Aproxima‑se de seu definitivo "untergang",
o regime nazista. São tais as vitórias obtidas no "front" ocidental pelas
tropas anglo-americanas, que o colapso final do III Reich é uma questão de
dias. Neste momento não podemos deixar de considerar o passado e o futuro, num
lance de olhos rápido embora. O passado, para dar graças a Deus dos males
inumeráveis de que nos libertou. O futuro, para nos prepararmos a melhor servir
a Deus nos dias que virão. Nos limites necessariamente exíguos desta seção,
será impossível fazer neste momento histórico todo o balanço do passado, fixar
definitivamente a fisionomia desta imensa crise filosófica, política, social e
econômica que foi o totalitarismo, descriminar as responsabilidades dos que
concorreram para que chegássemos aos riscos a que chegamos, pedir a justiça
devida a cada qual, e em seguida olhar para o futuro, prevendo perigos,
avaliando possibilidades felizes, e tecendo com estes fatores os cálculos
necessários para uma boa direção de nossas atividades. O trabalho seria imenso,
porque representaria um inventário completo de todos os problemas humanos, no
campo religioso, filosófico, político, social, econômico. Obra, pois, para uma
enciclopédia e não para uma ligeira nota de jornal. Mas há certos aspectos da
situação contemporânea, que podemos considerar com clareza, em rápido lance de
olhos.
* * *
O primeiro é que, se em todas as épocas os
católicos têm responsabilidades esmagadoras, elas o são especialmente nos dias
que correm. Temos diante de nós um passado em escombros, e um futuro cheio de
problemas. Nos escombros deste passado - acentuou‑o o Santo Padre no
último discurso que o LEGIONÁRIO publicou - há muitas tradições cristãs, muitos
destroços preciosos da velha civilização que nossos avós nos legaram,
civilização de cristãos, de homens redimidos pelo Precioso Sangue de Nosso
Senhor Jesus Cristo, civilização que tem elementos eternos e imutáveis, que
cumpre transplantar cuidadosamente para o solo pedregoso e movediço do mundo
futuro.
Destes escombros, o mais nobre e o mais triste é
precisamente o conjunto de povos heréticos e cismáticos que, batizados e
resgatados pelo Sangue de Cristo, não são entretanto membros da Igreja de
Cristo, são sarmentos cortados da vinha, filhos que apostataram da casa
paterna, sóis apagados que fazem nas sombras da morte a trajetória terrena que
todos os homens devem percorrer. Um povo protestante, um povo cismático, é uma
Cristandade em escombros. Em escombros sim porque lhe falta a vida, e tudo nele
é ruína. Mas em muitas ruínas ainda há colunas eretas, muralhas que não
acabaram de desabar, ogivas que ainda conservam um velho encanto dos dias de
sua extinta glória. É o que se dá com os povos que abandonaram a Igreja. Todos
eles conservam, em meio de sua terrível desolação, alguns fragmentos de
civilização cristã, e mesmo alguns vestígios de religião cristã. Segundo a
Escritura, o verdadeiro hebreu deveria amar Jerusalém, amar suas ruínas, amar o
próprio pó de suas ruínas. O verdadeiro católico, pelo próprio amor que tem à
Santa Igreja de Deus, ama os escombros de sua obra que sobrenadam na desolação
dos países apóstatas. Ele amaria até as mais vagas recordações, até o mais leve
perfume de Catolicismo que se perpetuasse na vida e costumes dos povos
apóstatas. E este perfume por vezes perdura. Disse o Santo Padre Pio X que certas almas,
perdendo a Fé, conservam odor de Catolicismo, como um jarro do qual se
retiraram as flores conserva por vezes ainda seu perfume.
* * *
É verdadeiramente comovedor ver como nesta hora de
universal destruição a Igreja pensa na reconstrução, e salva com amor de mãe os
destroços de sua própria obra, que a impiedade dos hereges e cismáticos não
logrou destruir, nos países onde o cisma e a heresia triunfaram.
* * *
Merece neste sentido especial referência o último
discurso do Sumo Pontífice, em que ele incita os católicos a que, "com
amor fraternal", cooperem com os pobres filhos da apostasia e da heresia,
para a preservação do que de cristão possa restar entre estes.
A Inglaterra, por exemplo, conserva em suas instituições, em seus
costumes, muito de cristão. Não queremos minimalizar
as terríveis devastações da heresia na Inglaterra. Mas é certo que em suas
veneráveis instituições monárquicas e aristocráticas, em suas organizações
universitárias, em seu aparelho judiciário e administrativo, a Inglaterra ainda
tem muitos vestígios da Idade Média, vestígios cristãos de uma época cristã e católica,
restos memoráveis de uma fase em que a Igreja informou toda a vida dos povos
europeus, legado preciosíssimo portanto, cuja trasladação para um mundo novo
deverá ser feita, não só pelo esforço dos protestantes, mas dos próprios
católicos, em toda a medida do possível, e com a cooperação fraternal dos
católicos com os hereges anglicanos.
