Legionário, 18 de março de 1945

7 DIAS EM REVISTA

Plinio Corrêa de Oliveira

Qualquer dos jornais ou das emissoras soviéticas - não nos lembramos bem, e não vem ao caso, já que lá é tudo "dirigido" e exprime o pensamento oficial - desfiou uma longa catilinária contra o Vaticano, com o fundamento de que este estava salvando aos poucos toda a camarilha fascista, entregue presentemente à execração da vindita popular. Esta acusação vinha envolta com uma série de reminiscências históricas truncadas sobre o Tratado de Latrão, e outros episódios referentes às relações ítalo-vaticanas sob o regime fascista.

Como de costume, as agências telegráficas se encarregaram de transmitir para o mundo inteiro essa cantilena.

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A memória soviética é curta. Eles dizem que o Vaticano apoiou o regime fascista na Itália. De fato, a Santa Sé não recusou nenhum dos gestos em que o regime fascista lhe estendia sua mão colaboradora. Assim, por exemplo, não recusou o Tratado de Latrão, nem a legislação familiar inspirada nos princípios cristãos, nem o reconhecimento da Igreja pelo Estado. Entretanto, a despeito disto, a Santa Sé jamais interveio na política italiana para manter o regime fascista contra adversários interiores. E, mais do que isto, manteve uma atitude de inalterável protesto contra os abusos do regime, protestos estes que se tornavam mais intensos à medida que o regime desenvolvia suas virtualidades totalitárias e enveredava pela política catastrófica em que acabou encontrando seu fim. Assim é que a Santa Sé proibiu aos dirigentes da AC italiana que se inscrevessem no Partido Fascista, enfrentou em favor da liberdade espiritual de seus filhos italianos a luta tremenda que culminou com a histórica Encíclica "Non Abbiamo Bisogno", protestou ostensivamente contra a aliança teuto-italiana e deplorou de modo oficial as visitas apoteóticas de Hitler a Roma. Tudo isto com grave risco enfrentando uma campanha desferida com todos os recursos da técnica totalitária, só e só para estar à altura de sua divina missão, e defender os princípios católicos contra tudo e contra todos. Neste sentido, Pio XI obteve o aplauso universal por sua atitude desassombrada e sobrenaturalmente varonil. Esse aplauso não lhe veio só das fileiras católicas, mas de muitos inimigos da Igreja, perseguidos pelo nazismo. E, continuando Pio XII na linha de conduta de Pio XI, a mesma atmosfera de veneração, de apoio, de entusiasmo continua a cercá-lo como demonstra a crescente influência da Santa Sé no terreno internacional.

Os sovietes fingem esquecer tudo isto.

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Mas nós temos memória muito boa, e não nos esquecemos, também, de que, enquanto Pio XI lutava vigorosamente para conter dentro dos limites suportáveis a maré fascista na Itália, a URSS mantinha com o regime fascista cordiais relações diplomáticas que não deixavam de ser glosadas pelos comentaristas diplomáticos do tempo. Essas relações tinham um tom tão idílico que os sovietes chegaram a mandar uma comissão de técnicos aos estaleiros italianos para aprender o fabrico de belonaves para a marinha de guerra comunista. Enquanto Pio XI lutava com o fascismo, este "namoriscava" os sovietes, chegando a concorrer de modo decisivo para o equipamento de sua marinha de guerra. São assim as coisas... Positivamente, não é necessário que defendamos Pio XII das acusações que agora lhe dirige a propaganda comunista.

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Vê-se, entretanto, que a política dos sovietes em relação ao Vaticano vai trabalhando intensamente. O objetivo russo consiste em colocar a Santa Sé entre as "potências caudatárias" de sua diplomacia, ou em atacar de frente o Papa. Não é esta a primeira vez que se estabelece esta alternativa para São Pedro, obedecer ou morrer. São Pedro tem sempre respondido: morrer.

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Toda uma ala comunista tem procurado aproximar-se insistentemente dos católicos, quer insinuando que o comunismo tem evoluído para o Catolicismo, quer insinuando o contrário, isto é que o Catolicismo vai evoluindo para o comunismo.

A esta política corresponde a famosa orientação da "main tendue", a política de católicos e comunistas, de mãos dadas para realizar "objetivos comuns". Política de confusão e de demência, evidentemente, e por isto mesmo política que a Santa Sé tem reiteradamente condenado, a despeito do que não desanimam seus insistentes fautores, ora abertamente comunistas, ora disfarçados com a pele de cordeiro...

Faz parte dessa política a tendência de deformar os discursos do Papa, emprestando-lhes sentido socialista. Assim, ainda não há pouco, o Papa declarou que a socialização de certas indústrias se poderia admitir "em casos específicos", ou seja, em casos determinados, ou especiais, excepcionais. O título com que esse telegrama foi apresentado rezava: "O Papa favorável à socialização das indústrias" Ora, era precisamente o contrário. O Papa só admitia a socialização a título especial. Era, pois, contrário a que ela se fizesse de modo freqüente e habitual.

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Parece que, felizmente, os sovietes já perceberam a inutilidade destes esforços. E, por isto, tratam de iniciar a ofensiva contra a Santa Sé. Daí uma política em que se manejam habilmente empresas mais ou menos neutras, para desprestigiar a Santa Sé. Assim, no dia 10, se publicava o seguinte telegrama:

"ROMA, 10 (R.) - Foi hoje anunciado nos círculos do Vaticano que o governo dos Estados Unidos, com inteiro apoio da Inglaterra, está tentando negociar um acordo entre Pio XII e a Rússia soviética.

Sabe-se que o Vaticano tem esperanças de alcançar uma rápida solução para suas divergências com a Rússia".

E, pouco depois, se publicava outro com os seguintes dizeres:

"LONDRES, 13 (U.P.) - A rádio de Moscou informa que a agência oficial Tass desmentiu, hoje, que a Rússia e o Vaticano realizavam negociações para chegar a um acordo e restabelecer suas relações".

Em outros termos, é a URSS que não quer mais saber do Vaticano, que aguarda súplice, as suas boas graças.

Risum teneatis...

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E, já que tratamos desse assunto, não podemos deixar de registrar a infeliz coincidência de que a um tempo se cogita de reatar as nossas relações com os sovietes, e se faz uma propaganda pela libertação de Luiz Carlos Prestes.

Quaisquer que sejam os argumentos invocados em favor do reatamento com a Rússia, o certo é que os inúmeros consulados que ela ficará autorizada a espalhar por nosso País funcionarão como verdadeiros focos de propaganda bolchevista. A soltura de Prestes - fato que nada tem que ver com as alterações constitucionais nem com o problema da anistia aos políticos - virá agravar o mal.

E nós não podemos deixar de recear isto!