Legionário, N.º 623, 16 de julho de 1944

7 DIAS EM REVISTA

Publicamos hoje a carta que S. Excia. Revma. o Sr. D. Jaime de Barros Câmara, Arcebispo Metropolitano do Rio de Janeiro, escreveu a D. Carlos Duarte da Costa, Bispo Titular de Maura, bem como o edital com que a Câmara Eclesiástica daquela cidade deu conhecimento da importante missiva aos fiéis.

São tais os termos de um e outro documento, que tornam supérfluo qualquer outro comentário sobre o doloroso assunto. Neles, se disse tudo quanto deveria ser dito, precisamente na linguagem que conviria às circunstâncias, e não se disse nada do que seria melhor silenciar.

Abstemo-nos, pois, de evocar e analisar os fatos que forçaram o Exmo. Revmo. Sr. Arcebispo do Rio de Janeiro a tomar a atitude que tomou. Na sua sabedoria, resolveu o ilustre Prelado esperar tanto, que quando a medida disciplinar viesse ninguém mais poderia duvidar de que era justa e indispensável. Fica assim completamente desautorada qualquer versão tendenciosa de que a penalidade aplicada ao Sr. Bispo de Maura se inspira em alguma quimérica maquinação do “Clero estrangeiro”, ultrajado com as atitudes jacobinas do Sr. Dom Carlos Duarte da Costa.

Às vezes, as pessoas prudentes esperam que as irregularidades cheguem ao excesso para puní-las de modo que ninguém conteste a legitimidade do castigo. É o que se chama em Minas “criar razão”. Foi o que fez o Exmo. Revmo. Sr. Dom Jaime de Barros Câmara, com tanta paciência quanta sagacidade.

E hoje a razão que “criou” é tanta que seu gesto dispensa explicações.

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Acolhendo, pois, com filial solidariedade e respeito à deliberação da Câmara Eclesiástica do Rio de Janeiro, limitamo-nos a externar os sentimentos de desafogo e de dor que o fato deve causar a todos os católicos. De desafogo porque já não é possível a tristemente famosa revista "Mensageiro de Nossa Senhora Menina", continuar, sob a autoridade de um Bispo da Santa Igreja a difusão de toda espécie de erros, de que gotejavam suas páginas. Com tristeza, porque um Bispo que merece tal censura eclesiástica é como uma coluna do firmamento que se parte, uma estrela que cai do Céu.

Agora, que a Autoridade Eclesiástica falou, e dissipou qualquer confusão, nossa atitude deve ser simplesmente de um consternado e respeitoso silencio.

O assunto morreu. Limitemo-nos a rezar, e rezar muito.

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Muitos pensarão talvez que se deve fazer o contrário. Antes da Autoridade Eclesiástica falar, deveríamos ter ficado calados. Falando ela, também deveríamos falar nós.

Não pensamos assim. Escrevendo aos alemães a famosa carta "Mit Brennender Sorge", o Santo Padre Pio XI explicou que um dos motivos que o levaram por tanto tempo a silenciar sobre os erros nefandos do nazismo foi o desejo de que o espírito público chegasse antes a perceber com clareza que realmente se impunha uma condenação da Igreja às doutrinas do Sr. Hitler. Em outros termos, a Igreja só poderia exercer seu magistério neste caso concreto, quando o espírito público estivesse preparado para receber bem seu ensinamento.

Pio XI percebeu, sem dúvida, que a propaganda nazista, a mais bem organizada do mundo, arrancava as almas, às centenas e aos milhares, do aprisco da Igreja. A despeito disto, resolveu calar-se. Podemos imaginar com quanta amargura! Nesses anos dolorosos em que para o próprio bem comum espiritual dos fiéis alemães o Pontífice da Ação Católica via silencioso despedaçar-se assim a família cristã na Alemanha, qual era sua grande esperança, sua grande consolação?

Que os fiéis não seguissem nem imitassem seu silêncio, mas que pelo contrário, por uma propaganda ativa, intensa, omnímoda, mostrassem ao povo que o nazismo era fundamentalmente anti-cristão. Criando na massa da nação alemã essa convicção, os católicos nazistas [alemães] preparavam e antecipavam o dia feliz em que o pontífice poderia falar. Eles adiantavam a maturação dos espíritos, "aplainavam os caminhos e tornavam retas as veredas" espirituais para que o ambiente se dispusesse quanto antes, a ouvir favoravelmente as palavras do Papa. Não vemos obra mais digna da Ação Católica.

