Legionário, N.º 496, 15 de março de 1942

7 Dias em Revista

Ainda é cedo para que se possa fazer uma apreciação segura acerca do processo de Riom. De qualquer maneira, os telegramas divulgados pela [agência] oficiosa de Vichi, Havas-Telemondiale, parecem insinuar que os inculpados não tiveram, no fundo, qualquer responsabilidade, sendo do regime, e só dele, todos os defeitos. Nesse mesmo sentido, a "Manhã" publicou e o "Estado" transcreveu um artigo que sustentava explicitamente tal tese.

Desde logo, devemos dizer que não aceitamos esse ponto de vista, e que, se for essa a conclusão das cortes de Riom, todo o processo terá fracassado.

Com efeito, pode-se admitir que um regime embarace de modo profundo a atividade de homens moral e intelectualmente apreciáveis. Não se pode, entretanto, admitir que um regime possa estar em mãos de pessoas excelentes sobre os quais exerça entretanto ação corruptora e analgésica inelutável, de maneira que o imenso e trágico fracasso da França só à má mecânica constitucional se deva atribuir.

Os homens valem e podem mais do que os regimes e não devem procurar responsabilizar exclusivamente as formas de governo por acontecimentos de que são eles mesmos os primeiros culpados.

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Assim, se se pretende responsabilizar exclusivamente a forma liberal democrática de governo ter-se-á errado redondamente. Certamente, essa forma teve uma nefasta influência sobre o curso dos acontecimentos, mas estes não teriam sido nem tão catastróficos nem tão inesperados se a França, desde 1789 até aqui, não tivesse sido lentamente minada pelo agnosticismo, pelo ateísmo, pela legislação laica, pela ação dissolvente da [...] quinta coluna, cagoulards e outras forças [...], pelo repúdio sistemático de suas tradições. A corte de Riom passará uma venda nos olhos da opinião pública se se limitar a um julgamento impessoal que atinja tão somente a estrutura das instituições francesas. A França apostatou da Igreja e repudiou o seu passado histórico. É esse o mal que ela expia, e‚ só no corretivo desse mal que ela encontrará remédio.

Isto posto, de nada valerá que o Sr. Pétain e seus auxiliares pretendam resolver tudo retocando a fachada das instituições francesas segundo os últimos figurinos de Berlim, e aproveitando quiçá, no regime novo, todos os [...] livres pensadores do regime antigo.

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Se fazemos esta observação não é porque desejamos agravar a justíssima dor de nossos irmãos franceses, mas porque uma grande lição desprende destes fatos para o mundo inteiro. Não é com paliativos, com meias medidas que se pode resolver o mal.

Os paliativos só podem retardar a cura. Não foi pintando com novas tintas seus velhos ídolos que a França de Clóvis se converteu: ela teve que queimar o que adorara, e adorar o que queimara.

Para a França, e para todos os povos contemporâneos, não pode ser outro o caminho. O totalitarismo não significa a destruição dos ídolos do século passado, mas apenas uma mudança em suas roupagens. É preciso que os ídolos caiam, e não basta que se transformem.

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Duas notícias interessantes nos vieram na última semana, acerca do Vaticano. Uma narrava que o Santo Padre recebera de Stalin uma secretíssima mensagem. A outra informava que o Vaticano estava estudando uma proposta de Tóquio no sentido da constituição de uma legação permanente do governo nipônico junto ao Trono de S. Pedro, o que até aqui não existia.

Ambas as notícias — das quais a primeira parece não ser verídica — não estariam em desacordo com a orientação da Santa Sé. Com efeito, o Santo Padre Leão XIII já esclareceu que a Igreja, quando estabelece relações diplomáticas com qualquer governo não pretende de modo algum reconhecer sua legitimidade, a conformidade da organização político-social por ele adotada com a doutrina católica, ou o valor de seus métodos do ponto de vista da moral internacional. O Vaticano considera os governos como detentores de fato de uma soma de faculdades de agir, e assim, reservando-se embora o direito de condenar formalmente toda a ideologia sobre que se baseiam, pode o Vaticano manter com eles relações que versam sobre uma ou outra questão de detalhes.

 Nesse sentido, p. ex., é curioso notar que, tendo chegado ao auge da tensão as relações diplomáticas entre o Vaticano e a Alemanha, e sendo fortíssima a perseguição religiosa naquele país, ainda existe um Núncio acreditado em Berlim, e um embaixador teuto acreditado junto ao Vaticano.

 E isto posto, não surpreende que o Vaticano, condenando embora os métodos imorais da política exterior nipônica, tenha o Núncio em Tóquio; em que o Santo Padre, estigmatizando a fundo o bolchevismo, examine com atenção algumas missivas de Stalin.