Legionário, N.º 592, 12 de dezembro de 1943

7 DIAS EM REVISTA

Um órgão da imprensa desta capital noticiou, com o sensacionalismo escandaloso de costume, que havia sido "expulso" da expedição Roncador-Xingú um Sacerdote Salesiano, o Revmo. Sr. Pe. Hipolito Chauvelon, que dela fazia parte.

Trata-se de um Religioso distintíssimo, que há anos, renunciando abnegadamente a todas as vantagens intelectuais e espirituais da vida em Paris, onde exercia seu sagrado ministério, se transferiu para o fundo de nosso sertão, à busca de almas para salvar. Abandonou tudo para a salvação de nossos índios, realizando ao pé da letra as palavras de São Francisco de Sales, padroeiro da gloriosa milícia fundada por São João Bosco: "dai-me almas, Senhor, e tira-me todo o resto".

Não possuímos ainda os elementos necessários para desfazer junto à opinião pública qualquer equívoco. Mas desde já temos uma consideração a fazer sobre o assunto.

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Essa consideração versa sobre o escândalo, promovido pelo mesmo jornal que agora apontou à indignação pública o Revmo. Sr. Pe. Hipolito Chauvelon, relativo a Religiosos Franciscanos de nacionalidade alemã, que teriam colaborado para denunciar, de seu Convento de Cairú, na Bahia, aos submarinos teutônicos, a localização de navios brasileiros que deveriam atingir. Todos se lembram do caso. Os religiosos, presos e conduzidos às autoridades civis, tiveram sua reputação estraçalhada por certos jornais que, sem respeitar o caráter sagrado do sacerdócio, nem mesmo os direitos elementares que a qualquer pessoa se concedem, enxovalharam aqueles filhos de São Francisco, antes do pronunciamento da justiça.

Evidentemente, todos os leitores de tal imprensa se inteiraram das acusações feitas contra os 3 padres. O processo, entretanto, seguiu seu curso normal. Os religiosos foram absolvidos pelo Tribunal de Segurança Nacional. E a mesma imprensa pouco mais que nada disse sobre a absolvição.

Como se vê, trata-se de ignóbil campanha contra o clero estrangeiro feita sob um disfarce de nacionalismo. Porque, se não fosse anti-clerical o objetivo da campanha, o nacionalismo de certa imprensa, tranqüilizada pela absolvição dos réus, lhes teria feito um desagravo à altura da injustiça que sofreram com as suspeitas tão escandalosamente divulgadas contra eles.

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 Realizou-se a conferência tríplice de Teerã, e as agências telegráficas nos transmitiram pormenorizados relatos de tudo quanto se passou ali. E julgamos oportuno acentuar, para informação de nossos leitores, que dos três chefes de Estado presentes à conferência, nenhum desenvolveu mais aparato do que o "camarada" Stalin.

Churchill pertence a uma aristocrática família da Inglaterra. É neto do Duque de Malborough, e passou toda a sua vida na intimidade dos mais altos círculos sociais ingleses. Basta folhear por alto suas memórias - aliás interessantíssimas - para ver e sentir que ele é um genuíno aristocrata. Por isso, com a despreocupação e a despretensão de quem sabe quem é, e não precisa de "farol" para se mostrar, Churchill primou pela distinção e simplicidade. Francisco Delano Roosevelt evidentemente não é  um aristocrata. Mas tomou chá em pequeno, e já há muitas gerações que se toma chá em sua família. Proporcionalmente aos hábitos vistosos de seus conterrâneos, também foi muito lhano. Chegou mesmo a aceitar hospitalidade na legação soviética, o que é positivamente ir muito longe em matéria de lhaneza, dado que haveria em Teerã outros edifícios aptos a receber o presidente da maior república do mundo.

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A coerência nos daria o direito de esperar que Stalin primasse pela simplicidade. Deveria descer como um pequeno caixeiro qualquer, no aeródromo de Teerã, vestido como um operário russo qualquer, recusar honras oficiais, e ir para a embaixada de seu país com a simplicidade e a naturalidade de um mujik que chega a Vladisvostock e Nijni-Novgorod e demanda obscura e tranqüilamente o hotel em que se vai hospedar. Tudo  mais seria burguezismo, ranço, protocolo vazio. Ao menos dentro da lógica comunista.

