Finalmente a hipocrisia soviética deixou cair a
máscara e manifestou sem rebuços os verdadeiros propósitos da III Internacional
quanto aos países bálticos.
Há meses atrás, a Rússia forçara a Lituânia, a Estônia e a Letônia a assinarem
tratados de “aliança” em virtude dos quais aqueles três pequenos países
passavam a ser virtualmente protetorados de Moscou. Agora, a “aliança” deixou
de existir e foi substituída pela anexação pura e simples das infelizes [nações
bálticas] ao gigante bolchevista.
Evidentemente, a III Internacional teve o cuidado
de preparar uma encenação bem feita, e por isto fez com que a anexação fosse
votada pelos parlamentos interessados. Mas só um ingênuo poderia iludir-se
quanto à autenticidade do mandato nacional desses parlamentos e, em
conseqüência, quanto à lisura dessa anexação.
* * *
Não haveria, aliás, mandato
nacional algum que se pudesse apresentar revestido dos poderes suficientes para
incorporar um país a outro, quando dessa incorporação resultasse a implantação
do regime soviético na região anexada. O regime soviético representa a violação
de todos os direitos naturais e divinos, e o voto popular jamais poderia ser
considerado razão suficiente para justificar essa violação. Assim, pois,
admitindo-se ainda a existência de um voto popular no caso da Lituânia, Estônia
e Letônia, coisa que nem sequer cego admitirá, ainda assim, dizíamos, a
anexação é de todo em todo injusta, imoral e ilegítima.
* * *
Como era de esperar, a bolchevisação
dos três países foi imediata. Telegramas da agência oficial alemã D.N.B.
anunciam que toda a superfície da terra da Letônia se tornou propriedade da
nação, por decisão aprovada no “parlamento”. Cada camponês terá direito a uma
certa extensão de hectares, confiscada aos que possuíam terras em quantidade
superior à permitida pelos bolchevistas. Todos os possuidores deverão
considerar-se meros inquilinos do Estado, que é tido como único proprietário do
solo. Foram também confiscados grandes bancos e empresas industriais e
comerciais.
Por outro lado, de Kovno
foi oficialmente informado que, em conseqüência da anexação, a Lituânia passará a se reger
pela constituição de Stalin.
E assim se consuma, por meio de injustiças as mais
revoltantes, a bolchevização das margens do Báltico.
Os telegramas já anunciam que a Rússia dirigiu um ultimatum à
Finlândia, obrigando-a a dissolver seu exército. Quem não vê neste ultimatum uma
manobra para mais uma “deglutição”?
* * *
Enquanto isto se passava, as potências ocidentais,
que deveriam formular seus protestos em nome da civilização, pareceram não
atender ao fato. É que os Srs. Hitler e Halifax estavam trocando florinhas de piedade, em seus discursos, tendo sido tanto e
tão grande o calor religioso de parte a parte, que não foi possível distrair a
atenção desse amável torneio para olhar, ainda que por momentos, para os
progressos do ateísmo no Báltico.
De futuro, os historiadores se rirão a bandeiras
despregadas, do duelo de piedosa oratória com que os dois estadistas
entretiveram o mundo. Duas grandes farsas em um só torneio! Os Srs. Hitler e Halifax são inimigos: é esta a primeira farsa. Os Srs.
Hitler e Halifax muito se importam com a civilização
cristã e a Providência de que tanto falaram: é esta a segunda farsa.
* * *
Na guerra de 1914-1918, um fenômeno relativamente
freqüente foi a perda da memória de certos combatentes, feridos no cérebro. A
guerra presente provoca fenômenos destes, não em indivíduos mas em massas
inteiras de população e isto sem o menor ferimento! A incapacidade do público
para raciocinar a respeito dos fatos é simplesmente espantosa. Quando o
acontecimento ocorre, o público o examina superficialmente. Passam dois meses
ou três, o acontecimento caiu em um olvido completo, e a opinião pública se
encontra em uma espécie de paralisia mental para analisar os fatos presentes à
luz dos passados, por mais próximos que estes sejam.
Halifax, como Chamberlain, como Daladier, é um “homem de Munich”, isto
é, pertence àquela famosa camarilha de políticos que, de defecção em defecção,
de “ingenuidade” em “ingenuidade”, de “coincidência singular” em “coincidência
singular”, conduziu a França e a Inglaterra à situação em que se encontram. Na
Inglaterra, o clamor público continua a acusar a Chamberlain
(j’aime Berlin [eu
gosto de Berlim], como dizia espirituosamente o povo parisiense, deformando
ligeiramente a pronúncia do nome Chamberlain) e Halifax de simpatizantes da Alemanha. E, realmente, não há
por onde escapar: ou são os homens mais ineptos do mundo, ou são bons amigos do
Sr. Hitler. E é com o Sr. Halifax, que o Sr. Hitler
tem um duelo oratório! Realmente faria rir, se não desse antes vontade de
chorar.
