Legionário, N.º 411, 28 de julho de 1940

7 DIAS EM REVISTA

Finalmente a hipocrisia soviética deixou cair a máscara e manifestou sem rebuços os verdadeiros propósitos da III Internacional quanto aos países bálticos.

Há meses atrás, a Rússia forçara a Lituânia, a Estônia e a Letônia a assinarem tratados de “aliança” em virtude dos quais aqueles três pequenos países passavam a ser virtualmente protetorados de Moscou. Agora, a “aliança” deixou de existir e foi substituída pela anexação pura e simples das infelizes [nações bálticas] ao gigante bolchevista.

Evidentemente, a III Internacional teve o cuidado de preparar uma encenação bem feita, e por isto fez com que a anexação fosse votada pelos parlamentos interessados. Mas só um ingênuo poderia iludir-se quanto à autenticidade do mandato nacional desses parlamentos e, em conseqüência, quanto à lisura dessa anexação.

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Não haveria, aliás, mandato nacional algum que se pudesse apresentar revestido dos poderes suficientes para incorporar um país a outro, quando dessa incorporação resultasse a implantação do regime soviético na região anexada. O regime soviético representa a violação de todos os direitos naturais e divinos, e o voto popular jamais poderia ser considerado razão suficiente para justificar essa violação. Assim, pois, admitindo-se ainda a existência de um voto popular no caso da Lituânia, Estônia e Letônia, coisa que nem sequer cego admitirá, ainda assim, dizíamos, a anexação é de todo em todo injusta, imoral e ilegítima.

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Como era de esperar, a bolchevisação dos três países foi imediata. Telegramas da agência oficial alemã D.N.B. anunciam que toda a superfície da terra da Letônia se tornou propriedade da nação, por decisão aprovada no “parlamento”. Cada camponês terá direito a uma certa extensão de hectares, confiscada aos que possuíam terras em quantidade superior à permitida pelos bolchevistas. Todos os possuidores deverão considerar-se meros inquilinos do Estado, que é tido como único proprietário do solo. Foram também confiscados grandes bancos e empresas industriais e comerciais.

Por outro lado, de Kovno foi oficialmente informado que, em conseqüência da anexação, a Lituânia passará a se reger pela constituição de Stalin.

E assim se consuma, por meio de injustiças as mais revoltantes, a bolchevização das margens do Báltico.

Os telegramas já anunciam que a Rússia dirigiu um ultimatum à Finlândia, obrigando-a a dissolver seu exército. Quem não vê neste ultimatum uma manobra para mais uma “deglutição”?

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Enquanto isto se passava, as potências ocidentais, que deveriam formular seus protestos em nome da civilização, pareceram não atender ao fato. É que os Srs. Hitler e Halifax estavam trocando florinhas de piedade, em seus discursos, tendo sido tanto e tão grande o calor religioso de parte a parte, que não foi possível distrair a atenção desse amável torneio para olhar, ainda que por momentos, para os progressos do ateísmo no Báltico.

De futuro, os historiadores se rirão a bandeiras despregadas, do duelo de piedosa oratória com que os dois estadistas entretiveram o mundo. Duas grandes farsas em um só torneio! Os Srs. Hitler e Halifax são inimigos: é esta a primeira farsa. Os Srs. Hitler e Halifax muito se importam com a civilização cristã e a Providência de que tanto falaram: é esta a segunda farsa.

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Na guerra de 1914-1918, um fenômeno relativamente freqüente foi a perda da memória de certos combatentes, feridos no cérebro. A guerra presente provoca fenômenos destes, não em indivíduos mas em massas inteiras de população e isto sem o menor ferimento! A incapacidade do público para raciocinar a respeito dos fatos é simplesmente espantosa. Quando o acontecimento ocorre, o público o examina superficialmente. Passam dois meses ou três, o acontecimento caiu em um olvido completo, e a opinião pública se encontra em uma espécie de paralisia mental para analisar os fatos presentes à luz dos passados, por mais próximos que estes sejam.

Halifax, como Chamberlain, como Daladier, é um “homem de Munich”, isto é, pertence àquela famosa camarilha de políticos que, de defecção em defecção, de “ingenuidade” em “ingenuidade”, de “coincidência singular” em “coincidência singular”, conduziu a França e a Inglaterra à situação em que se encontram. Na Inglaterra, o clamor público continua a acusar a Chamberlain (j’aime Berlin [eu gosto de Berlim], como dizia espirituosamente o povo parisiense, deformando ligeiramente a pronúncia do nome Chamberlain) e Halifax de simpatizantes da Alemanha. E, realmente, não há por onde escapar: ou são os homens mais ineptos do mundo, ou são bons amigos do Sr. Hitler. E é com o Sr. Halifax, que o Sr. Hitler tem um duelo oratório! Realmente faria rir, se não desse antes vontade de chorar.

