Legionário, Nº. 670, 10 de junho de 1945
7 DIAS EM REVISTA
Plinio Corrêa de Oliveira
Publicamos hoje a alocução do Sumo Pontífice, referente à situação na Alemanha, documento de alto valor doutrinário e político, rico em importantes afirmações que julgamos conveniente acentuar com pequenas notas feitas ao longo do próprio texto pontifício.
Para esta seção, reservamos umas observações de caráter genérico, que se relacionam, não tanto com esse ou aquele inciso da alocução, mas com seu sentido geral.
Na monumental Encíclica "Mit Brennender Sorge", o Papa Pio XI narra o silencioso martírio que sofreu ao ver, dia a dia, apertar-se a perseguição religiosa na Alemanha que punha em sangue seu coração de Pai e não obstante condenava seus lábios apostólicos a um doloroso mutismo. O nazismo de tal maneira empolgara a opinião pública que o Santo Padre só se sentiria em condições de o condenar quando sua política anti-religiosa se houvesse declarado plenamente. Antes disto, qualquer palavra do Papa seria contraproducente. Desvairados pela propaganda hitlerista, muitos espíritos se apegariam obstinadamente a todos os pretextos, para afirmar que o nazismo nada tinha de anti-católico. E persistiriam nesse erro, não obstante a palavra do Papa, enquanto o nacional-socialismo não deixasse cair inteiramente sua diabólica máscara cristã.
É impossível não pensar em todo esse martírio lendo as declarações de Pio XII sobre a perplexidade, as reservas, a inquietude com que a Igreja deliberou aceitar a concordata que o nazismo lhe oferecia. Pio XII foi "magna pars" em toda essa tragédia, como ex-Núncio em Berlim e Secretario de Estado de Pio XI. Ninguém pode, melhor do que ele, depor sobre esse tenebroso drama.
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Ora, porque se sentia a Santa Sé na impossibilidade de falar? A dificuldade mais essencial não estava na indignação que sua atitude pudesse despertar entre os protestantes, em qualquer hipótese prevenidos contra o Papado. Estava na incompreensão que ela haveria de encontrar mesmo em muitos católicos.
A condenação da Igreja teria sido muito antes, teria dissipado muito mais cedo certas dúvidas cruéis, se todos os católicos esclarecidos tivessem sido dóceis à voz da Hierarquia, tivessem atendido ao que seus Bispos e a generalidade dos teólogos alemães lhes diziam sobre o nazismo.
Mas as paixões políticas, o ideal aliás legítimo - se bem que levado pelo nazismo a uma monstruosa hipertrofia - da grandeza nacional, de tal maneira empolgou os espíritos, que eles perderam a serenidade necessária para considerar todas as coisas "sub specie aeternitatis".
Seu grande erro, sua grande culpa consistiu, pois, em se empolgarem com entusiasmo fanático por uma causa humana. Em permitir que um ideal terreno asfixiasse neles o espírito sobrenatural.
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Há nisto, para nós brasileiros, ensinamentos de grande atualidade. Aproximamo-nos do pleito eleitoral, e as paixões políticas, já vivazes, tenderão por certo a se acentuar ainda mais.
Compreendemos evidentemente toda a importância dos problemas temporais atualmente em foco. E, por conseguinte, consideramos explicável que a controvérsia suscite de um e outro lado grande entusiasmo. Mas, nas reservas de entusiasmo de todo católico há uma zona superior em que os mais altos ideais temporais não devem deitar raízes. É o "sancta sanctorum" reservado em todos os corações católicos para Deus e sua Igreja.
Empolgando-nos por esta ou aquela corrente, tenhamos sempre suficiente domínio sobre nós para renunciar a qualquer posição, para retificar qualquer atitude, para abandonar qualquer grupo, desde que a isto nos leve a consideração dos superiores interesses e dos direitos imprescritíveis da Igreja de Deus.
Amar a Deus sobre todas as coisas implica em amar mais do que amigos, parentes, correligionários políticos, interesses econômicos ou pontos de vista partidários, a Igreja que Jesus Cristo instituiu.
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A outra observação que se depreende da leitura geral do documento Pontifício é referente à Rússia.
O próprio Pontífice expõe toda a prudência com que o Vaticano agiu no caso alemão, sabendo-se embora em face de um adversário ardente e inexorável como Hitler.
Por isto mesmo - se não tivéssemos outras razões - podemos estar certos de que todas as suas atitudes enérgicas são tomadas depois da mais madura ponderação.