Que diria o Sumo Pontífice Pio XI se, em lugar de agir assim, os católicos alemães tivessem cruzado os braços dizendo: esperemos que fale o Papa, só então falaremos nós!

É errada, portanto, a tese de que os fiéis só podem condenar um erro depois que o tenha condenado a Autoridade Eclesiástica. Ou que a Autoridade Eclesiástica só deseja que os fiéis combatam um erro, quando ela mesma sai a público para o combater. Esta é uma genuína tese de simplórios.

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Em princípio, pois, o fato de que a Autoridade Eclesiástica não havia tomado posição neste caso, não significa de modo nenhum que não o devesse fazer o LEGIONÁRIO.

Estranhamos, pois, que certos leitores estranhassem que o tivéssemos feito, não por nós mesmos, com nossa pena de leigos, mas pela pena ágil, viva e autorizada de um Sacerdote: o Revmo. Sr. Pe. Ascanio Brandão.

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Mas, dir-se-á, entre  o caso do nazismo e do Sr. Bispo de Maura, a diferença é considerável. Hitler era um simples leigo. Seus sequazes também. Pelo contrário, o Sr. Bispo de Maura recebeu na sagração episcopal a plenitude do Sacerdócio. Está, pois, acima da apreciação dos simples fiéis.

Negamos a tese e o suposto. O suposto, porque não foi um simples fiel, mas um Sacerdote, que tomou sobre si a iniciativa de elucidar sobre as atitudes do Sr. Bispo de Maura os leitores do LEGIONÁRIO. A tese, porque não é verdade que o fiel não deva jamais, em caso algum, de modo algum, dizer ou escrever que a atitude de um Bispo está contra a da Igreja Católica. Expliquemo-nos.

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Há na Santa Igreja duas categorias bem nitidamente definidas, a da Igreja docente, a da Igreja discente. Nesta, ficam os fiéis. A posição normal do fiel, como discípulo que é, consiste em aceitar com toda a mais filial e confiante docilidade o magistério de seu Bispo. Nada mais ridículo, nada mais detestável, do que a pretensão dos alunos que sem ciência, nem poderes, nem motivos, levam a desconfiar do magistério do professor, levantando-lhe a todo passo obstáculos tão fátuos quanto impertinentes.

"O Espírito Santo colocou os Bispos na direção da Igreja de Deus". São eles "os Mestres, os Guias, os Pastores", na frase de Dante. Tudo quanto contra ele se faz é feito contra o próprio Deus. A este respeito o cerimonial de sagração dos Bispos é muito claro.

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Há, entretanto, uma verdade essencial, que não deve ser esquecida. Faz parte da doutrina católica que o Papa tem sobre todos os fiéis um magistério que não é meramente indireto e exercido só através dos Bispos, mas obriga diretamente a consciência de cada fiel. Sempre que o Papa fale, o fiel é obrigado a aquiescer, ainda que seu Bispo silencie. Mais: ainda que seu Bispo diga o contrário, precisamente o contrário, inteiramente o contrário. Quem estivesse com o Papa contra todos os Bispos - que jamais sucederá - estaria com Cristo. Porque o fundamento da Igreja é o sucessor de Pedro.

Assim, portanto, quando um Bispo diz claramente o contrário do que diz o Papa, de modo tal que o fiel não pode ter dúvida de que não entendeu bem o Papa ou o Bispo, ele tem o direito de recusar o ensinamento do Bispo para ficar com o Papa. E fará uma obra de apostolado, evitando que outros se deixem transviar pelo ensinamento errado do Bispo.

Note-se bem que qualquer leviandade do fiel nesta matéria é abominável: ele não deve ser um fiscal do Bispo, não deve viver em atitude de vigilância, porque é mero aluno, filho, súdito. Mas quando o erro do Bispo salta aos olhos, ele pode defender-se contra o erro do Bispo. E deve fazê-lo para permanecer fiel ao Papa.

Foi o que fez o Revmo. Sr. Pe. Ascanio Brandão, que só saiu a público quando o Sr. Dom Carlos Duarte da Costa atacou diretamente em expressos termos o Santo Padre.

Foi o que fez o LEGIONÁRIO, dando a afetuosa guarida de sempre, aos dizeres do seu ilustre colaborador, sobre o Sr. Bispo de Maura.