Legionário, N.º 489, 25 de janeiro de 1942

7 Dias em Revista

Uma das objeções muito freqüentes contra o apoio às potências democráticas consiste na alegação de que, caso sejam elas vencedoras, o perigo soviético se terá acrescido consideravelmente.

A este respeito, em recentes declarações publicadas pela imprensa dos Estados Unidos, [erro de composição; falta o nome] fez uma reflexão digna de nota. Não se trata, diz ele, de optar entre o nazismo e o comunismo. Pelo contrário, trata-se de evitar um e outro mal. E as democracias o conseguirão fazer se se armarem de tal maneira contra o Sr. Hitler e os países satélites, que esmaguem o nazismo e ao mesmo tempo consigam pôr em eclipse o valor da cooperação soviética. Com efeito, o prestígio dos sovietes em caso de derrota do III Reich decorrerá sobretudo da importância considerável dos triunfos soviéticos para a liquidação militar do nazismo. Caso, entretanto, as democracias lutem com tanto vigor e conquistem tais êxitos que lhes caibam as primeiras palmas da vitória, torna-se óbvio que o conflito teuto-russo não passará de um episódio secundário.

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Registramos comovidos a carta paternal dirigida pelo Santo Padre Pio XII ao presidente da República da Polônia, atualmente exilado em Londres. Nessa carta, que só por si já confirma que o Vaticano continua a reconhecer o governo polonês e portanto não dá como "fato consumado" e definitivo a ocupação nazista da Polônia, Sua Santidade diz: "As saudações que o Presidente da República da Polônia nos expressou, em nome da nação polonesa, encontram profundo eco em nosso paternal coração. Particularmente, sentimos as mágoas daqueles que agora estão sofrendo. Enviamos, pois, nossa bênção apostólica como prova do conforto de Deus e auxílio que clamamos, tanto para a nação polonesa, que é tão querida por nós, como para V. Excia". Ao mesmo tempo, o augusto Vigário de Jesus Cristo fazia distribuir víveres e mantimentos fornecidos pelo Vaticano aos prisioneiros polacos localizados na Alemanha, Itália, Estônia e França.

Por aí se vê todo o afetuoso interesse que a Santa Igreja dedica à fidelíssima nação polonesa! E implicitamente toda a reprovação que sente quanto à ocupação da Polônia pelas tropas pagãs do nazismo.

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Em certos órgãos da imprensa diária começou a se esboçar um movimento contra a realização de festejos carnavalescos neste ano.

A medida nos parece acertadíssima. No meio das agruras, das angústias, dos tormentos dos dias que correm, dá provas de uma lamentável inconsciência quem sente ânimo para cuidar de carnaval. Em quase todos os Continentes corre copiosamente o sangue humano. O mundo vive horas cruciais de sua História, e os rumos dos futuros séculos parecem depender do que a geração contemporânea decidir. A civilização cristã está ameaçada. Napoleão disse a seus soldados que, do alto das pirâmides, 40 séculos os contemplavam. De certo modo, nossa responsabilidade ainda é maior. O gênero de barbárie que se trata de combater hoje em dia não é apenas uma barbárie pagã: é uma barbárie diabólica. Toda a sabedoria, toda a cultura e toda a arte dos países pagãos anteriores a Jesus Cristo, cuja obra a Igreja longe de destruir elevou e imortalizou; todas as expectativas dos Profetas que clamavam pela Redenção de todo o gênero humano; todo o sangue de nossos mártires; toda a santidade de tantas almas que no decurso da História têm subido à honra dos altares; as vigílias de tantos doutores; o amor de tantos apóstolos; tudo isto, todo esse imenso tesouro natural e sobrenatural está como que depositado em nossas mãos! Se o fizermos vencer, transmitiremos esse inestimável caudal de valores para os séculos vindouros. Se não o fizermos vencer, esse tesouro será inútil para milhões de almas, não produzirá talvez a plenitude de seus frutos durante dezenas de séculos. E Nosso Senhor bem poderia nos pedir contas por tal derrota, fazendo-nos a pergunta terrível que se lê na Escritura: Qualis utilitas in sanguine meo? Que utilidade houve em meu sangue?

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A este propósito, uma advertência. Muitas pessoas costumam esconder seu comodismo e sua tibieza atrás de um pretexto inteiramente vão quando se lhes diz qualquer coisa neste sentido. Costumam elas alegar que a Igreja recebeu de Nosso Senhor a promessa da indefectibilidade, pelo que podemos contemplar de braços cruzados e olhar sereno a tormenta contemporânea: a Igreja não morrerá.

Graças a Deus, é certo que a Igreja jamais morrerá. Mas, francamente, essa alegação está longe de apagar nosso zelo, acalmar nossas dores, mitigar nossa dolorosa solicitude. Para nós, isto não basta. Não queremos, não podemos e não devemos nos contentar com a idéia de ver a Santa Igreja reduzida às dimensões mínimas para que não minta a infalível promessa de Deus. Nem o zelo pela glória de Deus, nem o zelo pela salvação das almas se acomoda diante desta terrível perspectiva. Cada um de nós tem um papel na obra da salvação das almas, e nenhum de nós, diante da perspectiva de milhões e milhões de homens serem tragados pelo materialismo ou pelo neo-paganismo, pode ficar com os braços cruzados, perguntando como Caim: "Sou eu porventura responsável por meu irmão?"

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A este respeito, um caso edificante nos ocorre. Certo Cardeal da Cúria Romana negociou uma vez uma concordata entre a Áustria e o Vaticano. A fim de ter sempre em mente suas imensas responsabilidades nessa tarefa, e dada sua convicção de que, de uma concordata perfeita, poderia resultar a salvação e santificação de um grande número de almas, escreveu ele em um papel a frase da Escritura: In manus tuas sortes meae. À força de manusear esse papel, de ler a todo o momento a terrível frase que ela continha, tornou-se ele inteiramente amarelo. Anos depois, o Prelado falecia, e seus íntimos não julgaram que pudessem dar a Pio XI relíquia melhor do que essa. E Pio XI pronunciou sobre o fato uma comovida e substanciosa alocução.

Nesse momento de mobilização geral das forças católicas, em quantos e quantos dedos, em lugar da terrível frase da Escritura, se encontram os folhetos de canções carnavalescas! É este um procedimento digno de católicos? Nas grandes calamidades públicas, os povos antigos se flagelavam. Não ouso propor tanto. Mas ao menos não provoquemos a ira de Deus com os copiosos pecados do carnaval.