Legionário, N.º 421, 6 de outubro de 1940

7 DIAS EM REVISTA

Constitui documento da mais alta transcendência, e da mais oportuna significação, o decreto assinado pelo Presidente da República, acerca do IV Centenário da benemérita e gloriosa Companhia de Jesus.

Transcrevamo-lo:

“Considerando que a Companhia de Jesus, durante os primeiros séculos da história do Brasil, constituiu a mais vigorosa força espiritual da colonização, espalhando a fé que se tornou comum, imprimindo à sociedade em formação a disciplina moral que perdurou, organizando a educação em todos os seus aspectos, segundo métodos e diretrizes que possibilitaram a existência de uma cultura nacional do mais alto sentido; considerando que tamanha obra realizada com amor, dedicação, sacrifício, é reconhecida pelos historiadores brasileiros, como base, das mais importantes, da civilização nacional, o Presidente da República decreta:

“Artigo único. Consideram-se nacionais as homenagens que ora se prestam em todo o país a Companhia de Jesus por motivo da comemoração do 4 Centenário de sua fundação, e a ela se associa o governo federal.”

* * *

Um punhado de pequenas notícias nacionais:

a) continua a estruturação na Universidade de São Paulo, da associação protestante que se apresenta sob o rótulo de “associação cristã de universitários”;

b) a imprensa diária deu ampla divulgação à seção suplementar que os jornalistas espíritas desta capital realizaram na sede da Associação Paulista de Imprensa. Na presidência da seção foi a pedido dos jornalistas espíritas, convidado o sr. Dr. José Maria Lisboa, Presidente da A.P.I. , em cuja sede a reunião se realizava. Fez-se representar por pessoa de seu gabinete, em caráter oficial, o sr. Dr. Adhemar de Barros, interventor Federal;

c) a “Gazeta” trouxe a notícia com a fotografia, de um sacerdote persa, que veio fazer propaganda de sua religião no Brasil.

* * *

Um telegrama desta semana informa-nos de que foi reaberta, no Louvre, à visitação pública, a seção de esculturas de grandes proporções. O Conde Wolf Metterich, “protetor alemão da arte francesa”, informou que as outras seções seriam reabertas logo que fosse possível.

“protetor alemão da arte francesa”... o título merece registro.

É por mais doloroso o incidente de Dakar, para que dele nos ocupemos muito pormenorizadamente. O fato apresentou, entretanto, um aspecto que não queremos deixar de acentuar: navios franceses conseguiram transpor o estreito de Gibraltar, e foram estes navios, que dificultaram a conquista de Dakar!

 Como foi iludida a este propósito a vigilância inglesa em Gibraltar? Quem pode não pensar em 5a coluna, diante de um fato como este?

* * *

Seja qual for o desfecho que tenha a ofensiva nazista contra a Inglaterra, um fato é incontestável: o malogro de todas as tentativas até agora desfechadas pelo Estado Maior do Sr. Hitler contra as Ilhas Britânicas.

Falou-se muito em invasão. O próprio governo inglês pareceu atribuir muita plausibilidade a este perigo. Os raids aéreos foram terríveis. Entretanto, até o presente momento, nenhum resultado positivo conseguiram obter os esforços germânicos.

Pode ser que se pronuncie ainda um ou vários ataques contra a Inglaterra. Uma coisa é entretanto indiscutível: a grande investida nazista fracassou, e nada leva a crer que, dentro do atual panorama político e militar, outra investida conte com maiores possibilidades de êxito.

* * *

“Dentro do atual panorama político e militar”, acentuamos. Porque duas grandes hipóteses ainda continuam de pé. Estas hipóteses, que não se excluem, mas reciprocamente se completam, podem perfeitamente imprimir aos fatos um rumo espetacular e inesperado, acarretando uma mudança súbita de toda a situação. A presente guerra foi fecunda em mudanças assim. A invasão da Noruega e da Dinamarca, o desabamento da Holanda que ruiu como um castelo de cartas, a capitulação de Leopoldo III, a façanha de Pétain, o que foi tudo isto, senão uma série de “surpresas” que alteraram em favor dos nazistas panoramas que o exclusivo emprego da força militar teuta não teria sido suficiente para operar? Em outros termos, todos estes episódios que coisa foram senão rápidas modificações levadas a cabo pela 5ª coluna para superar obstáculos que a força armada nazista não poderia vencer?

