Legionário, N.º 631, 10 de setembro de 1944

7 DIAS EM REVISTA

Aproxima‑se de seu definitivo "untergang", o regime nazista. São tais as vitórias obtidas no "front" ocidental pelas tropas anglo-americanas, que o colapso final do III Reich é uma questão de dias. Neste momento não podemos deixar de considerar o passado e o futuro, num lance de olhos rápido embora. O passado, para dar graças a Deus dos males inumeráveis de que nos libertou. O futuro, para nos prepararmos a melhor servir a Deus nos dias que virão. Nos limites necessariamente exíguos desta seção, será impossível fazer neste momento histórico todo o balanço do passado, fixar definitivamente a fisionomia desta imensa crise filosófica, política, social e econômica que foi o totalitarismo, descriminar as responsabilidades dos que concorreram para que chegássemos aos riscos a que chegamos, pedir a justiça devida a cada qual, e em seguida olhar para o futuro, prevendo perigos, avaliando possibilidades felizes, e tecendo com estes fatores os cálculos necessários para uma boa direção de nossas atividades. O trabalho seria imenso, porque representaria um inventário completo de todos os problemas humanos, no campo religioso, filosófico, político, social, econômico. Obra, pois, para uma enciclopédia e não para uma ligeira nota de jornal. Mas há certos aspectos da situação contemporânea, que podemos considerar com clareza, em rápido lance de olhos.

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O primeiro é que, se em todas as épocas os católicos têm responsabilidades esmagadoras, elas o são especialmente nos dias que correm. Temos diante de nós um passado em escombros, e um futuro cheio de problemas. Nos escombros deste passado - acentuou‑o o Santo Padre no último discurso que o LEGIONÁRIO publicou - há muitas tradições cristãs, muitos destroços preciosos da velha civilização que nossos avós nos legaram, civilização de cristãos, de homens redimidos pelo Precioso Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, civilização que tem elementos eternos e imutáveis, que cumpre transplantar cuidadosamente para o solo pedregoso e movediço do mundo futuro.

Destes escombros, o mais nobre e o mais triste é precisamente o conjunto de povos heréticos e cismáticos que, batizados e resgatados pelo Sangue de Cristo, não são entretanto membros da Igreja de Cristo, são sarmentos cortados da vinha, filhos que apostataram da casa paterna, sóis apagados que fazem nas sombras da morte a trajetória terrena que todos os homens devem percorrer. Um povo protestante, um povo cismático, é uma Cristandade em escombros. Em escombros sim porque lhe falta a vida, e tudo nele é ruína. Mas em muitas ruínas ainda há colunas eretas, muralhas que não acabaram de desabar, ogivas que ainda conservam um velho encanto dos dias de sua extinta glória. É o que se dá com os povos que abandonaram a Igreja. Todos eles conservam, em meio de sua terrível desolação, alguns fragmentos de civilização cristã, e mesmo alguns vestígios de religião cristã. Segundo a Escritura, o verdadeiro hebreu deveria amar Jerusalém, amar suas ruínas, amar o próprio pó de suas ruínas. O verdadeiro católico, pelo próprio amor que tem à Santa Igreja de Deus, ama os escombros de sua obra que sobrenadam na desolação dos países apóstatas. Ele amaria até as mais vagas recordações, até o mais leve perfume de Catolicismo que se perpetuasse na vida e costumes dos povos apóstatas. E este perfume por vezes perdura. Disse o Santo Padre Pio X que certas almas, perdendo a Fé, conservam odor de Catolicismo, como um jarro do qual se retiraram as flores conserva por vezes ainda seu perfume.

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É verdadeiramente comovedor ver como nesta hora de universal destruição a Igreja pensa na reconstrução, e salva com amor de mãe os destroços de sua própria obra, que a impiedade dos hereges e cismáticos não logrou destruir, nos países onde o cisma e a heresia triunfaram.

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Merece neste sentido especial referência o último discurso do Sumo Pontífice, em que ele incita os católicos a que, "com amor fraternal", cooperem com os pobres filhos da apostasia e da heresia, para a preservação do que de cristão possa restar entre estes.

A Inglaterra, por exemplo, conserva em suas instituições, em seus costumes, muito de cristão. Não queremos minimalizar as terríveis devastações da heresia na Inglaterra. Mas é certo que em suas veneráveis instituições monárquicas e aristocráticas, em suas organizações universitárias, em seu aparelho judiciário e administrativo, a Inglaterra ainda tem muitos vestígios da Idade Média, vestígios cristãos de uma época cristã e católica, restos memoráveis de uma fase em que a Igreja informou toda a vida dos povos europeus, legado preciosíssimo portanto, cuja trasladação para um mundo novo deverá ser feita, não só pelo esforço dos protestantes, mas dos próprios católicos, em toda a medida do possível, e com a cooperação fraternal dos católicos com os hereges anglicanos.

