Legionário, no 702, 20 de janeiro de 1946
7 Dias Em Revista
A III Internacional foi extinta durante a última guerra. Devemos crer nisto, se não quisermos taxar o governo soviético de mentiroso. A URSS cessou, pois, do modo mais completo e evidente, a campanha ideológica nos países do Ocidente. É esta a versão acreditada e oficial dos fatos.
Versão certamente muito vantajosa aos sovietes. Assim, antes da extinção da III Internacional, todos os anticomunistas olhavam com desprezo e indignação para os representantes diplomáticos que a URSS mantinha no Exterior. Não merece ser tido como diplomata, na alta e séria acepção do vocábulo, um indivíduo que, revestido embora de fardão, medalhas e insígnias, não passa de um aliciador de revoluções no país em que está hospedado. É um petroleiro disfarçado. E nada mais.
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Assim olharíamos nós para aquele Sr. J. de tal, que, segundo parece, vem representar a URSS no Brasil. "Olharíamos", não olhamos, porque a III Internacional foi extinta. Ele continuará a ser para nós um embaixador do rubro reino infernal, da impiedade e da anarquia organizada, que é a URSS. Embaixador, porém, polido e discreto, de um inferno nada expansivo, cujas labaredas se deixam conter discretamente nos limites de seu país, em lugar de atiçar a discórdia no país do vizinho.
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Tudo isto se poderia dizer... mais ou menos, antes da grande reunião da ONU, que se está realizando em Londres. Mas de repente, a máscara caiu, e acabamos de saber que... a III Internacional não foi extinta!
Com efeito, a URSS levantou uma questão curiosa: ela queria que uma "Federação Mundial dos Sindicatos de Trabalhadores" fosse tratada, não como uma organização qualquer, mas como um Estado, e a este título admitido como décimo nono membro do conselho social-econômico da ONU!
Equiparar a Estado uma organização meramente privada, é coisa de uma extravagancia sem precedentes. Foi o que fez sentir o representante da Nova Zelândia, Sr. Peter Frazer, que disse que "o conceito de dar às organizações alheias à Organização das Nações Unidas os mesmos direitos dos países membros é totalmente contrário à Carta, que dispõe a representação por nações".
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Como é fácil supor, a Rússia não ficou isolada. Auxiliou-a sua acólita, a Ucrânia. O representante desse país, Dimitri Manuilski, afirmou que "um organismo como a Federação Mundial dos Sindicatos dos Trabalhadores em todo o mundo, não pode ser ignorada e tem o direito de estar representada na Organização".
É destro, o "camarada" Manuilski. É preciso ter coragem para torcer as coisas diante dos representantes do mundo inteiro! Tantas nações burguesas poderiam destruir o sofisminha desse anti-burguês; tantas nações cristãs poderiam desmoralizar com qualquer silogismo trivial a delegação desse anticristão, que realmente o "camarada" Manuilski correu neste passo um grave risco.
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Pasmem entretanto os povos. Ninguém se levantou para retrucar. E entre tantos representantes de povos cristãos não houve um só que tivesse a galhardia de lhe perguntar uma coisa muito simples originária dos Estados Unidos. Se é pelo número de aderentes, que uma organização privada tem o direito de ser equiparada a um Estado, e de pertencer à ONU, por que motivo o "camarada" Manuilski não se lembrou, antes de tudo, de pedir a inclusão da mais vasta, mais antiga, mais ilustre e mais numerosa das organizações que há sobre a face da terra, a Santa Igreja de Deus?
Uma qualquer Federação de aventura, fundada ontem mesmo para fins suspeitos, teve quem lhe defendesse cinicamente pretensos direitos, à face de todos os povos. A Igreja de Deus não teve...
É, têm toda a razão os adversários do Legionário: vai mesmo tudo muito, e muito bem.
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Uma verdadeira pilhéria está sendo o caso do Irã. A ONU não tomou conhecimento desse caso. A razão que foi alegada nos "círculos bem informados", os inefáveis "círculos bem informados" em que se abeberam as inefabilíssimas agências telegráficas, foi que não é oportuno deliberar sobre o assunto, já que "vários delegados das Nações Unidas acreditam que qualquer modificação introduzida na administração persa terá o efeito de afastar temporariamente a questão, etc., etc.". E o informante dos "círculos bem informados", ladino e maneiroso, continua: "Pergunta-se qual será a situação se, como é provável, o atual primeiro ministro iraniano, Sr. Hakini, pedir demissão, e se o governo que suceder se considerar apto para entrar em acordo com a Rússia". E conclui que nesse caso a questão terá sido resolvida sem dar dor de cabeça à ONU.
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Delicioso. Tudo isto, em outros termos, quer dizer simplesmente que a URSS poderá, à vontade, impor ao Irã a mudança de governo, açulando por meio do Partido Comunista local um motim qualquer. Deposto o governo persa, vem um governo "Quisling" qualquer, que entra em acordo com a Rússia. E estará tudo acabado.
Foi precisamente assim que Hitler agiu. Os partidinhos nazistas, os trabalhadores por ele subornados na Áustria, Tchecoslováquia, etc., se moviam e depunham o governo, com armas de Berlim, dinheiro de Berlim, direção de Berlim, influência de Berlim. O governo deposto não reagia, também por medo de Berlim. E Hitler proclamava que fazia "acordos livres" com as nações limítrofes.
A isto chamamos, em tempo oportuno, de puro banditismo. Em se tratando da URSS, não mudaremos de linguagem.
Todo o mundo gritava contra isto. Hoje, parece que não grita mais.
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As grandes cidades passam por ser das manifestações mais típicas da alta qualidade de civilização a que atingiram os homens do século XX. Quanto maior a cidade, tanto maior a civilização. É questão de quilometragem.
Um jornal do Rio, o "Diário de Notícias" de 6-1-46, publicou a este respeito, uma estatística curiosa. O total de mortos e feridos por acidentes, crimes, etc., etc., no Rio, em 1945, foi de 5.912. Muito mais do que as perdas brasileiras na FEB.
Acidentes foram em média nove por dia, especialmente na Avenida Getúlio Vargas, que por sua enorme largura põe em risco os transeuntes. As praias devoraram, em 1945, 64 banhistas imprudentes. E os antros de corrupção da cidade geraram 151 suicídios, 233 tentativas de suicídio, 94 deserções do lar, etc.