Infelizmente a realidade vem confirmando as
opiniões externadas por esta folha acerca da resistência britânica. Tais
opiniões se resumem em que muito se tem feito, muito se tem conseguido, muito
heroicamente se tem lutado nos arraiais ingleses mas, apesar de tudo, persistem
em alguns círculos militares e diplomáticos britânicos resquícios do espírito chamberlainesco com seu triste cortejo de “imprevidências”, “ingenuidades” e “lamentáveis coincidências”.
O que se passou em Creta é, disto, uma prova
muito eloqüente. Os próprios jornais ingleses, refletindo o clamor da opinião pública,
fizeram a este respeito considerações que não temos senão que transcrever, a fim
de confirmar inteiramente o que o “Legionário” tem dito.
De todos os comentários que conhecemos, nenhum foi
mais característico que o do “Dally Telegraph”. Escreveu esta folha: “Essa encarniçada batalha terá
lugar de destaque nos anais de nossa história militar. A importância de Creta
deveria ser óbvia aos nossos chefes militares que operavam naquela região.
Nossas forças ocupavam Creta desde novembro último. Durante meses, sabíamos que
os alemães iam atacar os Balcãs. Entretanto quando a “Luftwaffe” se atirou contra Creta, a RAF “estava sem nenhuma
base segura e teve que se retirar. Essa lição nos faz ver claramente a
necessidade de uma produção crescente de armas necessárias.”
Na realidade, o jornal inglês não exprimiu tudo que
apresentou de surpreendente a defecção de Creta. Como explicar que a RAF
tivesse sido forçada a se retirar do campo das operações por falta de bases,
enquanto os nazistas souberam fazer bases de pouso improvisadas, e desembarcar
assim em abundância soldados e material?
Não é preciso ser muito perspicaz para perceber
que, mais de uma vez, o “espírito de Munich”, que não foi de todo sufocado na Inglaterra, continua a oferecer ao Sr. Hitler as mais preciosas
vantagens.
* * *
Tudo isto levou o circunspecto e sentencioso “Times” a afirmar que há efetivamente “alguns pontos obscuros na
direção dessa campanha em miniatura”, o que eqüivale a afirmar que alguns dos
lances da luta a respeito de Creta se conservam, até o presente momento, inexplicados.
A imprensa soviética também se permitiu o malicioso
prazer de glosar os fatos. O jornal “Trud”, órgão sindical soviético, publicou um artigo do Sr. Ivanof, membro da Academia de Ciências da infeliz Rússia, em que
o articulista acentuava que “o comando militar britânico do Oriente Próximo
teve Creta à sua disposição durante 6 meses, a contar da entrada da Grécia na guerra, mas
negligenciou, por assim dizer, na fortificação dessa importante posição
estratégica”. E mais adiante acrescenta: “Não foi estabelecida na ilha de Creta
qualquer defesa do litoral, nem antiaérea de qualquer espécie ou valor. Havia apenas 3 aeródromos, os quais eram,
entretanto, abertos e não dispunham de proteção. Em virtude da retirada dos poucos
aviões de caça britânico existentes na ilha, as tropas aliadas e a base naval
da baía de Suda foram deixadas
quase sem proteção”.
Não se tem a impressão de que é o Sr. Chamberlain quem ainda dirige as operações militares?
* * *
Se acentuamos tudo isso é evidente que não o
fazemos com o propósito de enfraquecer a confiança geral na resistência
inglesa. É preciso que se compreenda de uma vez por todas - e esta lição é
preciso para o mundo inteiro - que os sucessos obtidos pelas armas totalitárias
resultam ao menos tanto da imprevidência, da cegueira, da ingenuidade, ou
melhor, da pseudo-imprevidência, da pseudo-cegueira, da pseudo-ingenuidade
de elementos que favorecem o jogo dos totalitários do outro lado das
trincheiras em que estes se encontram, quanto da técnica que os exércitos
nazistas tem sabido demonstrar.
Evidentemente, não fazemos com isto qualquer
acusação pessoal. Houve um grande erro, um erro tão grande que não se pode
explicar por um simples defeito técnico. De quem a culpa? Estamos por demais
longe do teatro das operações para poder julgar. É possível que ela não caiba
às pessoas que à primeira vista seriam apontadas como responsáveis, mas a
personagens do segundo plano, cujo vulto só mais tarde a história discernirá.
Entretanto, a verdade é a verdade: Creta foi “inexplicavelmente” perdida a
despeito do heroísmo verdadeiramente épico de seus defensores.
* * *
Continuam cordialíssimas as relações teuto-russas. Por isto, deixou a Rússia de reconhecer os
governos da Grécia, Iugoslávia, Noruega e Bélgica, que foram forçados a abandonar Moscou, pois que, não reconhecendo mais os comunistas os
governos desses países, reconhecendo a conquista alemã, as missões diplomáticas
daqueles representantes tinham automaticamente cessado.
Confere.
* * *
Não faltam pessoas que pretenderam que o
“Legionário”, manifestando seu radical ceticismo quanto ao governo de Vichy, estava tomando uma
atitude incompatível com o brio e o patriotismo dos verdadeiros franceses.
Todos os dias, entretanto, chegam-nos novas
notícias de briosos e valentes militares franceses que, envergando a gloriosa
farda do exército da França, se insurgem contra a nazificação
daquele país e se integram no movimento do General De Gaulle. Em nossa última edição, referimo-nos ao Coronel Collet. Hoje, temos a dar notícia de que vários aviadores
franceses do exército da Síria, que haviam recebido ordem para atacar os aviões
britânicos, alcançaram vôo e foram pousar em campos ingleses, onde se
integraram na luta contra o nazismo.
Tais militares não haviam tomado antes essa
atitude, pois que até aquela data os franceses estavam proibidos, pelas
autoridades italianas, de levantar vôo em aviões militares.