Legionário, N.º 551, 28 de fevereiro de 1943

7 DIAS EM REVISTA

A possível vinda do Santo Padre ao Brasil, noticiada por um telegrama concernente à viagem de Mons. Spellman, Arcebispo de New York, a Roma, já foi desmentida de modo categórico. Assim, ao que parece, não teríamos mais que fazer reflexões sobre este fato.

Tal, entretanto, não se dá. A magnitude do assunto, bem como a natureza de alguns dos comentários que ele provocou, nos forçam a consagrar a tão relevante tema alguns tópicos desta secção.

* * *

Antes de tudo, é preciso dizer que a notícia, que desde o início se apresentou como um simples "consta", impreciso e revestido de quase todas as características de um boato, causou não obstante uma sensação enorme, e encontrou muitos espíritos crédulos que lhe deram guarida. É que a idéia de termos entre nós o Vigário de Nosso Senhor Jesus Cristo, a personificação daquela Santa Igreja Católica que é a alma do Brasil, de tal maneira fez vibrar nossos corações filiais, que constituía uma verdadeira luta interior o desprender-se o espírito dessa hipótese fascinante. Se algum dia, em horas de provação ou de glória, pouco importa, o Santo Padre viesse ter ao Brasil, o mundo veria o que é o fervor de nossa entusiástica e incondicional adesão à Cátedra infalível de São Pedro. A maior das cidades do Brasil, o Rio de Janeiro, seria pequeno como uma aldeia, para conter os fiéis que ali fossem acolher o Santo Padre. O Brasil inteiro ali figuraria. Ao lado de São Paulo, que para lá iria em massa, encontraríamos multidões gaúchas e amazonenses, mineiros, goianos ou catarinenses, de todos os quadrantes enfim, não faltando os nossos cablocos vindos a pé não sabemos de que rincões perdidos, todos para se ajoelharem ante o Santo Padre e receber humildes e respeitosos sua benção.

O brasileiro não é católico de um jeito qualquer, mas católico como se deve ser. E ele demonstraria ao mundo inteiro que, para ele, Cristo só está onde está a Igreja, e a Igreja só está onde está o Papa, fora da obediência ao qual não há salvação.

* * *

É, pois, interpretando o sentimento unânime do Brasil, que o “Legionário” protesta contra meia dúzia de articulistas, se tanto, que, em linguagem velada na qual alguns termos almiscarados deixavam claramente transparecer a ironia, se permitiram comentários menos respeitosos sobre o assunto.

Um, por exemplo, depois de comentários pretensamente espirituosos sobre a vinda de D. João VI ao Brasil, dizia que o Santo Padre estava no mesmo caso. Não nos interessa discutir aqui se D. João VI fez bem, ou não, de vir ao Brasil. Seria antes o caso de perguntar se o articulista, posto na situação de D. João VI, teria ido, de canivete em punho, enfrentar as forças de Junot. Uma coisa, porém, é indiscutível. É que Pio XI e Pio XII, vivendo em território encravado em plena zona dominada pelo "eixo" mantiveram uma independência política tão corajosa, que se tornaram ambos alvos da admiração entusiástica do mundo inteiro. O risinho chasqueado de nosso jornalista não lograria rasgar essa página da História da Igreja.

* * *

Outro, aventou que o Brasil auferia com isto uma grande vantagem: maior número de chapéus no Sacro Colégio.

Amando e venerando filialmente a Santa Sé, o Brasil presa certamente no mais alto grau todas as honras que ela nos queira conferir. Mas somos filhos confiantes, não queremos estas honras, senão quando a Santa Sé espontaneamente no-las quiser dar, atendendo à conveniência geral do governo da Igreja. Foi para vantagem da Igreja Universal que se criou o Sacro Colégio, e não para a vantagem exclusiva do Brasil. O Santo Padre seria aqui recebido de modo insuperavelmente afetuoso e filial sem que pela mente nos passasse nem de leve qualquer idéia de outra compensação que não a sua benção de Vigário de Cristo. Recebe-lo entre nós não seria favor que exigisse recompensa; seria recompensa que nos obrigaria a um devotamento ainda maior.

* * *

Outro jornalista lembrou os Papas de Avignon. Saberá o articulista que a existência de um refúgio para os Papas de Avignon representava, não um meio de escravização, mas uma vantagem para a independência da Santa Sé? Saberá ele que os Papas de Avignon prestaram à Igreja grandes serviços e um deles até é venerado pela Igreja como bem-aventurado?

Os Papas se demoraram demais em Avignon, dir-se-á. É fato. Mas o mal não estava em que eles ali tivessem um território e para que lá tivessem ido, o mal esteve em que lá se deixassem ficar. Um pai vai visitar um filho, e lá se demora mais do que seria necessário. Qual o remédio? Arrasar a casa do filho?