Legionário, N.º 519, 23 de agosto de 1942

7 DIAS EM REVISTA

O LEGIONÁRIO sempre timbrou em se manter inteiramente à margem das dissidências e rivalidades políticas de caráter meramente temporal. Não podemos, entretanto, considerar o afundamento dos navios brasileiros, em nossas próprias águas territoriais como acontecimento a respeito do qual devamos manter silêncio. Com efeito, a reação que o fato ocasionou entre nós transcende de muito os limites das dissidências temporais, para indicar claramente que estamos em presença de uma situação fundamente relacionada com a própria integridade e soberania do País. E, como o patriotismo é uma virtude, como, por outro lado, o católico tem para a prática de todas as virtudes recursos sobrenaturais que lhe permite esmerar-se nelas até à perfeição, é bem este o momento dos católicos mostrarem que maravilhoso viço tem a flor do patriotismo quando brota das raízes sobrenaturais da fé. Em segundo lugar é preciso tomar em conta que o adversário que bate a nossas portas é um adversário não só do Brasil, mas também da Igreja. E que, portanto, não é só o amor à Pátria, mas ainda o que devemos à Igreja que nos deve levar a uma atitude de franca repulsa à agressão nazista.

É chegado o momento de dizermos duas palavras a alguns leitores que entendiam que preocupando-se sobretudo com os progressos que fazia no mundo a devastação totalitária desertávamos do campo dos problemas religiosos estritamente nacionais para considerarmos os interesses da Igreja fora do Brasil. Combatemos sempre com todas as nossas forças os hereges que presentemente desenvolvem no Brasil ação mais pública e decidida e os demais fatores de corrupção social. Tudo isso não obstante, timbramos sempre em afirmar que esses adversários tinham importância secundária à vista da iminência do problema nazista. Hoje, que bate às nossas portas esse perigo ameaçando superar em gravidade todos os problemas religiosos do País pelo risco eminentíssimo em que põe a fé, é o caso de perguntarmos a muitos míopes, que nos chamavam visionários simplesmente porque víamos mais longe do que eles, se não tínhamos razão.

Sustentamos sempre que o nazismo é um adversário que tem, além de processos de proselitismo incomparavelmente mais perfeitos do que qualquer outra heresia contemporânea, canhões, submarinos, aviões, etc. De sorte que, ainda que consideradas as coisas apenas deste ponto de vista, o problema nazista se delineava mais grave do que qualquer outro.

Será que a evidência dessas razões só persuadirá alguns leitores quando orquestrada com o sibilar de uma fuzilaria cerrada? Precisarão levar um tiro para compreender?

Oh, a eterna mania dos problemas “exclusivamente nacionais”! Até quando se compreenderá que não temos, no momento, problema nacional mais grave do que este que está de fora de nossas fronteiras?   

Agora, porém, cabe mais uma palavra.

Os que combatemos com todas as veras da alma o nazismo, devemos combater também, energicamente, intransigentemente, inflexivelmente, o comunismo.

O comunismo não poderia prestar ao nazismo melhor serviço do que iniciar novamente entre nós uma fermentação ideológica sobretudo se ela se fizer sob a forma de cavilosa infiltração em nossas manifestações cívicas. Com efeito, só há um motivo, ou antes, um pretexto para amortecer a vigilância de nosso patriotismo contra o perigo nazista: é o perigo comunista. Assim, favorecer direta ou indiretamente o comunismo, fechar os olhos a sua infiltração, pactuar com ela na enganosa esperança de se desembaraçar dele no momento da vitória, tudo isto é erro, erro grave, erro crasso.

Entre o comunismo e o nazismo não se trata, para nós católicos, de escolher. O católico que discute qual deles é menos mau desserve sua Fé, e injúria o Brasil. Essa discussão deve ser proscrita de nossos debates como crime de alta traição a Fé. Nosso dever consiste em combater a ambos indistintamente, promiscuamente, e energicamente.

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Efetivamente, injuria o Brasil quem supõe que a opinião brasileira chegou a um tal estado de desarticulação e de corrupção que para nós se abrem estes dois tenebrosos caminhos. Que raça de desfibrados seria essa nossa, se depois de manifestações empolgantes como a de domingo passado, em que 300.000 paulistas proclamaram a devoção ardentíssima do Brasil a Nossa Senhora Aparecida, devêssemos deliberar fleumaticamente sobre qual dos dois verdugos - o vermelho ou o pardo - deveria se incumbir da demolição de nossas tradições e instituições católicas!

Que piedade, que fibra, que virilidade seria essa nossa? Será que se deve admitir que essa imensa multidão mentiu aos homens e a Deus, proclamando diante de Deus e dos homens que é apaixonadamente católica?

Longe de nós tal injúria a nosso povo!

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Para nós a opção é só esta: Cristo-Rei ou o anticristo. E para nós, anticristo tanto é o nazismo quanto o comunismo.

Assim, nossa luta contra o nazismo nunca se separará de uma atenção ferozmente vigilante contra o comunismo. E nossa luta contra o comunismo nunca se dissociará de vigilância feroz contra o nazismo. Admitir simplesmente que qualquer dessas duas monstruosidades deva ser abraçada pelo Brasil católico como meio de evitar a outra, já é capitular, já é fugir, já é entregar-se, e isto precisamente quando todas as cerimônias preparatórias do Congresso fazem prever que este será uma afirmação meridianamente radiosa de que o Brasil só quer trilhar as estradas que conduzem a Cristo-Rei, e que no coração de seus filhos há bastante amor, em suas inteligências bastante Fé, e em seus braços bastante músculo, para não seguir outro caminho senão o que livremente querem trilhar.

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Cumpre acrescentar que, em matéria de anti-nazismo e anticomunismo, devemos distinguir claramente duas posições extremas, ambas erradas. Evitemos um otimismo imbecil que abre praticamente nossa terra a estes terríveis adversários gerando em nós a convicção de que eles não apresentam perigo, e dotando-os assim de uma invejável impunidade. E evitemos também o pânico que desarticula qualquer resistência e torna ineficaz qualquer luta.

Tanto o nazismo quanto o comunismo constituem perigo sobretudo interno. Ora o golpe de 10 de Novembro foi feito precisamente para dotar as autoridades de todos os meios não só para reprimir como ainda para evitar qualquer propaganda em sentido contrário a nossas instituições e tradições cristãs. Não há quem negue em todos os quadrantes da opinião pública ao Presidente Getúlio Vargas uma grande habilidade política. Não é, pois, possível que as coisas tenham tomado entre nós um aspecto que justifique qualquer espécie de pânico. Vigilância, sim. Pânico nunca!