Legionário, N.º 456, 8 de junho de 1941

7 DIAS EM REVISTA

Infelizmente a realidade vem confirmando as opiniões externadas por esta folha acerca da resistência britânica. Tais opiniões se resumem em que muito se tem feito, muito se tem conseguido, muito heroicamente se tem lutado nos arraiais ingleses mas, apesar de tudo, persistem em alguns círculos militares e diplomáticos britânicos resquícios do espírito chamberlainesco com seu triste cortejo de “imprevidências”, “ingenuidades” e “lamentáveis coincidências”.

O que se passou em Creta é, disto, uma prova muito eloqüente. Os próprios jornais ingleses, refletindo o clamor da opinião pública, fizeram a este respeito considerações que não temos senão que transcrever, a fim de confirmar inteiramente o que o “Legionário” tem dito.

De todos os comentários que conhecemos, nenhum foi mais característico que o do “Dally Telegraph”. Escreveu esta folha: “Essa encarniçada batalha terá lugar de destaque nos anais de nossa história militar. A importância de Creta deveria ser óbvia aos nossos chefes militares que operavam naquela região. Nossas forças ocupavam Creta desde novembro último. Durante meses, sabíamos que os alemães iam atacar os Balcãs. Entretanto quando a “Luftwaffe” se atirou contra Creta, a RAF “estava sem nenhuma base segura e teve que se retirar. Essa lição nos faz ver claramente a necessidade de uma produção crescente de armas necessárias.”

Na realidade, o jornal inglês não exprimiu tudo que apresentou de surpreendente a defecção de Creta. Como explicar que a RAF tivesse sido forçada a se retirar do campo das operações por falta de bases, enquanto os nazistas souberam fazer bases de pouso improvisadas, e desembarcar assim em abundância soldados e material?

Não é preciso ser muito perspicaz para perceber que, mais de uma vez, o “espírito de Munich”, que não foi de todo sufocado na Inglaterra, continua a oferecer ao Sr. Hitler as mais preciosas vantagens.

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Tudo isto levou o circunspecto e sentencioso “Times” a afirmar que há efetivamente “alguns pontos obscuros na direção dessa campanha em miniatura”, o que eqüivale a afirmar que alguns dos lances da luta a respeito de Creta se conservam, até o presente momento, inexplicados.

A imprensa soviética também se permitiu o malicioso prazer de glosar os fatos. O jornal “Trud”, órgão sindical soviético, publicou um artigo do Sr. Ivanof, membro da Academia de Ciências da infeliz Rússia, em que o articulista acentuava que “o comando militar britânico do Oriente Próximo teve Creta à sua disposição durante 6 meses, a contar da entrada da Grécia na guerra, mas negligenciou, por assim dizer, na fortificação dessa importante posição estratégica”. E mais adiante acrescenta: “Não foi estabelecida na ilha de Creta qualquer defesa do litoral, nem antiaérea de qualquer espécie ou valor.  Havia apenas 3 aeródromos, os quais eram, entretanto, abertos e não dispunham de proteção. Em virtude da retirada dos poucos aviões de caça britânico existentes na ilha, as tropas aliadas e a base naval da baía de Suda foram deixadas quase sem proteção”.

Não se tem a impressão de que é o Sr. Chamberlain quem ainda dirige as operações militares?

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Se acentuamos tudo isso é evidente que não o fazemos com o propósito de enfraquecer a confiança geral na resistência inglesa. É preciso que se compreenda de uma vez por todas - e esta lição é preciso para o mundo inteiro - que os sucessos obtidos pelas armas totalitárias resultam ao menos tanto da imprevidência, da cegueira, da ingenuidade, ou melhor, da pseudo-imprevidência, da pseudo-cegueira, da pseudo-ingenuidade de elementos que favorecem o jogo dos totalitários do outro lado das trincheiras em que estes se encontram, quanto da técnica que os exércitos nazistas tem sabido demonstrar.

Evidentemente, não fazemos com isto qualquer acusação pessoal. Houve um grande erro, um erro tão grande que não se pode explicar por um simples defeito técnico. De quem a culpa? Estamos por demais longe do teatro das operações para poder julgar. É possível que ela não caiba às pessoas que à primeira vista seriam apontadas como responsáveis, mas a personagens do segundo plano, cujo vulto só mais tarde a história discernirá. Entretanto, a verdade é a verdade: Creta foi “inexplicavelmente” perdida a despeito do heroísmo verdadeiramente épico de seus defensores.

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Continuam cordialíssimas as relações teuto-russas. Por isto, deixou a Rússia de reconhecer os governos da Grécia, Iugoslávia, Noruega e Bélgica, que foram forçados a abandonar Moscou, pois que, não reconhecendo mais os comunistas os governos desses países, reconhecendo a conquista alemã, as missões diplomáticas daqueles representantes tinham automaticamente cessado.

Confere.

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Não faltam pessoas que pretenderam que o “Legionário”, manifestando seu radical ceticismo quanto ao governo de Vichy, estava tomando uma atitude incompatível com o brio e o patriotismo dos verdadeiros franceses.

Todos os dias, entretanto, chegam-nos novas notícias de briosos e valentes militares franceses que, envergando a gloriosa farda do exército da França, se insurgem contra a nazificação daquele país e se integram no movimento do General De Gaulle. Em nossa última edição, referimo-nos ao Coronel Collet. Hoje, temos a dar notícia de que vários aviadores franceses do exército da Síria, que haviam recebido ordem para atacar os aviões britânicos, alcançaram vôo e foram pousar em campos ingleses, onde se integraram na luta contra o nazismo.

Tais militares não haviam tomado antes essa atitude, pois que até aquela data os franceses estavam proibidos, pelas autoridades italianas, de levantar vôo em aviões militares.