Legionário, N.º 419, 22 de setembro de 1940

7 DIAS EM REVISTA

O mundo tem assistido nos últimos meses a um espetáculo histórico sem igual. Em plena guerra, quando a aviação inimiga flagela duramente os principais portos e cidades da Inglaterra, mais de uma vez a Câmara dos Comuns e a dos Lords, em suas reuniões, tem empregado um tempo não pequeno em discutir se não estão sendo excessivas as medidas de prevenção tomadas pelo governo inglês contra os estrangeiros estabelecidos na Grã-Bretanha, inclusive os que são naturais de países que se encontram em conflito com o Império.

Pode ser que alguns espíritos acadêmicos achem isto bonito. Enquanto o nazismo enche os campos de concentração do Reich e estende sobre os países por ele conquistados os grilhões da mais absoluta tirania, a Inglaterra, majestosamente tranqüila atrás de suas defesas naturais e de sua marinha de guerra, ao mesmo tempo que luta para exterminar a tirania na Europa, leva a tal ponto a coerência com seus próprios princípios, que evita de exercer contra os estrangeiros residentes em seus limites a menor violência.

Confiante no vigor de seus recursos militares, quer ela vencer a luta com absoluto fair-play, e, certa da vitória, desdenha os recursos extremos para confiar tão somente na justiça de sua causa e na bravura de seus filhos. Tudo isto é muito bonito, e cumpre acrescentar que não faltam entre nós os poetas capazes de se alheiar de tal maneira da realidade, que cheguem efetivamente a considerar as coisas sob este ponto de vista.

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A têmpera do “Legionário” é inteiramente outra. Graças a Deus, não falta a nosso jornal suficiente nobreza de espírito para compreender que, se fosse realmente tão segura a situação inglesa, que estes meios pudessem desdenhar, seria digna dos mais entusiásticos aplausos a atual conduta inglesa.

Entretanto, ter nobreza de espírito não consiste em forjar com a imaginação situações que não existam, e depois agir elegantemente em função desta suposta realidade. A Inglaterra atravessa agora a maior tormenta de sua História. Em torno de Gibraltar, se adensam nuvens das mais ameaçadoras, e a queda daquela fortificação dará livre trânsito à esquadra italiana para auxiliar o III Reich na luta contra Albion. As tropas italianas conquistam no Egito vantagens cada vez mais significativas, e a segurança do estreito de Suez já não é incontestável. Ninguém ignora a debilidade do poderio inglês na Índia. À vista de tudo isto, quem não percebe que a Inglaterra está em vias de perder grande parte de seu Império, e, com ele, os meios para manter sua resistência? É esta a realidade e é em função desta realidade, e não de quimeras, que se deve agir.

Mas há ainda outra realidade: é a quinta coluna. Depois de se ter visto que a Noruega, a Dinamarca, a Bélgica e a França, uma por uma, ruíram muito mais sob a pressão tenebrosa da quinta coluna do que pela força armada do III Reich, a qual em certos casos nem precisou entrar em ação, quem pode ignorar que as medidas de prevenção contra os estrangeiros pertencentes a nações não beligerantes se devem revestir de uma severidade extrema? Quem não percebe que é uma traição aos combatentes que, no ar e no mar, sacrificam sua vida pela Pátria, permitir que na retaguarda o joio da quinta coluna torne inúteis os seus esforços e até a efusão de seu sangue?  Quem não percebe que não resulta de nobreza de espírito, mas de felonia ou incrível ingenuidade, agir com uma benignidade estulta em relação aos inimigos, enquanto jorra com abundância sangue dos defensores da Pátria e até das populações civis?

Se é elegância de espírito chegar a uma conseqüência tão singular, será preciso pedir ao Senhor que nos livre de tal elegância.

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Como explicar então que na quinta-feira p. passada, quando Londres se cobria cada vez mais de ruínas, e a ameaça de um bombardeio iminente pairava sobre a cidade, a Câmara dos Comuns estivesse discutindo a situação dos estrangeiros residentes na Inglaterra, e manifestando seu receio de que talvez tivesse sido cerceada sem necessidade a liberdade de movimento de alguns súditos de outros países?

Era este o dever mais urgente? Era esta a preocupação mais imediata para a salvação da Pátria em perigo? Era este o problema que mais de perto ameaçava os interesses vitais do Império? Evidentemente não. Não percebeu a Câmara o que apresentava de surpreendente sua atitude? É o que seria difícil responder.

Uma coisa, entretanto, é certa: aos dirigentes ingleses não falta talento para perceber isto que qualquer homem  de inteligência mediana pode perfeitamente calcular.

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Como, então, explicar fato tão surpreendente? É simples: o “espírito de Munich” nos dá a chave de tudo. É aquele espírito de cegueira, de imprevidência, de moleza, aquele espírito que é, na melhor das hipóteses, a negação completa de todas as virtudes cardeais que explica o fato.

O Sr. Chamberlain ainda continua no governo... e onde está ele como onde estavam os antigos políticos franceses do grupo de Munich, a Alemanha podia contar com todas as facilidades.

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Isto posto, como explicar que o governo Pétain esteja processando atualmente alguns “leaders” franceses pertencentes ao famoso “bloco de Munich”?  A resposta, já a demos no último número. Basta-nos, a este propósito, acentuar um fato interessante. Telegrama desta semana transmitiu as acusações capitais movidas contra o Sr. Blum. Há muitas, porém não figura: conservando os braços cruzados por ocasião da anexação da Áustria à Alemanha, o Sr. Blum, então presidente do Conselho de Ministros, prestou ao Sr. Hitler um inestimável concurso. Como ninguém ignora, foi a anexação da Áustria o ponto de partida da série de catástrofes que culminaram agora com a derrocada da França. Mas isto não é culpa...

E então que pensar deste julgamento?