O “Legionário” considera um dever essencial
desenvolver constante vigilância no sentido de advertir os católicos contra as
insídias tão numerosas, dos adversários contemporâneos da Santa Igreja. Mais de uma vez, temos dito que a injúria soez, a
impiedade deslavada, a blasfêmia repugnante e desmascarada saíram inteiramente
da moda nos arraiais anticatólicos. A tática de hoje não é mais a do punho
cerrado do revolucionário de outrora. A perfídia melíflua, a insinuação florida
mas iníqua, o manejo mentiroso e cínico, eis as grandes armas da impiedade
contemporânea. Estão, pois, atrasados de vinte anos pelo menos, em seus métodos
de observação e em sua estratégia apostólica os que ainda se obstinam em
julgar das idéias, dos fatos e dos homens apenas segundo suas palavras claras e
insofismáveis. Era isto muito bom para os tempos em que, [...] por exemplo, o
Visconde do Rio Branco prendia Dom Vital, a Alemanha de Bismarck preparava a Kulturkampf, Cavur, Mazzini e Garibaldi faziam ferver
contra a Santa Sé o anti-clericalismo carbonário, e a
III República, organizada e dirigida por anti-clericais,
dominava a França. Mas em nossos tempos, tudo isto já não existe. Para
confirmar nossa tese, passamos a dar a nossos leitores um punhado de exemplos
dos mais recentes e modernos.
* * *
É impossível não começar pelo artigo do deão de Canterbury sob o titulo
"Com quem está o Papa"? Em outros tempos, um autor animado de ódio
tão truculento contra a Igreja teria feito consistir sua diatribe por alguma
evocação aos manes das vítimas da inquisição para, em seguida, reeditar a
mentira da Papisa Joana, e, por fim, afirmar em linguagem chamejante que o
"velho polvo romano", inimigo irredutível "das luzes",
"do progresso", da “liberdade humana", tentava mais uma vez, mas
inutilmente - oh! sem dúvida! – “Embargar a marcha
triunfal do carro da civilização", que prosseguirá seu caminho "sobre
os escombros definitivamente pulverizados, do fanatismo da ignorância e da
superstição". Era este o gosto anti-clerical do
século XIX e das primeiras décadas do século XX. Neste último, já fervia a
campanha comunista. As tiradas sonoras do século XIX, os escritores anticatólicos de avant-guerre teriam, pois, adicionado algumas afirmações
picantes sobre "as fortunas imensas do Vaticano", destinadas, segundo
todas as aparências, a "alimentar as adegas famosas dos Cardeais da Cúria
Romana", enquanto, bem entendido, o "pobre povo" morria de fome.
* * *
Mas isto tudo é velharia em matéria de proselitismo
da impiedade. O último figurino do anti-clericalismo
moderno está, a meu ver, no artigo publicado sob o título "Com quem está o
Papa?".
Comentaremos em outra secção
este artigo. Nos "7 dias em revista", queremos somente assinalar a
multidão de elogios sob os quais se ocultam as afirmações serpentinas do
conhecido "clérigo" anglicano. A Igreja, diz ele, é imortal, tem um
prestígio maior do que nunca, traz suspensa a atenção do mundo inteiro. O
estudo de sua conduta é "fascinante". O Vaticano tem uma diplomacia
que o próprio Goebbels considera
inigualável. Os dirigentes da Wilhemstrasse, afirma o
deão, se sentiram como meninos diante dela. Ninguém trabalhou mais do que a
Santa Sé, nestes últimos dez anos de vida diplomática e
internacional. E assim os elogios se sucedem. Indiscutivelmente, a mais curiosa
das afirmações do deão está na imortalidade da Igreja. Ele fala como um
católico escudado na promessa divina da indefectibilidade do Catolicismo.
Entretanto, é só analisar algumas das afirmações do famoso deão, e sua piedade
salta de dentro das flores de sua literatura como cobras habilmente ocultas em
um "bouquet".
O Papa é um hipócrita, um calculista, um cínico. Aliás, não se deve dizer isto
só deste Papa: há 20 séculos, a Sede de São Pedro vem sendo um ninho de
virtuosos intrigantes. O mundo inteiro tem sido ludibriado pelos espertalhões
do Vaticano. Mas... sente-se que o deão respira de alívio, cria vida nova e até
já começa a ranger os dentes quando
escreve isto... o comunismo poderá bem derrotar a Igreja. É com um tom
de voz rejuvenescida por essa esperança que o prócer "cristão" (!)
encerra seu artigo.
