Legionário, N.º 639, 5 de novembro de 1944

7 DIAS EM REVISTA

Tudo quanto diz respeito ao futuro da Itália interessa diretamente à opinião católica, não somente pela importância desse país na Cristandade, como pela natural repercussão de todos os acontecimentos ocorridos em território italiano, na vida e atividades do Sumo Pontífice.

Assim, pois, acompanhamos com a maior atenção o rumo que vão tomando os acontecimentos naquele país e estamos certos de que toda a opinião católica brasileira partilha de nosso interesse pelo assunto.

*  *  *

Precisamente por isto, devemos reduzir a seus verdadeiros termos a entrevista dada pelo Príncipe Humberto, lugar-tenente do Rei da Itália, a um jornal americano, o “New York Times”. Nessa entrevista, o herdeiro da Coroa italiana se manifesta favorável à instauração da monarquia constitucional representativa. Nada mais natural. O fascismo fracassou. A monarquia italiana, símbolo das tradições nacionais, deve continuar e, por conseguinte, deve amoldar-se a uma organização político-social diversa.

Entretanto, a aceitação dessa modalidade governamental pelo Príncipe Humberto não significa, em si mesma considerada, nenhuma concessão ao socialismo de Estado, e muito menos ao comunismo. Pelo contrário, passando do socialismo fascista para um regime liberal, a Itália se distancia do socialismo marxista.

Assim, a frase do jornal nova-iorquino, de que a monarquia italiana “deve mover-se para a esquerda” não está de modo nenhum conforme com as transformações que se projetam na Itália, e, muito menos, com a índole e espírito do regime monárquico.

*  *  *

Ninguém ignora a grande importância do problema do petróleo, na política internacional de nossos dias. Assim, tem considerável alcance as discussões travadas atualmente pelos governos persa, soviético, americano e inglês, em torno da posse e aproveitamento das jazidas petrolíferas que se encontram em território iraniano, ou persa.

Essas jazidas são imensas, e constituem uma riqueza considerável. Em tempo de guerra, podem influir decisivamente no curso das operações militares. São, portanto, uma das chaves do mundo. A potência que sobre elas deitar mãos, terá só por isto uma importância internacional.

E, como as várias nações encarnam ideologias e tendências muito diversas, como os rumos ideológicos e religiosos do mundo poderão variar conforme um eventual acréscimo ou decréscimo da influência dos sovietes, dos muçulmanos persas, dos americanos, e ingleses, acontece que... o problema da posse do petróleo tem uma conexão vital, se bem que indireta, com os mais altos problemas ideológicos e religiosos de nossos dias. E, portanto, a questão nos diz respeito, como católicos.

*  *  *

Os sovietes cobiçaram os poços petrolíferos iranianos. Os persas se recusaram a fazer-lhes as "concessões" - entenda-se "capitulações" - exigidas. O governo soviético resolveu "considerar inamistoso" o gesto dos persas. E estes bem pouco se incomodam com o ocorrido. De onde estrondoso fracasso da diplomacia soviética na Ásia, e manifesta afirmação de que a Ásia não procederá, diante da expansão comercial e ideológica dos sovietes, como uma "terra de ninguém".

Ora, isto é ótimo.

*  *  *

O LEGIONÁRIO tem acentuado freqüentes vezes a importância crescente que vai tendo o mundo muçulmano. Os dois pólos em torno dos quais se vai formando a unidade muçulmana são o Irã - ou Pérsia - e o Egito. O insucesso do "drang" moscovita rumo à Pérsia prova claramente o grau de influência e de poder a que o mundo muçulmano está chegando. Ora, isto não é ótimo.

*  *  *

Os Estados Unidos aceitaram com sôfrega satisfação a decisão persa, vendo nela um meio de subtrair os cobiçados poços à influência soviética, e considerando em tudo isto os meios com que de futuro os poços venham a ser aproveitados para a indústria e os reservatórios militares da América do Norte. Se isto se desse, não seria das piores coisas, já que em fim de contas, e apesar dos pesares, os americanos oporiam ao esforço missionário obstáculos muito menores do que os muçulmanos ou os bolchevistas. Mas a Inglaterra foi muito mais reservada. Ora, isto é sintomático.

*  *  *

Por que? Dar-se-á o caso de estarem as autoridades persas mancomunadas com os americanos, de sorte que a Inglaterra se tenha sentido tão "espoliada" quanto os sovietes, com a deliberação iraniana? Não sabemos. O certo é que a recusa persa baseou-se em um princípio muito explicável em última análise, mas que terá causado em Downing Street, onde se é tão mais sutil, perspicaz, ágil de espírito que na Casa Branca, uma impressão desagradável. A Pérsia alega que só depois da guerra fará concessões. Isto é, negociará essas concessões. Pô-las-á em leilão por preços exorbitantes. Ou... negociará ela mesma seu próprio petróleo, sem o conceder a quem quer que seja, e fazendo desde logo do mundo muçulmano uma das maiores potências petrolíferas de nossos dias.

Não estará nisto, a razão mais profunda do sábio retraimento da Grã-Bretanha?