Uma das notas mais importantes da recente Pastoral
com que o Exmo. Revmo. Sr. D. Jaime de Barros Câmara, Arcebispo do Rio de Janeiro, brindou seus
diocesanos, está, sem dúvida, na preocupação que manifesta para com os destinos
das classes desprotegidas.
Na Encíclica "Quadragesimo Anno", Pio XI mostrou
insistentemente que é para os fracos que se dirige especialmente a maternal
predileção da Igreja. E que ela os deve proteger, não tanto para evitar
questões sociais, como para cumprir um desinteressado dever de justiça e de
caridade. É este o pensamento que, de modo evidente, domina a parte da Pastoral
do Arcebispo do Rio de Janeiro referente a problemas sociais.
* * *
Foi precisamente a mesma tendência que S. Excia.
Revma. manifestou em boa hora à imprensa, em entrevista que lhe concedeu. Mas
um jornalista desta capital, aliás dos mais espirituosos e talentosos, deu a
algumas das palavras de S. Excia Revma. uma interpretação que devemos desfazer.
Mostrou-se o jornalista em questão surpreso com a
declaração de S. Excia Revma. de que "quanto mais destituído o indivíduo,
mais difícil lhe será conservar-se no reto caminho da prática do bem". As
palavras são do jornalista daí deduz que o ilustre Antístite entenderia que quanto mais rico o indivíduo, tanto mais
fácil a salvação. E que, portanto, se inteiramente pobre ele seria inteiramente
incapaz de guardar a virtude.
* * *
O princípio é verdadeiro. A extrema pobreza é
circunstância que, ao geral dos homens, causa manifesta dificuldade de
condições de vida. E esta dificuldade naturalmente desperta a inclinação de
lançar mão de meios ilícitos para facilitar a vida.
Daí não se deve deduzir, entretanto, que para os
pobres e até para os miseráveis a virtude é impossível. Deus dá graças conforme
as dificuldades. Deus não pode abandonar no caminho da virtude precisamente
aqueles que mais sofrem. E por isto a História da Igreja está cheia de
admiráveis figuras de pobres que se santificaram por sua própria pobreza.
Aquilo que, de si, teria sido meio de perdição, é transformado pela graça de
Deus e livre cooperação do homem em admirável meio de santificação e de
vitória.
* * *
É igualmente errada a idéia de que quanto mais rico
o homem, tanto mais fácil sua salvação. Esta conseqüência não se encontra de
modo algum nas palavras do ilustre Arcebispo do Rio de Janeiro.
De fato, a muita riqueza também constitui elemento
que dificulta a salvação. Tendo ao seu alcance todos os meios para fazer da
vida uma sucessão ininterrupta de prazeres; tendo por outro lado diante de si a
miragem incessante dos prazeres ilícitos, o homem pode deixar-se levar mais
facilmente do que se a modicidade de suas condições de existência só deixasse a
seu alcance diversões menos empolgantes.
E, não obstante, a Igreja não condena a riqueza,
mas apenas o desregramento a que se pode entregar o homem rico. E isto é de tal
modo que em toda a História da Igreja há admiráveis figuras de Santos que
souberam conservar-se incólumes no meio da maior opulência, fazendo de seu
dinheiro e de sua situação social um meio para espalhar em torno de si esmolas
e bons exemplos, pregando por sua vida o mais exemplar desprendimento de tudo
quanto é ilícito.
A Igreja entende que as muitas riquezas constituem
em si um perigo. Mas um perigo que, com a graça de Deus, e a livre
correspondência da vontade humana, pode ser vencido pelo homem. E Deus
certamente assiste com graças especiais os ricos que
sua Providência encarrega de viver na opulência para edificação da sociedade e
alívio da miséria dos pobres.
* * *
Tudo isto lembra uma prece da Escritura, em que se
pede a Deus uma mediania de condições que, igualmente livre dos perigos da
miséria e da opulência, mais concorra para adestrar a alma no serviço de Deus.
Mas - e aí vem o essencial - lembremo-nos sempre de
que pela doutrina católica o muito, o pouco ou o nenhum dinheiro são apenas
circunstâncias mais ou menos favoráveis à salvação, possíveis em todos os
estados e situações da vida, porque não é nem a pobreza nem a riqueza que faz o
homem virtuoso. A virtude no verdadeiro católico vem da graça de Deus,
correspondida pelo livre arbítrio humano.