Publicamos hoje a carta que S. Excia. Revma. o Sr. D. Jaime de Barros Câmara, Arcebispo Metropolitano do Rio de Janeiro,
escreveu a D. Carlos Duarte da Costa, Bispo Titular de Maura, bem como o edital com que a Câmara Eclesiástica daquela
cidade deu conhecimento da importante missiva aos fiéis.
São tais os termos de um e outro documento, que
tornam supérfluo qualquer outro comentário sobre o doloroso assunto. Neles, se
disse tudo quanto deveria ser dito, precisamente na linguagem que conviria às
circunstâncias, e não se disse nada do que seria melhor silenciar.
Abstemo-nos, pois, de evocar e analisar os fatos que
forçaram o Exmo. Revmo. Sr. Arcebispo do Rio de
Janeiro a tomar a atitude que tomou. Na sua sabedoria, resolveu o ilustre
Prelado esperar tanto, que quando a medida disciplinar viesse ninguém mais
poderia duvidar de que era justa e indispensável. Fica assim completamente
desautorada qualquer versão tendenciosa de que a penalidade aplicada ao Sr.
Bispo de Maura se inspira em alguma quimérica maquinação do “Clero
estrangeiro”, ultrajado com as atitudes jacobinas do Sr. Dom Carlos Duarte da
Costa.
Às vezes, as pessoas prudentes esperam que as irregularidades cheguem ao excesso para puní-las
de modo que ninguém conteste a legitimidade do castigo. É o que se chama em
Minas “criar razão”. Foi o que fez o Exmo. Revmo. Sr.
Dom Jaime de Barros Câmara, com tanta paciência
quanta sagacidade.
E hoje a razão que “criou” é tanta que seu gesto
dispensa explicações.
* * *
Acolhendo, pois, com filial solidariedade e
respeito à deliberação da Câmara Eclesiástica do Rio de Janeiro, limitamo-nos a externar os sentimentos de desafogo e de
dor que o fato deve causar a todos os católicos. De desafogo porque já não é
possível a tristemente famosa revista "Mensageiro de Nossa Senhora Menina", continuar, sob a autoridade de um Bispo da Santa
Igreja a difusão de toda espécie de erros, de que gotejavam suas páginas. Com
tristeza, porque um Bispo que merece tal censura eclesiástica é como uma coluna
do firmamento que se parte, uma estrela que cai do Céu.
Agora, que a Autoridade Eclesiástica falou, e
dissipou qualquer confusão, nossa atitude deve ser simplesmente de um
consternado e respeitoso silencio.
O assunto morreu. Limitemo-nos a rezar, e rezar
muito.
* * *
Muitos pensarão talvez que se deve fazer o
contrário. Antes da Autoridade Eclesiástica falar, deveríamos ter ficado
calados. Falando ela, também deveríamos falar nós.
Não pensamos assim. Escrevendo aos alemães a famosa
carta "Mit Brennender Sorge", o Santo Padre Pio XI explicou que um dos
motivos que o levaram por tanto tempo a silenciar sobre os erros nefandos do
nazismo foi o desejo de que o espírito público chegasse antes a perceber com
clareza que realmente se impunha uma condenação da Igreja às doutrinas do Sr. Hitler. Em outros termos, a Igreja só poderia exercer seu
magistério neste caso concreto, quando o espírito público estivesse preparado
para receber bem seu ensinamento.
Pio XI percebeu, sem dúvida,
que a propaganda nazista, a mais bem organizada do mundo, arrancava as almas,
às centenas e aos milhares, do aprisco da Igreja. A despeito disto, resolveu
calar-se. Podemos imaginar com quanta amargura! Nesses anos dolorosos em que
para o próprio bem comum espiritual dos fiéis alemães o Pontífice da Ação
Católica via silencioso despedaçar-se assim a família cristã na Alemanha, qual era sua grande esperança, sua grande consolação?
Que os fiéis não seguissem nem imitassem seu
silêncio, mas que pelo contrário, por uma propaganda ativa, intensa, omnímoda,
mostrassem ao povo que o nazismo era fundamentalmente anti-cristão. Criando na
massa da nação alemã essa convicção, os católicos nazistas [alemães] preparavam
e antecipavam o dia feliz em que o pontífice poderia falar. Eles adiantavam a
maturação dos espíritos, "aplainavam os caminhos e tornavam retas as
veredas" espirituais para que o ambiente se dispusesse quanto antes, a
ouvir favoravelmente as palavras do Papa. Não vemos obra mais digna da Ação
Católica.