Ora, o documento que analisamos é muito severo no que diz respeito a URSS. O Papa não condescende em fazer polêmica com os soviéticos, é o que diz expressamente, quando afirma que os vitupérios procedentes de fonte comunista, são para a Igreja, não labéus, mas títulos de glória. Por isto não se digna de mencionar diretamente Moscou. Sua razão é estritamente teológica. As injúrias dos maus são glórias para os bons. Assim, o ódio satânico dos demônios ainda é um fato que reverte em glória extrínseca para Deus. Deus, porém, não condescende em revidar as blasfêmias dos precitos.
Mas, não mencionando diretamente a URSS, o Santo Padre, em atenção a opinião mundial que lhe compete guiar como Papa, estigmatiza a política internacional de Moscou e tem a respeito dela uma afirmação que vale por todas as outras: chama o governo Stalin de tirania "não pior" do que o nazismo, ao qual, linhas acima, o Papa chamava "satânico".
Que significa isto? Que o Santo Padre sempre cuidadoso em se informar, não alimenta a menor esperança de melhores relações com os soviéticos e não toma na menor consideração as perspectivas de uma mitigação da política comunista.
Só uma convicção muito profunda de que nada de auspicioso se pode esperar da URSS levaria o Pontífice a arcar com todos os riscos de sua peremptória atitude no momento preciso em que a opressão comunista pode redobrar de intensidade contra os católicos localizados não só em solo soviético, como nos países ocupados pela URSS na Europa Central.
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Por tudo isto, não podemos deixar de considerar com apreensão as seguintes palavras do Prof. Zdenek Nejedly, Ministro da Educação da Checoslováquia:
"O mundo está mudando. Sabemos que se precisarmos de auxílio, tê-lo-emos do Exército Vermelho. O telegrama de saudação do Marechal Stalin no dia de nossa libertação foi uma grande mensagem: "Após uma luta que durou séculos - disse ele - a nação checa assegurou sua independência e sua liberdade". Isto torna a nossa posição muito menos complicada. Não nos amedrontemos mais com possíveis reações dos alemães. Somos agora, realmente, uma nação independente. Se o Exército Vermelho, as gloriosas forças de Tito, as bravas divisões polonesas e o exército do povo checo estiverem unidos, teremos nossa vez de falar na Europa."
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Ingenuidade rematada? Não o podemos admitir. De fato, estas palavras são de um mero agente moscovita, que apela descaradamente para a intervenção russa em sua Pátria.
Um "Quisling" vermelho, que substitui os "Quislings" pardos. E nada mais.
Isto posto, pensa-se involuntariamente em Tito. Outro Quisling? Ou um patriota iludido? Os Quisling são títeres que fazem sem hesitação o jogo de seus mandantes. O jogo moscovita agora é de "camouflage", em voz dulçurosa, dizer coisas ambíguas que contêm algumas blandícias para narcotizar os católicos tíbios ou tolos, e, bem analisadas, encerram verdadeiras ameaças destinadas a paralisar pelo terror os católicos mais solertes.
É este o jogo soviético. Ora, não se pode negar que as seguintes palavras de Tito constituem um exemplo típico dessa linguagem agridoce que têm um pouco de meiguice desafinada com que o lobo de Lafontaine conversava com o cordeiro:
"BELGRADO, 5 (R.) - O marechal Tito esclareceu sua atitude em face da Igreja, num discurso notável pela franqueza, que pronunciou ao receber uma delegação do clero católico, chefiada pelo Bispo Salis, por ocasião de sua visita a Zagreb.
"Devo dizer abertamente - declarou o primeiro ministro da Iugoslávia - que não condeno Roma, vossa autoridade suprema, mas devo dizer também que considero os fatos com espírito de crítica porque essa autoridade sempre se mostrou mais inclinada pela Itália que pelo nosso povo".
Depois de salientar que, como croata, se sentia decepcionado pelo papel desempenhado pelo clero católico no Movimento de Libertação, Tito acrescentou:
"Isso não significa que condenamos o clero em geral. Durante a luta sempre tivemos em mente a idéia de que a religião está profundamente enraizada no nosso povo, e que as relações da Igreja com o Estado não podem ser resolvidas por decreto, porque soluções dessa ordem jamais foram bem sucedidas. Com este espírito estamos dispostos a encontrar a melhor solução possível e desejo que apresenteis sugestões no sentido de resolver da melhor maneira possível o problema da igreja católica croata".