Segundo parece deduzir-se das
notícias da semana passada, a questão das relações da Santa Sé com o Império Nipônico parece tomar feição mais concreta, em conseqüência
com a ocupação, pelos japoneses, de importantes territórios como ocorre nas
Filipinas, territórios estes onde é imenso o número de habitantes católicos,
graças à primitiva colonização espanhola. Este fato, somado ao desenvolvimento
do Catolicismo no Japão, criaria um terreno melindroso para ambas as partes –
Tóquio e Vaticano – obrigando-as a manterem relações que, até aqui, não
existiam de forma metódica e normal. Assim, ao que parece, ser designado o Sr. Matsuoka para representar o Japão na Santa Sé, sendo
que está precisamente como ocorre em Londres e Washington, não terá Núncio
Apostólico acreditado junto ao Mikado [erro
tipográfico de composição].
* * *
Como já informamos em nossa
última edição, de nenhum modo se pode daí deduzir que o Vaticano professa
qualquer indulgência para com os métodos de política internacional e de guerra
do Japão. Esses métodos – agressão inopinada e sorrateira, domínio da força
bruta, terrorismo contra populações inermes – são claramente contrários à moral
internacional católica, e, assim, só podem merecer da parte da Igreja a mais
absoluta reprovação. Se, porém, com fundamento na iliceidade
destes métodos, a Santa Sé recusasse estabelecer relações com o Japão, violaria
os mais uniformes e antigos precedentes de sua diplomacia, na qual sempre foi
princípio essencial que o estabelecimento de relações com qualquer governo tem
por único objetivo a solução de questões pendentes, sem implicar em qualquer
pronunciamento quanto a legitimidade de tal governo, a liceidade
das instituições e da organização social sobre que repousa, bem como a
moralidade de seus processos de guerra ou de política.
* * *
Tudo isto posto, não podemos
compreender como os telegramas da agência inglesa "Reuters"
deixaram transparecer um sério descontentamento diante da hipótese do
estabelecimento de tais relações. Ignorância dos métodos diplomáticos do
Vaticano? Carência de subtileza na apreciação dos acontecimentos políticos? Não
o sabemos. Mas o certo é que consideramos ridículas as versões veiculadas, de
que Washington e Londres fariam um protesto junto a Santa Sé por motivo das
relações desta com o Japão.
Ridículo, sim, em primeiro
lugar porque o Papa é o mais alto e autêntico soberano existente no mundo, e
como tal ninguém tem o direito de pretender intervir em sua conduta,
ditando-lhe leis e restringindo-lhe a liberdade de movimentos. Ridículo, ainda,
porque as potências democráticas não poderiam prestar ao Sr. Hitler maior auxílio do que criando agora um “caso”
com a Santa Sé. Ridículo, finalmente, porque qualquer diplomata, por menos fino
e atilado que seja, não pode deixar de perceber a transparência das razões que
o Vaticano pode alegar para explicar sua atitude.
* * *
Por tudo isto, acolhemos com
verdadeira satisfação a notícia de que aqueles governos se abstiveram de
qualquer ação junto ao Trono de S. Pedro, compreendendo em sua objetividade a
elevação de conduta da Santa Sé.
Isto posto, permita-se-nos
acrescentar que, se a Igreja fará bem ao estabelecer suas relações com o Japão,
não esperamos entretanto daí um grande bem. Os atuais ministros do Mikado pertencem todos a uma orientação doutrinária
inteiramente infensa ao Catolicismo, e só concederão à Igreja as vantagens que,
de momento, possam causar no cenário internacional uma boa impressão, e
facilitar o desenvolvimento dos planos imperialistas nipônicos. Obtido este
resultado, continuarão eles na política xenofobista
que já vinham iniciando antes da guerra, fiel espelho do racismo em terras do
Japão, política esta que já implicara na expulsão de numerosos missionários, e
em uma geral desorganização do movimento católico japonês. Oportunismo, e nada
mais.
* * *
Já temos acentuado fortemente
que o "Legionário" órgão católico que é, se sente preso pelos laços
da mais fraternal amizade aos católicos do mundo inteiro. Não professamos em
relação aos nossos irmãos japoneses qualquer outro sentimento que não o de amor
fraternal. Se, pois, estabelecemos tantas reservas quanto às intenções do
Império do Sol Levante no atual momento, ou antes quanto aos que atualmente
dirigem aquele Império, fazemo-lo não com o intuito de ferir nossos irmãos
católicos japoneses – o que seria absurdo – mas simplesmente porque nos move a
mais ardente solicitude pelo interesse da Santa Igreja no Japão, o que eqüivale
a dizer os interesses dos católicos nipônicos.