Que diria o Sumo Pontífice Pio XI se, em lugar de
agir assim, os católicos alemães tivessem cruzado os braços dizendo: esperemos
que fale o Papa, só então falaremos nós!
É errada, portanto, a tese de que os fiéis só podem
condenar um erro depois que o tenha condenado a Autoridade Eclesiástica. Ou que
a Autoridade Eclesiástica só deseja que os fiéis combatam um erro, quando ela
mesma sai a público para o combater. Esta é uma genuína tese de simplórios.
* * *
Em princípio, pois, o fato de que a Autoridade
Eclesiástica não havia tomado posição neste caso, não significa de modo nenhum
que não o devesse fazer o LEGIONÁRIO.
Estranhamos, pois, que certos leitores estranhassem
que o tivéssemos feito, não por nós mesmos, com nossa pena de leigos, mas pela
pena ágil, viva e autorizada de um Sacerdote: o Revmo. Sr. Pe. Ascanio Brandão.
* * *
Mas, dir-se-á, entre o caso do nazismo e do Sr. Bispo de Maura, a
diferença é considerável. Hitler era um simples
leigo. Seus sequazes também. Pelo contrário, o Sr. Bispo de Maura recebeu na
sagração episcopal a plenitude do Sacerdócio. Está, pois, acima da apreciação
dos simples fiéis.
Negamos a tese e o suposto. O suposto, porque não
foi um simples fiel, mas um Sacerdote, que tomou sobre si a iniciativa de
elucidar sobre as atitudes do Sr. Bispo de Maura os leitores do LEGIONÁRIO. A
tese, porque não é verdade que o fiel não deva jamais, em caso algum, de modo
algum, dizer ou escrever que a atitude de um Bispo está contra a da Igreja
Católica. Expliquemo-nos.
* * *
Há na Santa Igreja duas categorias bem nitidamente
definidas, a da Igreja docente, a da Igreja discente. Nesta, ficam os fiéis. A
posição normal do fiel, como discípulo que é, consiste em aceitar com toda a
mais filial e confiante docilidade o magistério de seu Bispo. Nada mais
ridículo, nada mais detestável, do que a pretensão dos alunos que sem ciência,
nem poderes, nem motivos, levam a desconfiar do magistério do professor,
levantando-lhe a todo passo obstáculos tão fátuos quanto impertinentes.
"O Espírito Santo colocou os Bispos na direção
da Igreja de Deus". São eles "os Mestres, os Guias, os
Pastores", na frase de Dante. Tudo quanto contra ele se faz é feito contra o próprio
Deus. A este respeito o cerimonial de sagração dos Bispos é muito claro.
* * *
Há, entretanto, uma verdade essencial, que não deve
ser esquecida. Faz parte da doutrina católica que o Papa tem sobre todos os
fiéis um magistério que não é meramente indireto e exercido só através dos
Bispos, mas obriga diretamente a consciência de cada fiel. Sempre que o Papa
fale, o fiel é obrigado a aquiescer, ainda que seu Bispo silencie. Mais: ainda
que seu Bispo diga o contrário, precisamente o contrário, inteiramente o
contrário. Quem estivesse com o Papa contra todos os Bispos - que jamais
sucederá - estaria com Cristo. Porque o fundamento da Igreja é o sucessor de
Pedro.
Assim, portanto, quando um Bispo diz claramente o
contrário do que diz o Papa, de modo tal que o fiel não pode ter dúvida de que
não entendeu bem o Papa ou o Bispo, ele tem o direito de recusar o ensinamento
do Bispo para ficar com o Papa. E fará uma obra de apostolado, evitando que
outros se deixem transviar pelo ensinamento errado do Bispo.
Note-se bem que qualquer leviandade do fiel nesta
matéria é abominável: ele não deve ser um fiscal do Bispo, não deve viver em
atitude de vigilância, porque é mero aluno, filho, súdito. Mas quando o erro do
Bispo salta aos olhos, ele pode defender-se contra o erro do Bispo. E deve
fazê-lo para permanecer fiel ao Papa.
Foi o que fez o Revmo. Sr. Pe. Ascanio
Brandão, que só saiu a público quando o Sr. Dom Carlos Duarte da Costa atacou
diretamente em expressos termos o Santo Padre.
Foi o que fez o LEGIONÁRIO, dando a afetuosa guarida
de sempre, aos dizeres do seu ilustre colaborador, sobre o Sr. Bispo de Maura.