Legionário, N.º 497, 22 de março de 1942

7 Dias em Revista

Segundo parece deduzir-se das notícias da semana passada, a questão das relações da Santa Sé com o Império Nipônico parece tomar feição mais concreta, em conseqüência com a ocupação, pelos japoneses, de importantes territórios como ocorre nas Filipinas, territórios estes onde é imenso o número de habitantes católicos, graças à primitiva colonização espanhola. Este fato, somado ao desenvolvimento do Catolicismo no Japão, criaria um terreno melindroso para ambas as partes – Tóquio e Vaticano – obrigando-as a manterem relações que, até aqui, não existiam de forma metódica e normal. Assim, ao que parece, ser designado o Sr. Matsuoka para representar o Japão na Santa Sé, sendo que está precisamente como ocorre em Londres e Washington, não terá Núncio Apostólico acreditado junto ao Mikado [erro tipográfico de composição].

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Como já informamos em nossa última edição, de nenhum modo se pode daí deduzir que o Vaticano professa qualquer indulgência para com os métodos de política internacional e de guerra do Japão. Esses métodos – agressão inopinada e sorrateira, domínio da força bruta, terrorismo contra populações inermes – são claramente contrários à moral internacional católica, e, assim, só podem merecer da parte da Igreja a mais absoluta reprovação. Se, porém, com fundamento na iliceidade destes métodos, a Santa Sé recusasse estabelecer relações com o Japão, violaria os mais uniformes e antigos precedentes de sua diplomacia, na qual sempre foi princípio essencial que o estabelecimento de relações com qualquer governo tem por único objetivo a solução de questões pendentes, sem implicar em qualquer pronunciamento quanto a legitimidade de tal governo, a liceidade das instituições e da organização social sobre que repousa, bem como a moralidade de seus processos de guerra ou de política.

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Tudo isto posto, não podemos compreender como os telegramas da agência inglesa "Reuters" deixaram transparecer um sério descontentamento diante da hipótese do estabelecimento de tais relações. Ignorância dos métodos diplomáticos do Vaticano? Carência de subtileza na apreciação dos acontecimentos políticos? Não o sabemos. Mas o certo é que consideramos ridículas as versões veiculadas, de que Washington e Londres fariam um protesto junto a Santa Sé por motivo das relações desta com o Japão.

Ridículo, sim, em primeiro lugar porque o Papa é o mais alto e autêntico soberano existente no mundo, e como tal ninguém tem o direito de pretender intervir em sua conduta, ditando-lhe leis e restringindo-lhe a liberdade de movimentos. Ridículo, ainda, porque as potências democráticas não poderiam prestar ao Sr. Hitler maior auxílio do que criando agora um “caso” com a Santa Sé. Ridículo, finalmente, porque qualquer diplomata, por menos fino e atilado que seja, não pode deixar de perceber a transparência das razões que o Vaticano pode alegar para explicar sua atitude.

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Por tudo isto, acolhemos com verdadeira satisfação a notícia de que aqueles governos se abstiveram de qualquer ação junto ao Trono de S. Pedro, compreendendo em sua objetividade a elevação de conduta da Santa Sé.

Isto posto, permita-se-nos acrescentar que, se a Igreja fará bem ao estabelecer suas relações com o Japão, não esperamos entretanto daí um grande bem. Os atuais ministros do Mikado pertencem todos a uma orientação doutrinária inteiramente infensa ao Catolicismo, e só concederão à Igreja as vantagens que, de momento, possam causar no cenário internacional uma boa impressão, e facilitar o desenvolvimento dos planos imperialistas nipônicos. Obtido este resultado, continuarão eles na política xenofobista que já vinham iniciando antes da guerra, fiel espelho do racismo em terras do Japão, política esta que já implicara na expulsão de numerosos missionários, e em uma geral desorganização do movimento católico japonês. Oportunismo, e nada mais.

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Já temos acentuado fortemente que o "Legionário" órgão católico que é, se sente preso pelos laços da mais fraternal amizade aos católicos do mundo inteiro. Não professamos em relação aos nossos irmãos japoneses qualquer outro sentimento que não o de amor fraternal. Se, pois, estabelecemos tantas reservas quanto às intenções do Império do Sol Levante no atual momento, ou antes quanto aos que atualmente dirigem aquele Império, fazemo-lo não com o intuito de ferir nossos irmãos católicos japoneses – o que seria absurdo – mas simplesmente porque nos move a mais ardente solicitude pelo interesse da Santa Igreja no Japão, o que eqüivale a dizer os interesses dos católicos nipônicos.