazistas chegaram a quase dar um golpe mortal em 180.000.000 de soviéticos.

Se, pois, o êxito da resistência soviética é motivo suficiente para se julgar que o comunismo é um regime ideal, mandaria a coerência que se afirmasse que o nazismo é um regime ainda melhor.

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De fato, o modo de julgar as nações não é este. Raciocinar por esta forma eqüivaleria a afirmar que a mais bem organizada das famílias é uma sociedade menos perfeita do que uma quadrilha de apaches, porque não sabe efetuar agressões com a mesma precisão.