Muito pelo contrário, Stalin, embora sisudo nos momentos de trabalho, tomava parte em "banquetes noturnos" - as expressões entre aspas são dos telegramas - onde se sentia, não contrafeito como um bolchevista enjoado com os festins burgueses, mas se destacava por sua "vivacidade e alegria". A primeira reunião, "trajava um magnífico abrigo de pele de camelo cinzento, que lhe chegava quase até os tornozelos". O salão em que recebeu seus visitantes na embaixada soviética "de vinte e cinco por quinze metros, estava iluminado por clarabóias e adornada com frisos de marfim. No centro, havia uma mesa de carvalho redonda, e dezesseis cadeiras". Em suma, largo conforto, distinção, bom gosto, uma boa ponta de luxo...

Pela encenação de sua chegada, já se podia prever o aparato de que se iria cercar. Desce o avião e "após haver passado em revista a guarda de honra, entrou no seu automóvel que o esperava e que, seguido por uma fila de carros", dirigiu-se para a vila dos jardins da embaixada, em que se hospedou.

Stalin "sent son gentilhome". Logo que chegou "pediu que em seu nome fossem apresentados seus respeitos ao Xá". "Apresentados seus respeitos": a fórmula é "exquise". Cheira a Versalhes, a Tsarkoie-Selo. Mas Tsarkoie-Selo cheira a sangue, e Stalin prefere não se lembrar disso. Não aprofundemos demais as coisas...

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O Sr. Winston Churchill, da ilustre casa dos Malborough, pelo contrário, chegou como costuma chegar por toda parte, como chegou o próprio Sr. Roosevelt e, "acompanhado de modesta escolta de motociclistas dirigiu-se à Legação de seu país".

Falamos no sangue de Tsarkoie-Selo. Bom comunista, o camarada Stalin deveria pensar com indiferença neste tema. Mas hoje seu coração se tornou sensível. Quando o Sr. Winston Churchill lhe apresentou num belo cerimonial de tipo tradicional ao qual Stalin não se furtou, a espada de honra que o rei Jorge VI mandava a Stalingrado, que fez Stalin? Preparem-se os corações românticos para uma deliciosa comoção: beijou a espada! Não é belo, este terno beijo de quem se assenta hoje na cátedra de Stalin?

E, positivamente, os trajes de Stalin parecem ter impressionado a imprensa por sua espetaculosidade. Assim, em outra conferência, apresentou-se em um "amplo abrigo azul com gorro de mesma cor". Os jornais não disseram se o abrigo era "magnífico" como o traje de lã de camelo. Provavelmente. E o gorro também.

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Continua acesa, na Inglaterra, a luta entre os católicos e as autoridades empenhadas em fazer uma lei de ensino que representa a espoliação dos católicos de todas as escolas que possuem. A lei é manhosa. Os católicos conservam a propriedade dos prédios, mas não a dos estabelecimentos que funcionam nos prédios. Assim, em reunião realizada na semana passada por uma entidade britânica, lord Russel of Kilowen declarou que a Igreja não interessava tanto ter os prédios quanto a liberdade de ter professores de confiança da Igreja para seus filhos. Vamos ver no que dará a luta.

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Entretanto, fixemos uma nota de todo este problema. Como se vê, também nas democracias a Igreja tem lutas sérias a enfrentar. E isso não é novidade.

Tomando decididamente partido pela vitória destas contra o bloco totalitário, o “Legionário” entretanto não se enganou. Na Inglaterra, é possível berrar, discutir, protestar, e por fim obrigar os adversários ao recuo. Na Alemanha nazista, pelo contrário, lord Russel de Kilowen já estaria de há muito tempo em algum campo de concentração, sua associação dissolvida, etc. E o governo imprimiria jornais "católicos" com artigos "assinados" por escritores católicos, dizendo que corria tudo no melhor dos mundos.

O simples direito de protestar já vale muito. É com ele que se ganham as grandes batalhas. E que vencerão, volente Deo, nossos irmãos ingleses católicos.