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Por que? Para que? Não porque o Santo Padre entenda que as bases normais de uma sociedade cristã e católica (termos inseparáveis e sinonimíssimos) devam assentar na cooperação entre católicos e não católicos. Só há uma religião verdadeira, só ela pode ser fundamento da verdadeira civilização. Todo herege é, na sociedade cristã, um germe de dissolução e de morte, um foco de contágio e de pestilência, que constitui para a Cristandade um perigo permanente. A Cristandade só se pode firmar, portanto, pela eliminação completa da heresia, resultante da luta sem tréguas dos verdadeiros cristãos - os católicos - contra os cristãos espúrios, isto é, os hereges e apóstatas. Foi por isto que, para preservar a Cristandade medieval, a maternal solicitude da Santa Igreja instituiu organizações admiráveis como as Ordens Militares e o "Tribunal da Sagrada Inquisição contra a Perfídia dos Hereges".

Longe de nós, portanto, a idéia de que a cooperação entre católicos e não católicos seja o fundamento de qualquer edificação conforme as vistas da Igreja.

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Mas a Igreja é uma verdadeira "Sedes Sapientiae". Ela ama a lógica, e a lógica é intransigente por natureza. Mas Ela abomina o espírito de indiscernimento e de confusão.

Precisamente por isto, Ela não confunde duas coisas muito diversas. Quer Ela a conversão dos hereges? Sim? Então deve lutar contra a heresia, isto é, contra o que separa os hereges do catolicismo. Mas se ela quer a conversão dos  hereges, como não os auxiliar quando eles procuram preservar-se de erros ainda mais funestos que sua própria heresia que os afastariam ainda mais da Igreja?

Numa emergência destas a Igreja acode até mesmo em favor desses seus adversários. Não foi por outra razão que os cruzados morreram aos pés das muralhas de Bizancio, capital cismática, para a defender contra os muçulmanos, os mesmos cruzados poderiam fazer uma cruzada contra o próprio cisma bizantino...

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Evidentemente, não quer isto dizer que os católicos e protestantes devam reunir-se em associações interconfessionais, o que já foi severíssimamente proibido por atos públicos da Santa Sé. Nem quer dizer que possam empolgar-se os católicos de tal maneira com a luta contra o inimigo comum que percam a noção de que um abismo separa tudo quanto é católico de tudo quanto não o é. Por exemplo, os anglicanos e os católicos são anticomunistas. Podem, pois, lutar contra o comunismo. Em uma mesma organização sindical? Por princípio, não. Podem chegar a entender que as diferenças que os separam são sem importância à vista do mal comum? Nunca, jamais. Nem por isto, entretanto, os representantes qualificados de uns e de outros devem deixar de cooperar. Num parlamento, por exemplo, católicos e protestantes podem somar seus votos para derrotar um projeto de extinção da propriedade privada.

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Estas noções são muito importantes no Brasil, onde a tática dos hereges procura baralhar constantemente os campos. Ainda agora, temos em mãos a transcrição de um livro "Prodígios da Biopsychica", da autoria do Sr. Eurico de Goes. Na Pg. 383 e seguintes, esse autor transcreve de um jornalzinho "A Luz", que se publica em Santa Rita de Jacutinga, em Minas, uma pastoral em que um "Dom Francisco", Bispo de Juiz de Fora, faz uma verdadeira apologia do espiritismo. Este documento nos foi fornecido por um leitor, que pede sobre ele uma palavra de esclarecimento. O esclarecimento é simples. A "Luz" publicou apenas um documento falso. Em Juiz de Fora, o Exmo. Revmo. Sr. Bispo se chama Dom Justino, e não Dom Francisco. E qualquer Bispo da Santa Igreja que escrevesse o que consta da suposta “pastoral” seria imediatamente objeto de penas canônicas. Seria, pois, inteiramente impossível que esse “Dom Francisco” que não é de Juiz de Fora escrevesse jamais tal documento. Se o escrevesse, não continuaria no cargo. A falsificação com que iludiram a “Luz” de Jacutinga é tão grosseira, que nem merece maior análise. Mas um aspecto dela é importante.

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Com efeito, por que fazer propaganda espírita com a suposta autoridade de um Bispo católico? Porque a tática de nossos adversários é esta: baralhar os campos.

Se, portanto, queremos prejudicar essa tática, façamos o contrário: separemo-los.

É esse o tradicional ensinamento da Santa Sé.