Legionário, N.º 540, 13 de dezembro de 1942

7 DIAS EM REVISTA

Registramos com satisfação o fato de haver o Sr. Presidente da República, Dr. Getúlio Vargas, assinado um decreto que lhe foi apresentado pelo Sr. Ministro da Justiça, Dr. Marcondes Filho, no qual se estabeleceu novas restrições aos processos de anulação de casamento, eliminando de nossa legislação facilidades à sombra das quais se esgueirava sub-reptícia, entre nós, a erva daninha do divórcio.

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Diz muito bem, em sua exposição de motivos, o Sr. Marcondes Filho, dirigindo-se ao Sr. Getúlio Vargas que, "como V. Ex.a não ignora, a idéia da indissolubilidade do vínculo é um dos mais importantes fatores da felicidade conjugal. Tem sido, por isso, das mais perniciosas sobre as famílias brasileiras, a influência exercida pela idéia, gerada pela facilidade de certos julgados, de que a anulação de casamento estaria sendo no Brasil o sucedâneo do divórcio, pondo termo definitivo aos matrimônios infelizes". Esta afirmação não pode deixar de causar na opinião católica uma grata impressão e, sobretudo, despertar nela uma fundada esperança.

Com efeito, esse princípio definido pelo Sr. Ministro da Justiça, é precisamente aquele em que se baseiam nossos Bispos, em sua Pastoral Coletiva, para lembrar que todas as medidas tendentes a equiparar a prole legítima à ilegítima, ou a estimular a natalidade ocorrida fora do matrimônio, constituem [fatores] dissolventes da família.

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Sentimos a maior satisfação em noticiar que o famoso plano social "Beveridge" está encontrando, na Inglaterra, uma viva oposição.

À primeira vista, aquele plano atrai a simpatia de quem o analisa, pela nobreza dos intuitos que ostenta. Desejava seu autor montar no Reino Unido, depois da guerra, um imenso aparelhamento de assistência social organizado pelo Estado, que tinha por escopo fazer face a todos os infortúnios e desventuras da vida, e eliminar de vez a pobreza.

O pensamento dominante do plano seria, assim, a compaixão para com os infelizes. Não há nem pode haver alma católica que não considere com simpatia um desígnio tão genuinamente cristão.

Mas a própria caridade deve ser ordenada conforme a razão e a moral, se não quiser tornar-se passível de censura. E, analisando mais detidamente o plano, verifica-se que ele não pode ter nossa simpatia.

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A primeira observação a ser feita neste sentido está em que o plano, que alega querer aliviar as misérias realmente existentes na Inglaterra, vai na realidade muito mais longe, e não se contentando apenas em procurar para cada homem o respeito dos direitos a que tem à vida, à subsistência honrada e suficiente, à integridade da família, visa uma distribuição de bens supérfluo e já não somente necessários. Em outros termos, sob pretexto de aliviar misérias realmente insuportáveis, o plano promove uma redistribuição de fortunas em toda a sociedade, visando beneficiar não o operariado pobre, mas a pequena burguesia, que vive folgadamente, em detrimento das classe mais elevadas.

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Ora, este igualitarismo absoluto é contrário às conveniências nacionais que pedem a formação de elites sociais estáveis e prósperas, e é ainda contra o direito natural. Porque o Estado não tem o direito de tirar de uns e dar a outros... que já têm o suficiente.

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Outro grave defeito do plano Beveridge está em seu caráter verdadeiramente ditatorial. Em matéria de assistência, o Estado é tudo. Mal se vê nele lugar suficiente para que possam subsistir as iniciativas privadas. E a caridade não é nada. A esmola desaparece para ser substituída pelo imposto social. Erro sobre erro, tudo isto redunda em detrimento das próprias classes desamparadas.

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Vamos, primeiramente, à caridade. Ensina-nos a doutrina católica que temos deveres para com o próximo, fundados ou na justiça ou na caridade. Nossa sociedade sob muitos títulos ainda exageradamente individualista, concebe como mera caridade o que não passa, freqüentemente, de gravíssimo e elementar dever de justiça. Mas enquanto o mundo for mundo, continuará a haver deveres de caridade, que a caridade, e só ela, deverá cumprir. Pretendendo riscar todo este capítulo da doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo, o plano Beveridge priva na realidade as classes pobres de todos os tesouros de caridade que no decurso dos séculos a Santa Igreja tem sabido mobilizar direta ou indiretamente em benefício dela.

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Também quanto à iniciativa individual, é preciso ver as coisas com clareza. A ação do Estado pode muito. Mas a iniciativa individual tem uma eficácia e uma fecundidade próprias, que é loucura querer matar. O segredo de toda boa ordem consiste precisamente em saber coordenar harmonicamente uma e outra, e não em extinguir uma em benefício da outra. Assim, a implantação da onipotência estatal em matéria de assistência é absolutamente tão nociva quanto a aplicação do socialismo em qualquer outro capítulo.

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Se nos ocupamos tão detidamente do assunto é porque, de um lado, a oposição que o plano Beveridge tem encontrado revela claramente o bom senso britânico e, em segundo lugar, porque observamos que o Sr. Beveridge, bem como certa imprensa, se compraziam em insinuar que este plano deveria servir de padrão para a organização de todos os países aliados depois da guerra.