Todas as atenções estão voltadas, no
presente momento, para as notícias concernentes à viagem que fez a Roma o Ex.mo
Rev.mo Mons. Spellman, Arcebispo de New York. E não faltam razões para tal. Estando os Estados
Unidos em guerra com a Itália, é digno de nota que o ilustre Prelado,
transpondo territórios inimigos, vá avistar-se com o Santo Padre. Em si, o fato
nado tem de surpreendente, já que, sendo o Santo Padre soberano independente da
Cidade do Vaticano, a ele devem ter acesso livre, em qualquer época, os
Pastores de todos os rebanhos que o Sucessor de São Pedro tem disseminados pelo
mundo. Entretanto, tudo torna patente que só motivos especiais poderiam
determinar tal viagem em um momento como este, e esta impressão se tornou mais
forte com uma interpelação feita a este respeito por um representante do povo
no Congresso yankee, interpelação que revela claramente que as atuais
peculiaridades do ambiente político e social norte-americano são real
verosimilhança à notícia de que o Ex.mo Rev.mo Mons. Spellman
fora incumbido de missão da parte de seu governo. É certo que a interpelação do
deputado americano teve uma resposta negativa ou ao menos evasiva. Mas, ainda
que Mons. Spellman fosse incumbido de missão
especial, a resposta do representante da Casa Branca não poderia ser outra.
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Tanto é isto verdade, que a imprensa do
mundo inteiro tem os olhos voltados para a viagem do eminente prelado. E, fato
ainda mais significativo, a recepção que S. Ex.a Rev.ma teve na Espanha parece
confirmar o caráter oficial em que viaja.
Com efeito, se bem que nos Estados Unidos
a Igreja esteja separada do Estado, um telegrama da Agência Reuters
noticiou que S. Ex.a Rev.ma foi recebido oficialmente pelas autoridades civis
de Barcelona, e conferenciou com o General Franco, na presença de S. Eminência
o Cardeal-Arcebispo de Toledo, Primaz da Espanha, do
Conde Jordana, Ministro do Exterior, e do embaixador
norte-americano em Madri.
Este contato com o mundo diplomático
dificilmente se poderia explicar se a viagem de Mons. Spellman
fosse meramente relacionada com assuntos da diocese de New
York.
* * *
A primeira observação que fatos
tão expressivos nos sugerem consiste em que a Igreja está tomando, nos Estados
Unidos como no mundo inteiro, uma influência cada vez maior. Já se foi o tempo
em que todos os acontecimentos podiam transcorrer à revelia dela, e em que a
Liga das Nações, de pouco saudosa memória, negligenciava de inscrever a Santa
Sé na lista de seus membros. É preciso contar hoje com a Igreja. A época do laicismo de Estado passou.
* * *
Este fato nos conduz a uma
conclusão talvez inesperada. Com efeito, ele demonstra que já se foi também
tempo em que os escritores e políticos de toda espécie tinham liberdade de
dizer ou escrever contra a Santa Igreja o que bem entendessem, acobertados pela
mais absoluta impunidade; ou, mais ainda, o tempo em que enfiar em um artigo
rabiscado às pressas uma meia dúzia de lugares comuns contra o catolicismo era
o melhor meio de estreiar nas letras e na vida
pública. Há, hoje, uma opinião católica poderosa e vigilante, que não perdoa
façanhas como esta. E, por isto, da fase do ultraje gratúito
e brutal contra a Igreja, passamos para a da tapeação. Antigamente, havia muita
gente que cometia a vileza de atacar a Religião sem nenhuma convicção, só para
fazer carreira. Hoje, a mesma vileza não desapareceu, mas mudou de tática:
procura manejar o turíbulo com que outrora manejava o facho da revolução.
* * *
Feita esta reflexão à margem do assunto,
voltemos às notícias e boatos que a viagem do Ex.mo e Rev.mo Mons. Spellmann suscitou.
Sejam quais forem os verdadeiros
móveis de tal viagem, o certo é que devemos repudiar decididamente como
contrária ao decoro da Igreja qualquer versão no sentido de que o digno
Arcebispo de New York ou o Santo Padre venham a
patrocinar uma "paz a qualquer preço".
As tradições e princípios
diplomáticos do Vaticano, hauridos diretamente, como é obvio, na doutrina
católica, não comportam uma espécie de filantropismo político naturalista, que
aponta na guerra como supremo mal a perda de vidas humanas, as desgraças
materiais de toda a espécie e os prejuízos econômicos que ela acarreta.
Pelo contrário, a Santa Igreja
mostra que o maior mal da guerra está nos prejuízos que ela traz às almas,
porque a alma vale mais do que o corpo, e os interesses espirituais estão acima
dos temporais. E, assim, uma "paz qualquer", paz do tipo
"Chamberlain", que tenha como fruto a manutenção, em pé de guerra,
das grandes heresias sociais contemporâneas, é uma paz que não se pode esperar
da Santa Sé.
Paz com justiça, paz portanto em
que, antes de tudo e acima de tudo se faça justiça à Igreja e às almas, é esta
a paz que os boatos concernentes à viagem de Mons. Spellman
devem fazer esperar.
Paz, portanto, que signifique para
o Brasil e para todos os povos a vitória dos verdadeiros bens da única
verdadeira civilização, que é a cristã católica, é esta a única paz que a
Igreja nos quer ou pode dar.