E quanto à piedade! O que a piedade pode significar para o Sr. Hitler, bem o sabemos. Seria uma honra para o perseguidor da Igreja na Alemanha supor-se sequer que seja necessário algum argumento para provar a inconsistência de sua verbosidade religiosa. E quanto ao Sr. Halifax, basta saber-se que é um “homem de Munich” para se compreender que ele não tem sequer aquele leve senso das coisas cristãs que um pouco de convicções religiosas pode dar!

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Esta ordem de idéias nos conduz naturalmente a outro assunto. Como os telegramas já explicaram largamente, a nazificação da França prossegue a passos acelerados não apenas pela reforma das instituições, mas pela perseguição nazista aos franceses que se recusarem a pertencer ao “grupo de Munich” ou à quinta coluna.

A França conheceu um terror vermelho durante a Revolução. Mais tarde houve o movimento aliás altamente salutar, operado durante a restauração e ao qual se deu o nome de terror branco. Hoje a França está começando a passar por um terror pardo, já que o pardo é a cor dos nazistas, como o vermelho é dos revolucionários e o branco dos monarquistas autênticos.

Durante o terror vermelho mataram-se os anti-liberais. O terror pardo se destina a destroçar os modernos sucessores dos liberais, os anti-totalitários.

Evidentemente, esse terror precisava de um rótulo. Seria um suicídio para o governo Pétain proclamar que as perseguições judiciais seriam feitas contra os anti-totalitários. Era preciso arranjar uma fórmula, para designar os homens de bem sem reconhecer oficialmente que eles eram homens de bem. E então arranjou-se esta: “Os homens que levaram a França à guerra e foram responsáveis por sua derrota”. A fórmula tem duas partes. A primeira se refere à responsabilidade pela declaração da guerra, a segunda é responsabilidade pela derrota. Examinemo-las.

Quem, na França, poderia ser contrário à declaração da guerra? Só os que queriam um novo Munich, isto é, uma nova capitulação depois da queda da Polônia, capitulação esta que munisse a Alemanha de recursos mais seguros e mais eficazes para atacar finalmente a França. Em outros termos, contra a guerra só poderiam ser os indivíduos dotados do “espírito de Munich”.

Ora, quais eram os responsáveis pela derrota senão esses mesmos indivíduos? Quem dirigiu toda a primeira fase da guerra? Dois homens eminentemente “municheanos”. Daladier e Gamelin, isto é, duas figuras de tal maneira adeptas dos “munichs” de toda a ordem que tiveram que deixar os postos por imposição da opinião pública.

Dois homens que aplicaram à sua moda o conselho de Dom João VI a Dom Pedro I, e declararam a guerra ao Sr. Hitler antes que subissem ao poder outros mais violentos que a declarassem com furor ainda maior. Foi um delíquio de amor que Daladier declarou guerra à Alemanha.

Que se processassem esses homens de Munich, responsáveis pela derrota, é cabível. Mas que se processassem também os responsáveis pela guerra é inconcebível.

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Na realidade, não acreditamos que nada aconteça ao Sr. Daladier. Seu processo será “pro forma”. Mas o futuro dirá quanta gente, depois do processo “pro forma” do Sr. Daladier, será envolvida nisto.

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Um diário desta Capital publicou uma reportagem de I. Wolfert, jornalista que viajou da Europa para os Estados Unidos em companhia de ilustres refugiados políticos franceses. Esses refugiados prestaram interessantes declarações sobre o estado de espírito do Marechal Pétain.

Contou um deles que “no dia 18 de Maio, uma semana antes do rei Leopoldo da Bélgica capitular, Pétain disse ao Presidente Lebrun que tudo estava perdido. O Presidente Lebrun respondeu: “O Sr. se refere à Bélgica?” E Pétain disse com sofreguidão: “Não, à França também. Precisamos capitular quanto antes; de agora em diante não será uma guerra, será um massacre.” Note-se bem que estas palavras foram pronunciadas uma semana antes da capitulação de Leopoldo III. E antes da capitulação Leopoldo conversou com Pétain. Depois de ter notado no generalíssimo francês um tal estado de espírito, quem não explica perfeitamente o gesto do soberano?

Mais adiante, acrescentaram os informantes que “no dia 16 de junho último, uma sessão do gabinete se realizou, a última presidida por Reynaud, e teve lugar em Bordeaux. Posto a votos se a França deveria continuar a guerra ou não, a continuação foi resolvida por maioria. Então, “por autêntico putch palaciano” os elementos contrários à guerra, entre os quais Pétain e Weygand, mandaram prender os favoráveis à continuação, e espalharam por toda a parte a notícia da rendição.

São esses ministros contrários à capitulação que vão ser processados pelos favoráveis à capitulação, como sendo responsáveis pela derrota.