Ora, modificações como estas não podem ser reputadas impossíveis no caso inglês. Se não fosse a 5ª coluna, julgaríamos a guerra já perdida pela Alemanha. Mas a 5ª coluna torna sempre possível uma brusca alteração no panorama interno inglês. E, por isto, julgamos que Hitler tem muito mais a esperar dos banqueiros, jornalistas e parlamentares da 5ª coluna, por ela alimentados em Londres, do que de sua força armada, ou mesmo dos pára-quedistas, que seus aviões tem semeado em todo o solo inglês. Em um brusco golpe da 5ª coluna consiste a primeira hipótese.

* * *

Convém acrescentar que há outra hipótese em cena: uma brusca alteração do mapa europeu. Seria este, por exemplo, o caso de um ataque inesperado da Espanha a Gibraltar. Tal ataque, franqueando a saída do Mediterrâneo à esquadra fascista, daria a investida do “eixo” contra a Grã-Bretanha uma plausibilidade muito maior do que a que ora existe, tornando possível um ataque em massa à Inglaterra.

Fora de uma ou outra hipótese, não pensamos que haja perigos a temer.

* * *

O “Legionário” sempre apontou o Sr. Neville Chamberlain, o incontestável “leader” dos elementos nazistizantes da Inglaterra, o aliado 1 do Sr. Hitler, aquele que, de todos, lhe era o mais fiel, o mais constante, e sobretudo o mais útil.

Seria, pois, lógico que nos rejubilássemos com sua saída do governo, tanto mais que o ex-premier inglês, tido e havido geralmente como “moderado”, constituía em um gabinete de guerra a mais clamorosa das aberrações. Jamais se poderá compreender como, estando Londres sob a ação de um bombardeio incessante e dramático, enquanto a população era condenada a passar noites inteiras nos abrigos subterrâneos, e as famílias se dilaceravam, quer pela morte dos que estavam no front e das vítimas civis dos bombardeios, quer pelo êxodo trágico das crianças que saiam para o Canadá, havia ainda quem fosse “moderado” no gabinete. A saída do Sr. Chamberlain se impunha, se não por respeito à opinião pública inglesa, ao menos em homenagem ao sangue e as lágrimas que a guerra tem feito verter, e que não podem constituir para a civilização um sacrifício inútil.

* * *

Entretanto, confessamos que esta saída já não nos tranqüiliza. É preciso em primeiro lugar, acentuar que o fracasso de Dakar ocasionou na opinião pública britânica uma reação profunda, expressa através de um verdadeiro dilúvio de críticas acerbas dirigidas pela imprensa contra o governo. O tom geral dos comentários era de uma acrimônia extrema, que bem mostrava que os ingleses não estavam dispostos a suportar por mais tempo fiascos como estes. Não teria sido necessário sacrificar ao furor da opinião pública uma vítima expiatória? Qual seria? Evidentemente aquele a quem geralmente mais se tem responsabilizado pelo insucesso inglês: o Sr. Neville Chamberlain. Daí sua queda.

Por outro lado, entretanto, não nos esqueçamos de que a manobra na França foi muito clara. Quando Gamelin - um verdadeiro Chamberlain fardado, que nunca fez de sua espada uso muito diverso do guarda-chuva - se tornou por demais impopular graças a seus inconcebíveis insucessos, foi-se buscar o velho Pétain, para chefiar o exército francês. E foi atrás do vulto marcial do “Herói de Verdun”, que se urdiu e se executou o golpe derradeiro contra a França. As dragonas de Pétain serviram para acobertar uma situação que, criada por Gamelin, jamais teria sido suportada. E o “herói de Verdun” se transformou no “ancião de Vichy”.

* * *

Ora receamos que um “gabinete de guerra” escoimado dos elementos moderados e pacifistas que outrora diminuíam seu prestigio perante a opinião, venha a acobertar de modo mais eficaz e completo uma capitulação que seria por demais clamorosa ser feita em um ministério de que fizesse parte o longo e seco “herói do guarda-chuva”. É um receio. Mas, hoje em dia, viver é prever, e prever é não raras vezes recear...

* * *

Não podemos deixar, tratando de 5a coluna, de nos referir ao longo encontro que tiveram os Srs. Hitler e Mussert, na semana que hoje finda. Mussert não é um estranho para os leitores do “Legionário”: já nos ocupamos pormenorizadamente dele, quando da invasão da Holanda. É ele o chefe dos fascistas holandeses, e implicitamente, o chefe da 5a coluna. O que é a 5a coluna? Seriam muito e muito ingênuos os que supusessem que ela se compõe exclusivamente de elementos estrangeiros. Os mais importantes, os mais perigosos, para não dizer os únicos realmente perigosos e importantes, são os nacionais que, arregimentados nesta ou aquela agremiação, fazem o jogo do nazismo. É esta a verdadeira 5a coluna.

O que foram tramar juntos os dois “leaders” totalitários?