O Eminentíssimo Cardeal Cerejeira,
Patriarca de Lisboa, acaba de baixar um decreto em que declara “escritor
perigoso para todos os que professam a fé católica” o Dr. Alfredo Pimenta,
conhecido intelectual português, geralmente conceituado por suas simpatias para
com a doutrina da Igreja.
Ninguém ignora que o Catolicismo consta de
verdade a bem dizer simétricas, que se completam para constituir o todo
divinamente harmônico que é a doutrina da Igreja. Considerada de modo
unilateral qualquer destas verdades, o espírito humano se transvia através de
erros dos mais perigosos. São freqüentes hoje os escritores que tecem ao
Catolicismo louvores ditirâmbicos, iludindo
facilmente a boa fé dos ingênuos. Analisadas suas obras, vê-se, porém, que eles
só admiram, só aplaudem, só apoiam um aspecto da verdade, com o que,
implicitamente, negam, desprezam, odeiam o outro. Em escritores tais, não se
pode reconhecer uma verdadeira simpatia para com a Igreja, uma tendência real
para a conversão. Eles desfiguram as verdades que aplaudem, tentam desarticular
a doutrina com a qual parecem simpatizar, e servem em geral apenas para semear
a confusão e a cizânia no campo católico.
Dotado de indiscutível e superior talento,
o Dr. Alfredo Pimenta soube por em relevo notável vários dos aspectos de nossa
doutrina. Sua unilateralidade mereceu-lhe, entretanto, severa condenação que
acima estampamos.
* * *
A este propósito, o ilustre Patriarca de
Lisboa escreveu:
“Esse escritor, numa revista recentemente
publicada em Lisboa, teceu comentários falsos, tendenciosos e desrespeitosos
sobre as decisões da Hierarquia Eclesiástica, inclusive a respeito do próprio
pontífice, ousando descrever como maquinações políticas o que está inspirado pelo
mais puro espírito do Evangelho, isto é, as orações pela conversão da Rússia;
ao passo que mais uma vez se aventurava a negar as solenes declarações do Papa
e dos bispos alemães sobre a existência de perseguições religiosas na Alemanha.
Por conseguinte, é nosso infeliz dever
declarar, em nossa qualidade de doutor e juiz da doutrina e disciplina
católicas, no patriarcado de Lisboa, que censuramos a
atitude de Alfredo Pimenta como incompatível com os deveres de católico; que
não o reconhecemos como autor católico, em harmonia com a mentalidade da
Igreja, e que o denunciamos como escritor perigoso para todos os que professam
a fé católica”.
Como se vê, unilateralidade em tudo. Odiar
o comunismo, odiá-lo a fundo, energicamente, intransigentemente, meticulosamente:
nada melhor. Desgostar-se por isto com orações pela Rússia, nada mais errado,
sobretudo porque estas orações nunca foram nem poderiam ser pelo comunismo, mas
pelo povo russo. Censurar por isto o Pontífice, nada é mais digno de
reprovação. Afirmar que na Alemanha não havia e não há perseguição religiosa é
dar mostras de uma unilateralidade chocante, que além de injuriosa para o
episcopado germânico que tantas vezes afirmou o contrário, é um ultraje para a
santa memória de Pio XI, autor da Encíclica Mit Brenender Sorge,
em que foram estigmatizados todos os erros nazistas e formalmente denunciada a
perseguição religiosa movida pelo III Reich.
* * *
Não podemos deixar de considerar
com muita apreensão a notícia de que se planejam alterações na presente estrutura
política alemã, de forma a diminuir os poderes do Sr. Hitler, transferindo-os
em parte para uma ou duas comissões que funcionariam ao lado do gabinete, e
como que em concorrência com este. Com efeito, pode haver aí um mero expediente
para substituir gradualmente o Sr. Hitler no poder, conservando um governo
composto de nazistas que procure tratar com os aliados, e, depois da paz,
perpetuar-se na direção do Estado, ainda que, eventualmente, com o apoio de
alguns dos antigos partidos políticos germânicos. A camarilha nazista precisa
ser destituída por completo. Se algum de seus elementos for aproveitado para a
reconstrução da Alemanha de amanhã, infeccionará toda a obra, e tornará inútil
a vitória tão laboriosamente alcançada pelos aliados. Com efeito, a verdadeira
vitória destes não consistirá em mutilar a Alemanha, nem em empobrecê-la ou
humilhá-la, mas em destroçar de uma vez por todas os representantes do espírito
militar pagão e protestante que vem triunfando de Frederico II a Hitler,
passando por Bismark. E, qualquer remanescente do
regime nazista poderá tornar inútil todo esforço que neste sentido se venha a
tentar.
* * *
A este propósito, fala-se muito no
reinício das atividades políticas do glorioso partido
do centro, que era o partido dos católicos alemães. Entretanto, é absolutamente
preciso que sejam alijados de sua direção os ingênuos, os chefes tolos e
imprevidentes que não souberam evitar o nazismo.