Legionário, N.o 594, 25 de dezembro de 1943

7 DIAS EM REVISTA

Não pode passar sem um comentário a extensa reportagem publicada pela “Folha da Manhã” do dia 18 p.p., acerca da Penitenciária do Estado sob a administração do Sr. Flamínio Fávero.

Até aqui, nossa penitenciária era considerada um estabelecimento modelar, habitualmente mostrado a todos os visitantes ilustres de passagem pela capital. O consenso geral apontava no Dr. Acácio Nogueira e em seus esforçados auxiliares de administração os autores desta esplêndida situação. E, quando o Sr. Acácio Nogueira faleceu no exercício das funções de secretário da Segurança Pública, as unânimes homenagens prestadas à sua memória deram azo a que se rememorasse por todas as formas o serviço que prestou ao sistema penitenciário do Estado.

Mas a reportagem da “Folha” nos desiludiu sobre a grande obra do falecido secretário. Aprendemos que havia muito que corrigir e melhorar. Vejamos no que.

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Segundo o repórter, o sistema até aqui em uso na penitenciária foi “relegado ao passado” como “remanescente do tempo do Brasil Colônia”, e o Sr. Flamínio Fávero inaugurou “um novo sistema em que a ciência entra como fator decisivo. O delinqüente não é tratado como animal selvagem mas como um homem que circunstâncias incontroláveis arrojaram à senda do crime, e que precisa ser tratado e não judiado”.

Neste longo e estropiado período da reportagem, a filosofia, a justiça e a gramática foram certamente muito “judiadas” e merecem ser “tratadas”.

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Primeiramente a filosofia. Se todos os criminosos são irresponsáveis pelo que fizeram, qualquer pessoa atormentada pelo desejo de cometer uma ação nociva suportará inúteis sacrifícios, lutando contra si mesma para evitar o crime. Pelo que ninguém mais evitará o crime que deseja cometer. Esta filosofia é muito mais própria a encher as prisões do que resolver o problema penitenciário.

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Quanto à justiça, é bom nem falar que coleção de homens retrógrados e míopes temos tido até aqui! Mostraram a todos os estrangeiros ilustres, como se fosse modelo uma penitenciária troglodita. O Sr. Acácio Nogueira, um carcereiro da era colonial. O povo que reverenciava este carcereiro, provavelmente uma corja de analfabetos. Foi preciso que sobre São Paulo raiasse o talento solar do repórter da “Folha” para iluminar as cenas de uma ternura pastoral que ora se desenrolam na penitenciária, subjugada pela doçura do novo Orfeu, que é o Sr. Flamínio Fávero.

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Quanto à gramática para dizer tudo em poucas linhas basta lembrar o tristíssimo barbarismo do adjetivo “incontrolável”. E passemos a outro assunto.

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Recentemente, uma pequena revista protestante publicou um artigo em que dizia que a Penitenciária vivera até hoje sob o regime da opressão de consciências, e que só agora o prof. Flamínio Fávero ali introduzira a “liberdade de cultos”. O Rev.mo Pe. Alencar, distinto sacerdote salesiano, capelão da penitenciária, escreveu àquela revista, contestando fortemente que a imensa maioria dos sentenciados, que recebe a assistência espiritual católica, jamais houvesse sofrido qualquer coação para pedir os socorros espirituais da Santa Igreja. De passagem, S. Rev.ma lembrou que, caso os protestantes sofressem qualquer impedimento nas administrações anteriores para freqüentar seu culto, bem curioso era que até aqui nenhum “pastor” protestante houvesse levantado sua voz contra tal abuso.

E a revistinha, em número ulterior, reconheceu que de fato sua informação fora falsa.

O repórter da “Folha”, mais susceptível que os próprios protestantes, ressuscitou uma balela que os mesmos elementos das seitas já se viram na contingência de desmentir.

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Mas, disse a “Folha”, os prisioneiros precisam mais de ser tratados do que judiados. Não pensamos que tal se dê na administração Flamínio Fávero.

As devastações espíritas, nas camadas mais incultas da população principalmente, são imensas. O repórter da “Folha” considera todos os sentenciados como tarados. A estes tarados, se ministra “assistência” espirita! E isto é “tratar”...

A cena de vários detentos, com seus trajes característicos, sentados em volta de alguma mesinha, a invocar espíritos em uma sala munida de grades, na luz mortiça das salas de macumba e espiritismo, é coisa para grand-guignol ou para opereta. De qualquer forma, não há pior “judiação” do que permitir que assim se estraguem os nervos, a saúde, a formação moral dos sentenciados.

Mas para o repórter da “Folha” isto não é judiar: é tratar!

Depois disto, para que continuar na análise da reportagem? Fiquemos por aqui.