Legionário, N.º 624, 23 de julho de 1944

7 DIAS EM REVISTA

Chegou a seu desenlace a tragédia nazista, com os acontecimentos rumorosos que será supérfluo mencionar.

O mundo vive, inquestionavelmente, um dos seus grandes momentos, pelo perigo que acaba de afastar de si, pelos problemas que tem de enfrentar amanhã.

Nesta hora, de vitória e de encruzilhada, é justo que nos detenhamos um pouco, considerando "sub specie aeternitatis" um acontecimento que, de outros ângulos, está sendo analisado à saciedade pela imprensa diária.

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Hitler foi um grande criminoso. Foi o maior criminoso de nossos tempos. Mas o que nos interessa sobretudo, não é o julgar o homem mas os fatos em que ele foi envolvido. Não nos basta proclamar o que todos já sabem, e repetir com o clamor público, que Hitler foi um criminoso. O grande problema consiste em saber como conseguiu ele cometer tantos crimes. Em uma das nações mais cultas, mais civilizadas, mais ricas do globo, em que abundavam os aristocratas, os generais, os "herr professor" das universidades, os banqueiros, os diplomatas, os escritores, os incomparáveis burocratas,  um vulgar rabiscador de paredes começa a bramir, arrasta atrás de si as multidões, leva-os à conquista do mundo, imerge todos os continentes nos horrores da guerra, e desaparece deixando atrás de si apenas maldições e ruínas. Para a realização de tão grande "feito", Hitler não agiu só. Ele teve muitos cúmplices, por ação e por omissão. É para estes que no momento devemos olhar também.

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E antes de tudo os cúmplices por ação. O partido nazista teve, no seu ímpeto ascensional, inúmeros apoios, procedentes de todos os quadrantes. Apoiaram-no aristocratas em desespero de causa, banqueiros falidos, intelectuais que não conseguiram fazer carreira, diplomatas de aventura, políticos desanimados de galgar de outro modo as altas posições. É possível que a grande maioria destes comparsas não quisesse os crimes que o nazismo praticou e que, se os tivesse podido prever de antemão, teria recuado com horror. Mas o fato é que suas ambições levaram a todos estes elementos a agir em favor do "nazismo" e uma vez entrados na aventura, não tiveram a coragem de parar. Foram até o fim. Desceram a todas as baixezas e se acumpliciaram com todas as crueldades. De início não eram tão maus. Sua ambição, voltada exclusivamente para a posse dos bens terrenos, é que os levou até esse ponto. Mas "esse ponto" é algo de terrível!

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Ao lado destes, houve os indiferentes. O nazismo agitou pelo ar os mais fundamentais problemas políticos e filosóficos. Tudo quanto o homem pode amar ou detestar em matéria de idéias, foi sucessivamente endeusado e vilipendiado pelo nazismo com uma arte verdadeiramente satânica. Grande massa da população permanecia inerte, entregue aos problemas pequeninos de sua vida individual: seus negócios, sua saúde, suas distrações, suas aventuras românticas talvez. Que lhes importava que as mais altas verdades vencessem ou fossem esmagadas? Que lhes importava que os princípios mais santos fossem calcados aos pés? E, ademais, eram verdadeiras essas verdades? Eram santos esses princípios? Eles não o sabiam. Sabiam apenas que precisavam de comer, beber e dormir à vontade. O resto era secundário.

Um dia veio, em que perceberam que, para comer, precisavam de licença, para beber, precisavam de licença, quando dormiam a polícia espreitava seu sono, e quando se divertiam a Gestapo de mil olhos vigiava suas palavras. Soçobraram. Para que reagir? Não seria qualquer reação uma imprudência? Não sacrificaria essa reação a "vidinha gostosa", supremo ídolo de todos os dias?

E, em holocausto à "vidinha" não se reagiu.

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E houve até a cumplicidade dos bons.

Dos bons sim, isto é, dos que não se degradavam nos prazeres ilícitos, não se associavam às propagandas subversivas, freqüentavam os Sacramentos, trabalhavam pela Fé e desejavam sinceramente o advento de uma civilização cristã.

"Sinceramente" é um advérbio que tem sentido muito diverso de "ardentemente". Pode-se pensar muito sinceramente de um modo, mas com muito pouco entusiasmo, com muito pouca dedicação. Houve muita gente sincera, houve menos gente dedicada.

Em atenção a eles o mundo foi salvo.

E só a dedicação inspira as perspicácias invencíveis, as energias sobre-humanas, os heroísmos levados até o fim. Os prosélitos do mal eram arrojados, ardentes, empreendedores. Nas fileiras dos bons, quanta ingenuidade, quanta imprevidência, quanto desejo de ver as coisas cor-de-rosa, para agir pouco, recuar muito e não lutar nada! Certamente, olhava-se para o Céu, mas com tanta simpatia para os bens da terra!

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E este fenômeno não foi só alemão. O guarda-chuva de Chamberlain era o símbolo internacional da "gente honesta", da "boa vidinha", do partido dos óculos cor-de-rosa. Não nos iludamos. Chamberlain chegou a ser um herói internacional. O único herói de guarda-chuva, que a História registra! Desse guarda-chuva pendiam todas as esperanças, todas as ilusões, todo o comodismo, todo o espírito terreno e natural dos que recuavam diante do nazismo, fora da Alemanha, dignos irmãos espirituais dos que, dentro da Alemanha, haviam operado recuo idêntico.

Em torno da vareta desse guarda-chuva girou o mundo por alguns dias e quando esse guarda-chuva se partiu, partiu-se o eixo da terra.

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Tudo isto quer dizer em última análise que se Hitler conseguiu praticar tantos malefícios deveu-o em larga parte ao fato de que o mundo de nossos dias, exclusivamente voltado para a fruição das vantagens terrenas, não sabe sacrificar essas vantagens em atenção aos valores sobrenaturais. Esse o fundo do mal. Essa a raiz do problema. E, por isto mesmo, o problema só estará resolvido quando o mundo extirpar essa raiz.

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Na Alemanha, fora da Alemanha, houve muitos que reagiram. Pensamos comovidos, nos heróis de todas as nações que, empunharam armas contra o nazismo. Pensamos também nos nossos irmãos na Fé, os inúmeros católicos alemães e não alemães que Hitler atirou ao cárcere e sujeitou às torturas luciferinas dos campos de concentração. Graças a Deus, houve justos em Sodoma, na grande Sodoma, que é o mundo moderno.

Mas não nos esqueçamos dessa grande verdade fundamental: todas as razões mais evidentes nos mostram que Hitler não teria feito o que fez, se não fosse a cooperação dos medíocres, dos tímidos, dos indiferentes... e até dos bons.

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Hitler foi um flagelo de Deus. Parece que esse flagelo se quebra agora, por divina misericórdia. Não nos esqueçamos, porém, que se Deus nos castiga menos, espera todavia nossa emenda. Só ela pode trazer verdadeiramente ao mundo aquela paz que o mundo deseja, que ela não tem nem pode dar, e que está em Nosso Senhor Jesus Cristo, nossa Vida e Ressurreição.

Essa a lição admirável que se desprende dos fatos, analisados à luz da doutrina católica.

Nossa Senhora, aparecendo aos pastorinhos em Fátima, disse o mesmo. O caminho é duro, em matéria de emenda. Fitemos, entretanto, o Imaculado Coração de Maria, e tudo se nos tornará fácil.

Nossa Senhora vencerá. E a vitória dEla será a nossa.