Legionário, no 703, 27 de janeiro de 1946

7 Dias Em Revista

Chegou-nos às mãos um convite com estes tristíssimos dizeres: "Temos a subida honra de convidar a V. Excia. e Exma. Família para assistirem à solene Sagração Episcopal do Exmo. e Revmo. Sr. Dom Jorge Alves de Souza, Bispo Eleito de Campos, da Igreja Católica, Apostólica Brasileira sendo sagrante S. Excia. Revma. Dom Carlos Duarte Costa, Bispo do Rio de Janeiro, e consagrante S. Excia. Revma. Dom Salomão Ferraz, Bispo de São Paulo". Seguem-se a designação da hora e local da cerimônia, que se efetuará em nossa cidade. A comissão, toda ela constituída de desconhecidos, é encabeçada por um Padre apóstata, Antônio Hermano, que subscreve "Chanceler do Bispado".

O que à primeira vista salta aos olhos, é o empenho de imitarem tudo e por tudo a Santa Igreja Católica: estilo, títulos, fórmulas etc. Esta imitação traz uma preciosa vantagem. Os ministros protestantes como seu traje de clergyman, seus modos esportivos, com o visceral laicismo de suas maneiras e de todo o seu ser, criaram o vácuo em torno de si. Temos atrás de nós uma tradição católica de quatrocentos anos, e, na Igreja Católica, Padre é Padre, é homem de Deus, e não um sportman, um homem de negócios ou um mocinho de sociedade, mais ou menos glostorado [Nota: neologismo originário do nome de um fixador para os cabelos conhecido como "Glostora"], que, nas horas vagas, também sabe rezar e dizer seu ofício. Os templos protestantes, com seu aspecto rebarbativo, também não nos agradam. Tudo isto fala aos sentidos do brasileiro, cujas antenas psicológicas lhe ensinam através destes sinais meramente materiais, ou externos, que imenso abismo existe entre Catolicismo e protestantismo.

Dir-se-á que na "igreja brasileira" se aproveitou bem a lição. O conteúdo herético e cismático se apresenta ao público cuidadosamente "maquilado" de Catolicismo.

O que, em outros termos, se pode chamar um embuste de primeira classe.

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O Sr. Salomão Ferraz, que se fez sagrar pelo apóstata Carlos Duarte da Costa, publicou logo após a cerimônia uma "pastoral" em que se desdobrou em "salamaleks" em relação a todo o mundo. Espíritas, maçons, teosofistas, protestantes de todas as seitas, todos tiveram sua parte nesta distribuição farta de sorrisos. Até para a Igreja Católica houve um "salamalek". Mas nesta orgia de amáveis gatafunhas, só alguém não teve seu bocado. Foi... o próprio Bispo sagrante Carlos Duarte da Costa. Sobre este, um silêncio pesado, absoluto, injurioso.

Porquê? Brigaram entre si sagrante e sagrado? Não se sabe. O próprio da iniquidade é dividir seus filhos. Mas, divididos em tudo, eles se unem sempre contra a Santa Igreja de Deus. E ei-los aqui, novamente unidos, para multiplicar o número de Bispos cismáticos. Hoje são dois, daqui a alguns dias serão três. Se as sagrações ilícitas mas válidas continuarem assim, onde iremos parar?

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Toda a imprensa publicou o anteprojeto de Constituição do Ministro Sampaio Doria. Esse documento elimina a indissolubilidade do vínculo conjugal dentre as garantias constitucionais, e faz o mesmo com as capelanias militares. Ao mesmo tempo, concedendo embora o ensino religioso facultativo, consagra o princípio de que as demais matérias serão ministradas dentro de um espírito laico.

Seria a derrubada da obra de 1934. Estamos certos, porém, de que nada disto prevalecerá quando submetido à apreciação da Constituinte.

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Temos acentuado vivamente a analogia entre a atmosfera que cerca o camarada Prestes no PCB, e a que os nazistas constituíam em torno de seu "Führer". Vai mais esta nota, que transcrevemos do Estado de São Paulo: "As homenagens prestadas ao Sr. Carlos Prestes, no dia de seu aniversário natalício, tiveram um vago sabor de festa pagã. Consagrou-se um deus vivo. Ofereceu-se o sacrifício de um colossal bolo de 100 quilos. Houve licores e vinho abundante. E se faltaram os oráculos, esteve presente, em compensação, a macumba. Realizou-se a cerimônia com todas as exigências do rito: o Pai de Santo, atuado e atuando, pessoas nervosas em transes cabalísticos, o paciente contrito, enquanto lhe fechavam o corpo contra todos os males e todos os inimigos atuais e futuros. Não houve proteção mágica em relação aos inimigos do passado porque hoje eles são aliados e companheiros de inclinações democráticas".

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A importância dessas notas nacionais nos obriga a noticiar com menos relevo do que desejáramos os importantes acontecimentos que se vêem desenrolando no mundo.

Em relação à Pérsia, deu-se o que previmos, e sobretudo o que previam os inefabilíssimos "círculos bem informados" em que se abeberam as agências telegráficas. Um golpe depôs o governo que lutava contra os sovietes e colocou em lugar dele qualquer "Quisling" vermelho. O novo chefe de governo nada reivindica contra a URSS, que, evidentemente, "não preparou o golpe". E a ONU... que cale a boca.

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Cale a boca, sim, quanto ao que possa incomodar a URSS. Evidentemente, ela não pode nem deve calar a boca quanto ao que desagrada à URSS. E, assim, a ONU foi convidada a se pronunciar sobre a política da Grã-Bretanha na Grécia e na Indonésia. Modo indireto de submeter a julgamento a Inglaterra, no momento em que um hábil passe de escamoteação retira o caso iraniano à apreciação da ONU.

O que, tudo, é uma comédia tão ridícula, que poucas ilusões nos restam sobre a possibilidade de a ONU vir a ser algo de sério.

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Quanto ao caso francês, parece não ser necessária muita argúcia para perceber que foram os comunistas que derrubaram De Gaulle. O ilustre militar não quis confiar ministérios-chave aos vermelhos, e chegou, na última crise política, ao extremo da transigência, reservando para si esses ministérios, e deixando comunistas em posições importantes dentro dos mesmos. Mas Moscou é intransigente. Esperou mais alguns meses, e agora caiu De Gaulle.

Sua substituição por um ilustre desconhecido, como o socialista Gouin, vale tanto quanto a destituição de Churchill em favor de Attlee: quer dizer que não vale coisa alguma.