Legionário, N.º 460, 6 de julho de 1941

7 DIAS EM REVISTA

Indiscutivelmente o fato mais importante da semana foi a famosa alocução pronunciada pelo Santo Padre.

Nesta quadra em que são tantos e tão tormentosos os acontecimentos que afetam, do modo mais profundo, a salvação das almas, é evidente que o Santo Padre muito teria que dizer à Cristandade, aflita e ameaçada.

E quanto mais claras fossem suas palavras, tanto mais fecundo seria seu efeito.

Ora, o que se nota na alocução Pontifícia é que o Vigário de Cristo se sentiu na contingência de falar somente por meio de alusões, mais ou menos veladas.

A conseqüência que daí se infere é muito clara: o Santo Padre não sente plena segurança para o exercício de seu soberano direito de pregar a todos os povos.

De onde vem o risco que o Sumo Pontífice, em benefício dos gravíssimos interesses, cuja guarda lhe está confiada, se sente na obrigação de evitar?

A III Internacional foi sempre, para o Catolicismo, um inimigo capital, cujo extermínio ardentemente desejou. Neste momento, uma grande potência investe contra esse inimigo, e faz proclamar por seus órgãos de propaganda que é o desejo de defender a Civilização Cristã que a move à luta.

Diante de um fato de tão grande importância, seria normal que o Santo Padre se pronunciasse, abençoando francamente o novo Constantino e levantando de modo altivo o estandarte da guerra santa (...).

O Santo Padre fez precisamente o contrário. Em lugar de falar, calou-se. E, por seu silêncio recusou as palavras de aprovação que lhe foram pedidas.

Onde, pois, a autenticidade desta guerra santa que o Representante de Jesus Cristo se recusa a reconhecer?

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Contraria toda a verosimilhança a hipótese de que o Santo Padre, reconhecendo embora a natureza da guerra santa no conflito nazi-soviético, tenha julgado prudente calar-se a fim de evitar profundos ressentimentos e, quiçá, um cisma dos católicos ingleses.

Esta hipótese pressupõe uma injuriosa convicção de que a adesão da Hierarquia Eclesiástica da Inglaterra ao trono de S. Pedro é mais frágil do que a paixão nacionalista. Tal convicção, aliás, suporia uma ignorância radical do temperamento inglês, que assistiu impassível aos infames “meetings” pacifistas, promovidos pela 5ª coluna em Londres; que assistiu com toda naturalidade o Parlamento exigir a reintegração dos artistas contrários à guerra nos estúdios da BBC, e que depois de ter feito, por muito tempo, do guarda-chuva do Sr. Chamberlain um símbolo nacional, continua a tratar o Sr. Rudolf Hess como hóspede de eleição, enquanto prossegue a destruição sistemática de Londres.

Vemos pois o que se deve pensar sobre o risco que a unidade da Igreja teria corrido caso o Santo Padre descontentasse os interesses britânicos.

Por outro lado, a imprensa fascista vem movendo na Itália uma retumbante propaganda no sentido de persuadir ao povo italiano de que a guerra contra a Rússia é realmente uma luta sagrada. Para tanto, não tem os porta-vozes do fascismo poupado nem “manchetes”, nem artigos, nem sonoros ditirambos. Evidentemente, esta atitude se destinava em torno da já pronunciada alocução pontifícia um ambiente de ardorosa expectativa nacionalista. Assim, caso o Sumo Pontífice não satisfizesse os interesses nazistas abençoando a guerra contra a Rússia, teria de arcar com todos os inconvenientes que decorrem das grandes decepções populares. Ora, Pio XII, que tão ternamente ama a Itália, não receou arcar com esta dolorosa conseqüência, mas inseriu em seu discurso trechos bastante significativos para contrariar as paixões suscitadas pela imprensa fascista.

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A este propósito convém notar que o Santo Padre, não tendo receio de, com sua digníssima atitude, descontentar a acender um cisma entre o povo italiano, prova assim que não era um cisma inglês perigo bastante forte para o fazer calar.

Aliás, é para nós um indizível contentamento poder afirmar com santa euforia que nem um nem outro cisma terá a menor possibilidade, e que, a seus filhos da Itália e da Inglaterra, pode o Santo Padre dizer tudo quanto seu dever e seu zelo lhe inspirarem, sem ter de recear a menor indisciplina.

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Assim, pois, não é das fileiras católicas que procedeu qualquer razão capaz de aconselhar ao Santo Padre a atitude tão prudente, se bem que ao mesmo tempo tão eloqüente, por ele assumida.

A verdade dos fatos aí está bem clara, demonstrando que hoje, como no tempo de S. Pedro, a palavra de Deus não pode ser acorrentada. Hoje, como no primeiro século, a Igreja encontra meios para vencer o furor dos Césares, proclamando com precisão a Verdade, sem contudo fornecer aos grandes do dia pretextos para perseguições ou represálias.

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Confirma-se assim a atitude do “Legionário”, que sempre afirmou que a Igreja é irredutível e totalmente oposta ao comunismo, mas, ao mesmo tempo, não pode praticar com o nazismo a política da “main tendue”.

Não poderia ao menos o Papa preferir um mal menor a um outro maior, ou seja, o nazismo ao comunismo? Evidentemente sim. E por isto mesmo se prova que, se o Papa não preferiu o nazismo, não considera mal menor.

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De tudo quanto ficou dito se deduz para nós um dever imperioso. Ficou bem patente a nossos olhos a extrema complexidade dos problemas com que o Santo Padre se defronta. E, por isto, nosso amor entusiástico e incondicional ao Papa nos deve levar a orar insistentemente, piedosamente por ele, hoje mais do que nunca.