* * *
Como se vê, muita habilidade. Mas uma habilidade
até certo ponto inábil. Com efeito, por pouco que se tenha cabeça, percebe-se
facilmente onde quer chegar o deão.
E o mesmo se diga de uma crítica publicada em
apêndice do novo livro deste deão – O Cristianismo e a nova ordem social na
Rússia – apêndice este em que, segundo os anúncios da editora, o “respeitado e renomado líder católico e filósofo Henry
George” faz uma “convincente, justa, lógica, desassombrada
e impressionante crítica à famosa encíclica Rerum Novarum”. Não conhecemos
tal “crítica”. Os adjetivos “desassombrada” e “impressionante” deixam
transparecer que se trata de uma apreciação hostil. E ainda há audácia para
dizer que esse “crítico” de um documento pontifício é “leader católico”.
* * *
É isto bem típico de nossa época. Quer alguém
atacar o Papa? Se é protestante indiscutível, como o deão, escreve um artigo
agridoce. Se não é de uma hereticidade tão
indiscutível quanto um pastor protestante, assume o título gratuito e fácil de
"leader"
católico. Assim, o Sr. Henry George é um "leader
católico"!
"Leader", sim, talvez. Mas de socialistas. Seus
trabalhos são conhecidíssimos como obra de
insofismável socialismo. E a Encíclica "Quadragesimo Anno" já declarou que socialismo e Catolicismo são coisas
incompatíveis. A obra do Sr. Henry George é tão católica quanto a do deão de Canterbury. Nem mais nem menos. Mas o estratagema é
curioso. Sem pele de ovelha, não há mais lobo que saia à rua. É esta, como
vemos, a moda de hoje.
* * *
"De hoje", dissemos, e com razão. É uma
moda de transição. Os velhos e antigos anti-clericais
não sabem desempenhar bem seu novo mister de coroinhas. De quando em vez,
escapa-lhes alguma injúria, alguma cara feia, flagrante violação do papel que
procuram representar. Eles não possuem o que os franceses chamariam mais ou
menos "le physique du rôle". Ao fazer o
sinal da Cruz, cerram por vezes involuntariamente o punho, cuidando estar em
uma assembléia comunista. Ou proclamam, por distração, a senha da sessão [...]
da véspera, no momento em que lhes cumpriria dizer "ora pro nobis".
O lobo não aprendeu ainda o passo da ovelha. E por vezes dá saltos bem
estranhos...
* * *
Moda mais fina, pois, mais eficaz, mais completa, é
a que está sendo inaugurada em Moscou. É a fraude de alto estilo, impecável, alinhadíssima. Segundo o figurino que está sendo desenhado
em Moscou, não há mais lobo que
se reconheça. Os elementos mais "escolados" da III Internacional -
que "não existe mais" - estão sendo adestrados. Um sábio moderantismo, um doce sentimento filantrópico, uma benigna
política de "não intervenção" nos negócios dos países vizinhos, está
sendo de supremo bom tom como arma de propaganda entre os melhores agitadores
comunistas. Todos se amansaram. Todos passaram a ser ovelhas. E, como dissemos
em nosso último número, para dissipar de vez as desconfianças, até arranjaram
alguns cordeiros para lhes servirem de companheiros. Assim, poderão mais
facilmente iludir.
* * *
E a cena de ilusão já começou. Não afirmaremos que
o arquimandrita de Moscou e o "bispo"
protestante de York sejam cordeiros. Mas é pelo menos de cordeiros o título de
cristão que ostentam. Stalin já fez questão de
receber suas visitas, e providenciou para que até os últimos recantos da
Birmânia ou do Canadá esta notícia chegasse. Mais recentemente, o cônsul geral
dos sovietes em Washington - lobo autêntico -
jantou candidamente com aristocratas da antiga corte russa... outro gênero de
cordeiros, por sinal que até bem tosquiados. E, agora, os jornais nos dão a
notícia curiosa de que o movimento em favor de uma Alemanha livre, instituído
na Rússia, tem por chefe um
conde, neto do ... Príncipe Otto von
Bismarck, o Chanceler de Ferro. Um nobre autêntico, neto do homem
que simbolizava todo o militarismo aristocrático dos "junkers", pessoa de
confiança do comunismo. Oh manes de Nicolau II, o que direis de tudo isto!