Legionário, 25 de fevereiro de 1945
7 DIAS EM REVISTA
Plinio Corrêa de Oliveira
Não teríamos muito que dizer, sobre o incidente Roosevelt-De Gaulle. E isto porque, talvez, tivéssemos que dizer demais. O assunto é complexo, e, na pluralidade de aspectos que envolve, só poderia ser tratado em seção mais extensa. Ora, precisamente agora, temas de um interesse mais próximo exigem nossa atenção. Analisemos, pois, apenas dois ângulos do problema.
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A priori, é evidente que a atitude intransigente do Sr. De Gaulle foi motivada, em grande parte, pela exclusão da França das conversações de Yalta. De duas uma, ou a França é uma grande potência com que se precisa contar ou não. Se é, por que a excluíram? Se não é, deve ela aceitar de ser inteirada dos resultados da conferência como pequeno Estado subsidiário? Deve seu chefe consentir em receber um "diktat" conferenciando com Roosevelt, ao mesmo tempo e do mesmo modo que o negue, o régulo da Transjordânia e outros chefes semi-civilizados, conferenciam com Winston Churchill?
Evidentemente não. E, por isto, compreende-se bem que o Sr. De Gaulle no seu comunicado todo impregnado de alta e fina cortesia francesa - e que saudades tínhamos de ver luzir essa "finesse" em um documento político internacional - tivesse posto claramente os pingos nos "is". A França tem um prestígio internacional a manter. É interesse legítimo dela, é interesse sagrado da civilização e da própria Igreja, que esse prestígio se mantenha.
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Mas a questão tem também outro aspecto. Ninguém ignora que o grande problema de amanhã será o conflito de interesses entre o bloco anglo-americano e a Rússia. Todos desejamos ardentemente que a França propenda para o lado anglo-americano. E, por isto, preferíamos que o Sr. De Gaulle tivesse aproveitado a ocasião para tomar atitudes de tal maneira anti- soviéticas, que não restasse a menor dúvida sobre a futura posição internacional de sua grande e nobre pátria.
Mas... e aí novamente o problema se desdobra... é preciso para tal, que os aliados, por uma política de franco apoio e compreensão para com a França, não a atirem aos braços dos sovietes. E assim, o problema se desdobra e se desdobraria ainda mais em uma série indefinida de aspectos a respeito dos quais fixemos apenas dois, para melhor orientação de nossos leitores.
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E haveria ainda uma palavra a dizer sobre o Vaticano. A Santa Sé não foi convidada para a Conferência de Yalta, não pediu para ser convidada e não sabemos se irá, caso fosse convidada.
Uma coisa, entretanto, é absolutamente certa. É que ela não tem nenhum interesse próprio em tal convite. Desde a Revolução Francesa, a vida internacional se organizou de maneira a que o Papa figurasse apenas como um afastado e obscuro co-participante dos grandes acontecimentos, muito distante do foco central onde tudo se decide e tudo se faz. A queda de Roma em 1870 agravou ainda mais essa situação, com o desaparecimento dos antigos Estados Pontifícios, reduzidos apenas a pequena ilhota vaticana, cuja soberania era contestada pela própria Itália. E as coisas foram se desenrolando, correndo, rolando, rodando e rodando tanto que rolaram até o fim da ladeira. Aos olhos do mundo inteiro o Papa foi o grande proscrito, que, expulso da sinistra alquimia internacional, tinha os dedos limpos de todas as tintas de tratado com que se desgraçou o mundo, limpas de todo o sangue que se tem vertido sobre a face da terra. Chefe, também ele, de uma vasta comunidade internacional, mantém nos limites de seu reino espiritual uma paz e uma ordem inviolável, entre as nações que fora da seara da Igreja se entredegladiam com sanha feroz. Alemães, ingleses, americanos, brasileiros, nipões, todos vivem - os católicos é visto - em paz religiosa. Na Igreja, não brigam. Fora dela, brigam. Por que? Porque a Igreja é a fonte da ordem, a fonte da justiça, nas suas fronteiras não há lugar para as guerras que a sanha agressora de algumas nações desencadeou no mundo.
O Papa é o Rei da Ordem, o Príncipe da Paz, o soberano dispensador da justiça. Contemplando-se a luminosa serenidade de seu reinado, com as tempestades que estrondeiam longe dele, uma pergunta vem espontaneamente aos espíritos: se tudo se depositasse em suas mãos, a seus pés, sob a égide de seu vulto benfazejo e protetor, não mudaria de rumo este mundo desvairado?
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Esta pergunta, fazem-na todos os homens sensatos. E daí, para o Vaticano, em virtude de seu próprio isolamento, um prestígio, uma autoridade, que parece ter chegado a seu clímax. De tal maneira que o Papa – considerados apenas os interesses da chancelaria vaticana – nada tem que lucrar com sua mais próxima participação dos negócios internacionais.
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Mas, evidentemente, os interesses da Igreja não são apenas os do prestígio diplomático. A Igreja é Mãe. Pode ser que, no exclusivo intuito de proteger a seus filhos, ela consinta em participar de seus convênios, e introduzir um pouco de amor e de ordem em suas relações. Neste sentido, pode mesmo ser que ela deseje essa oportunidade de fazer o bem. Mas uma coisa é certa. Se o Papa aceitar essa oportunidade, não é senão para beneficiar o mundo desinteressadamente.