Legionário, N.º 607, 26 de março de 1944

7 DIAS EM REVISTA

À medida que se desenrolam na Itália as operações militares, vai criando vulto o perigo em que se encontra a Capital da Cristandade, residência do Vigário de Nosso Senhor Jesus Cristo. E, ao mesmo tempo, a consciência católica, justamente alarmada, não pode deixar de manifestar toda a sua inquietação, ao antever as conseqüências catastróficas que o sítio de Roma, cada vez mais iminente, pode acarretar.

Em uma de suas últimas alocuções o Santo Padre lembrou muito bem que, por motivos religiosos e culturais, houve meios de poupar Cairo e Atenas, metrópoles muçulmana uma e cismática outra, uma e outra famosas pelo valor dos monumentos culturais que contêm, e pelo papel que representaram em toda a História da humanidade. O que se conseguiu para o Cairo, para Atenas, "a fortiori" se deveria conseguir para Roma que, do ponto de vista essencial, que é o religioso, excede infinitamente a qualquer daquelas cidades, ou antes é a única que vale, porque só ela é sede do Vigário de Jesus Cristo, e do ponto de vista artístico e cultural não tem outra que se lhe avantaje na terra.

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Causa pasmo a atitude que as potências neutras vêm mantendo neste assunto. Por que não tomam a iniciativa de se reunirem em conferência internacional, a fim de estudar um alvitre prático, a ser proposto a ambos os beligerantes? Sua primeira obrigação consistiria em protestar perante Deus e os homens contra a injusta e criminosa ocupação de Roma pelas tropas nazistas. Baldo este protesto que dignificaria a própria humanidade, nesta hora de trevas e de confusão, e verificada perante o mundo inteiro a ignominiosa recusa germânica de se exclausurar dos tesouros onde covardemente se refugiaram os soldados do Reich, seria preciso iniciar "pourparlers" [conversações] para obter uma solução qualquer que poupasse Roma. Em artigo anterior, sugerimos a idéia de se converter a Cidade Eterna em território neutro, sob a administração do Soberano Pontífice no que dissesse respeito à vida civil, e sob a salvaguarda de tropas internacionais, suíças de preferência. Os embaixadores das potências beligerantes e neutras, acreditados junto ao Vaticano e residentes em Roma, poderiam certificar a plena execução das cláusulas da convenção que neste sentido se fizesse. Cogitou-se disto nos países neutros? Sim? E por que não vingou o alvitre? Não? E por que não? Qual a inviabilidade, a priori, desse plano? E que meios haveria de substituir esse plano por outro? A opinião católica deveria estar inteirada do que fazem nessa hora os neutros, e gostaria de saber se, pelo menos, fazem ou pensam em fazer qualquer coisa. Mas todos parecem dormir o sono pesado dos Apóstolos no Horto das Oliveiras. Alguns deles - Franco, por exemplo, para não citar outros - ainda há pouco procuravam enfeitar-se com os louros de cruzados. Cruzados apenas "intra muros"? Pouco se lhes dá da segurança do Vigário de Jesus Cristo? Sempre consideramos suspeita e equívoca a "neutralidade" do general Franco, de fato, um germanófilo evidente. Pelo menos agora, de tão inglória neutralidade poderia ele tirar um fruto glorioso: seria a mediação espanhola em favor do Papado. Conhecemos a nação espanhola, sua Fé, sua dedicação, o calor com que sempre acorreu em defesa da Igreja. Se a Espanha não se move, a culpa não é, não pode ser do povo espanhol. E a Suíça, onde há tantos católicos? E Portugal, a nação fidelíssima? E a Suécia? Por que não se movem?

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Ademais, não é apenas a eminência do sítio de Roma que nos preocupa. Ocupada a cidade pelos aliados, a situação do Sumo Pontífice seria de toda a segurança, uma vez que certamente seria tratado com o maior respeito. Mas, durante as últimas horas da ocupação germânica, por entre os horrores de um cerco que talvez seja prolongado, quantos crimes horríveis pode tentar algum aventureiro, ou algum nazista sob o vil disfarce de aventureiro! Não nos iludamos, pois. A situação do Soberano Pontífice seria das mais trágicas, com sua cidade episcopal bombardeada por de fora, e com toda a vida civil abandonada à maior desordem. A essa altura, o quadro já se torna por demais negro, e preferimos não prosseguir.

Entretanto, deve haver, por força, alguma solução possível. As palavras sumamente fidedignas do Santo Padre o dizem de modo bastante claro. O empenho com que, dos Estados Unidos, do Canadá, do Brasil, da Irlanda, de outros lugares ainda, partem brados de alarme pela situação de Roma, prova bem que algo se pode fazer, se deve fazer, há de ser feito por força, já que o Santo Padre é, depois do Santíssimo Sacramento, o que de mais sagrado há sobre a terra, e nós não podemos conformar com a idéia de que algo lhe possa suceder.

É preciso orar, orar em união com a oração oficial da Santa Igreja, nas preces litúrgicas, orar ininterruptamente em particular, manter longos colóquios de ardente súplica aos pés de Nosso Senhor Sacramentado, recorrer com fervor a invencível arma do Santo Rosário, é preciso que nossa oração chegue ao trono de Deus, juntamente com nossas mortificações, é preciso que uma imensa cruzada de orações de Norte a Sul do País sacuda o Brasil católico, para que como um só homem ele peça e acabe por obter de Deus, Nosso Senhor, a graça da incolumidade do Soberano Pontífice.

Mas, advertiu Dante Alighieri querer rezar e ser atendido sem recorrer à intercessão de Nossa Senhora é voar sem asas. Não podemos esperar qualquer graça sem que Nossa Senhora rogue por nós. Só Ela pode tudo. Sem Ela, o Céu inteiro nada conseguiria.

Temos a dois passos de nós o Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida. Agora, mais do que nunca, é para Aparecida que se devem voltar os olhos de todos os brasileiros, e nós paulistas, que temos a fortuna de ter junto de nós a Rainha do Céu, devemos ir em peregrinação aos pés de seu Trono, para lhe pedir pelo Santo Padre. É este o grande dever do momento.