* * *
Por que? Para que? Não porque o Santo Padre entenda
que as bases normais de uma sociedade cristã e católica (termos inseparáveis e sinonimíssimos) devam assentar na cooperação entre
católicos e não católicos. Só há uma religião verdadeira, só ela pode ser
fundamento da verdadeira civilização. Todo herege é, na sociedade cristã, um
germe de dissolução e de morte, um foco de contágio e de pestilência, que constitui
para a Cristandade um perigo permanente. A Cristandade só se pode firmar,
portanto, pela eliminação completa da heresia, resultante da luta sem tréguas
dos verdadeiros cristãos - os católicos - contra os cristãos espúrios, isto é,
os hereges e apóstatas. Foi por isto que, para preservar a Cristandade
medieval, a maternal solicitude da Santa Igreja instituiu organizações
admiráveis como as Ordens Militares e o "Tribunal da Sagrada Inquisição contra a Perfídia dos
Hereges".
Longe de nós, portanto, a idéia de que a cooperação
entre católicos e não católicos seja o fundamento de qualquer edificação
conforme as vistas da Igreja.
* * *
Mas a Igreja é uma verdadeira "Sedes Sapientiae". Ela ama a lógica, e a lógica é intransigente
por natureza. Mas Ela abomina o espírito de indiscernimento
e de confusão.
Precisamente por isto, Ela não confunde duas coisas
muito diversas. Quer Ela a conversão dos hereges? Sim? Então deve lutar contra
a heresia, isto é, contra o que separa os hereges do catolicismo. Mas se ela
quer a conversão dos hereges, como não
os auxiliar quando eles procuram preservar-se de erros ainda mais funestos que
sua própria heresia que os afastariam ainda mais da Igreja?
Numa emergência destas a Igreja acode até mesmo em
favor desses seus adversários. Não foi por outra razão que os cruzados morreram
aos pés das muralhas de Bizancio, capital cismática, para a defender contra os muçulmanos,
os mesmos cruzados poderiam fazer uma cruzada contra o próprio cisma
bizantino...
* * *
Evidentemente, não quer isto dizer que os católicos
e protestantes devam reunir-se em associações interconfessionais,
o que já foi severíssimamente proibido por atos
públicos da Santa Sé. Nem quer dizer que possam empolgar-se os católicos de tal
maneira com a luta contra o inimigo comum que percam a noção de que um abismo
separa tudo quanto é católico de tudo quanto não o é. Por exemplo, os
anglicanos e os católicos são anticomunistas. Podem, pois, lutar contra o comunismo.
Em uma mesma organização sindical? Por princípio, não. Podem chegar a entender
que as diferenças que os separam são sem importância à vista do mal comum?
Nunca, jamais. Nem por isto, entretanto, os representantes qualificados de uns
e de outros devem deixar de cooperar. Num parlamento, por exemplo, católicos e
protestantes podem somar seus votos para derrotar um projeto de extinção da
propriedade privada.
* * *
Estas noções são muito importantes no Brasil, onde
a tática dos hereges procura baralhar constantemente os campos. Ainda agora,
temos em mãos a transcrição de um livro "Prodígios da Biopsychica", da autoria do Sr. Eurico
de Goes. Na Pg. 383 e seguintes, esse autor transcreve de um jornalzinho "A Luz", que se publica em Santa Rita
de Jacutinga, em Minas, uma pastoral em que um "Dom Francisco", Bispo de Juiz de Fora, faz uma verdadeira apologia do espiritismo. Este
documento nos foi fornecido por um leitor, que pede sobre ele uma palavra de esclarecimento.
O esclarecimento é simples. A "Luz" publicou apenas um documento
falso. Em Juiz de Fora, o Exmo. Revmo. Sr. Bispo se
chama Dom Justino, e não Dom Francisco. E qualquer Bispo da Santa Igreja
que escrevesse o que consta da suposta “pastoral” seria imediatamente objeto de
penas canônicas. Seria, pois, inteiramente impossível que esse “Dom Francisco”
que não é de Juiz de Fora escrevesse jamais tal documento. Se o escrevesse, não
continuaria no cargo. A falsificação com que iludiram a “Luz” de Jacutinga é
tão grosseira, que nem merece maior análise. Mas um aspecto dela é importante.
* * *
Com efeito, por que fazer propaganda espírita com a
suposta autoridade de um Bispo católico? Porque a tática de nossos adversários
é esta: baralhar os campos.
Se, portanto, queremos prejudicar essa tática,
façamos o contrário: separemo-los.
É esse o tradicional ensinamento da Santa Sé.