Legionário, no 704, 3 de fevereiro de 1946

7 Dias Em Revista

A volta do país à normalidade constitucional, sob a presidência do General Dutra, não pode deixar de ser saudada por nós com satisfação. O Legionário, irredutível adversário de todos os regimes discricionários e de força, vê com contentamento que o país reingressa em uma ordem de coisas legal e normal, e que, pois, tudo já não depende da vontade de um só homem.

Quanto ao novo governo, ante o qual a própria oposição tomou atitude tão moderada, o Legionário manterá perante ele sua linha de conduta clássica. Respeitaremos sempre o poder constituído. Apoiá-lo-emos em tudo que empreender dentro da linha da recristianização do Brasil. Divergiremos dele, sempre que desta linha se afaste.

Isto dito, resta-nos apenas pedir à Senhora Aparecida, que assista ao Presidente e a seus auxiliares, para que seu governo seja tal, que só aplausos mereça do Brasil católico.

É o que de todo o coração desejamos.

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No tumulto e variedade dos acontecimentos contemporâneos, nossos votos acompanham os eminentes viajantes que, em demanda de Pedro, vão agora ao velho mundo. Cabe-lhes a honra de serem os primeiros que em missão a-militar e a-política cruzam o oceano depois de toda a convulsão contemporânea. E de o fazer para seguir o mais belo e glorioso itinerário, que é o que conduz a São Pedro.

Dois Príncipes da Igreja do Brasil receberão o chapéu cardinalício. Nosso país recebe assim mais uma prova do afeto da Santa Sé. E se une mais intimamente ao Papado, pelos vínculos da obediência incondicional e entusiástica, do afeto filial e inalterável, que os verdadeiros católicos devem professar em relação ao Vigário de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Estes os sentimentos com que aguardamos a grande solenidade em que os Exmos. Srs. Arcebispos do Rio e de São Paulo serão, pelo Sumo Pontífice gloriosamente reinante, incorporados ao mais alto conselho da terra.

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Não há meio de não falar, e falar muito da URSS. Quando se está conversando em uma casa e se ouve na sala vizinha o passo do ladrão, não é fácil manter conversa sobre o brilho da chama que crepita na lareira, o sono plácido e comovedor do canário que dorme na gaiola, e os tranqüilos encantos da vida do lar. A todo o momento, volta à baila o ladrão.

Escrevendo isto, pensamos, sumamente penalizados, em nossos irmãos católicos da Itália ou da França, que se vêem obrigados a colaborar - segundo cremos, para evitar a inteira dissolução da causa pública - em colaboração momentânea e inevitável, com os seus patrícios comunistas.

Como lhes há de amargar na alma esta medonha contingência. É o que nos fez pensar especialmente o telegrama abaixo.

Transcrevamo-lo:

Vaticano, 28 (U.P.) - O órgão oficial do Vaticano, "Osservatore Romano", contesta formalmente as acusações do jornal soviético "Izvestia", de que as nomeações dos novos cardeais constituem um plano político tendente a melhorar a posição do Vaticano no campo internacional.

Diz o jornal da Santa Sé:

"Como sempre, o "Izvestia" confunde atividades religiosas com política. Se as novas nomeações têm o propósito de aumentar o prestígio do Vaticano nos Estados Unidos e Grã-Bretanha, a Santa Sé deseja mais do que isso: fortalecer a sua posição no mundo latino, onde é maior o número de cardeais que elegeu".

O "Osservatore Romano" referiu-se em seguida às acusações do "Izvestia" de que o cardeal Spelman é por demais conhecido pela política filo-japonesa do Vaticano. O jornal da Santa Sé, refutando as acusações do órgão moscovita de que os novos cardeais alemães eram todos filo-nazistas, disse:

"Ao contrário, esses novos cardeais distinguiram-se todos ao oferecer refúgio a muitos que, por longos anos, lutaram por sua pátria, pela liberdade e pela democracia".

Assim, enquanto católicos e comunistas cooperam em alguns países, o comunismo injuria o que há de mais caro para um católico, que é a Santa Sé. E isto com calúnias em que nem sequer um garoto da rua dará crédito.

Não se pode imaginar, para católicos, contingência mais horrenda, e tudo leva a crer que dela se libertarão logo que possam, rompendo de frente com o máximo inimigo da Igreja e da civilização cristã.

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A política tem mistérios insondáveis. Como explicar que no momento em que a grande nação americana precisa de todo o seu prestígio para enfrentar a URSS, uma agência americana vai beber nos famosos "círculos bem informados" uma interrogação desse naipe, para difundir pelo mundo inteiro:

"Londres, 31 (U.P.) - Personalidade chegada à delegação norte-americana à Organização das Nações Unidas fez esta curiosa pergunta: "Gostaria de saber se os Estados Unidos, se denunciados em sessão pública por algum pequeno país vizinho, tal como a República Dominicana, receberão a situação tão bem como os russos a receberam. Gostaria também de saber qual seria a reação do Congresso e do povo norte americano ao nosso Conselho representativo se este houvesse permitido que um pequeno país, com ou sem direito, censurasse os Estados Unidos como o Irã censurou a União Soviética. A Grã-Bretanha terá amanhã a oportunidade de externar sua reação quando for acusada".

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Transcrevemos aqui uma interessante nota do "Correio da Manhã" de 13-1-46:

"Um jornal com grandes raízes moscovitas publicou em sua primeira página uma foto realmente palpitante para o povo brasileiro: é o prefeito de Moscou, Sr. Popov, saindo a enfrentar o terrível inverno russo...

Vê-se um sujeito gordo, com ar frio e grã-fino; atrás dele, um porteiro agaloado, com boné de (ilegível) e um ar humilde, pressuroso estende-lhe um sobretudo ou uma pelica, pela qual o imponente magnata não espera sequer. É, realmente, uma fotografia elucidativa, um documentário vibrante. Como o público não conhece o Sr. Popov e não daria pela substituição de nomes, teria sido mais eficiente propaganda escrever por baixo como legenda:

- Lord Fulano, magnata da City, a caminho da conferência onde ia decidir o esmagamento dos indonésios, nem espera que o humilde lacaio lhe ponha sobre os ombros, a opulenta pelica. São estas visíveis e inadmissíveis desigualdades sociais que o livre povo da livre Rússia, tendo conquistado a igualdade, rouba a confiança nas Democracias..."