E quanto à piedade! O que a piedade pode significar
para o Sr. Hitler, bem o sabemos. Seria uma honra para o perseguidor da Igreja
na Alemanha supor-se sequer que seja necessário algum argumento para provar a
inconsistência de sua verbosidade religiosa. E quanto ao Sr. Halifax, basta saber-se que é um “homem de Munich” para se compreender que ele não tem sequer aquele
leve senso das coisas cristãs que um pouco de convicções religiosas pode dar!
* * *
Esta ordem de idéias nos conduz naturalmente a
outro assunto. Como os telegramas já explicaram largamente, a nazificação da França prossegue a passos
acelerados não apenas pela reforma das instituições, mas pela perseguição
nazista aos franceses que se recusarem a pertencer ao “grupo de Munich” ou à quinta coluna.
Durante o terror vermelho mataram-se os anti-liberais. O terror pardo se destina a destroçar os
modernos sucessores dos liberais, os anti-totalitários.
Evidentemente, esse terror precisava de um rótulo.
Seria um suicídio para o governo Pétain proclamar que
as perseguições judiciais seriam feitas contra os anti-totalitários.
Era preciso arranjar uma fórmula, para designar os homens de bem sem reconhecer
oficialmente que eles eram homens de bem. E então arranjou-se esta: “Os homens
que levaram a França à guerra e foram responsáveis por sua derrota”. A fórmula
tem duas partes. A primeira se refere à responsabilidade pela declaração da
guerra, a segunda é responsabilidade pela derrota. Examinemo-las.
Quem, na França, poderia ser contrário à declaração da guerra? Só os que
queriam um novo Munich, isto é, uma nova capitulação
depois da queda da Polônia, capitulação esta que munisse a Alemanha de recursos mais
seguros e mais eficazes para atacar finalmente a França. Em outros termos,
contra a guerra só poderiam ser os indivíduos dotados do “espírito de Munich”.
Ora, quais eram os responsáveis pela derrota senão
esses mesmos indivíduos? Quem dirigiu toda a primeira fase da guerra? Dois
homens eminentemente “municheanos”. Daladier e Gamelin, isto é, duas figuras de tal maneira adeptas dos “munichs” de toda a ordem que tiveram que deixar os postos
por imposição da opinião pública.
Dois homens que aplicaram à sua moda o conselho de
Dom João VI a Dom Pedro I, e declararam a guerra ao Sr. Hitler antes que subissem
ao poder outros mais violentos que a declarassem com furor ainda maior. Foi um
delíquio de amor que Daladier declarou guerra à
Alemanha.
Que se processassem esses homens de Munich, responsáveis pela derrota, é cabível. Mas que se
processassem também os responsáveis pela guerra é inconcebível.
* * *
Na realidade, não acreditamos que nada aconteça ao
Sr. Daladier. Seu processo será “pro
forma”. Mas o futuro dirá quanta gente, depois do processo “pro
forma” do Sr. Daladier, será envolvida nisto.
* * *
Um diário desta Capital publicou uma reportagem de
I. Wolfert, jornalista que viajou da Europa para os
Estados Unidos em companhia de ilustres refugiados políticos franceses. Esses
refugiados prestaram interessantes declarações sobre o estado de espírito do
Marechal Pétain.
Contou um deles que “no dia 18 de Maio, uma semana
antes do rei Leopoldo da Bélgica capitular, Pétain disse ao Presidente
Lebrun que tudo estava
perdido. O Presidente Lebrun respondeu: “O Sr. se
refere à Bélgica?” E Pétain disse com sofreguidão:
“Não, à França também. Precisamos capitular quanto antes; de agora em diante
não será uma guerra, será um massacre.” Note-se bem que estas palavras foram
pronunciadas uma semana antes da capitulação de Leopoldo III. E antes da
capitulação Leopoldo conversou com Pétain. Depois de
ter notado no generalíssimo francês um tal estado de espírito, quem não explica
perfeitamente o gesto do soberano?
Mais adiante, acrescentaram os informantes que “no
dia 16 de junho último, uma sessão do gabinete se realizou, a última presidida
por Reynaud, e teve lugar em Bordeaux.
Posto a votos se a França deveria continuar a guerra ou não, a continuação foi
resolvida por maioria. Então, “por autêntico putch palaciano” os elementos
contrários à guerra, entre os quais Pétain e Weygand, mandaram prender os favoráveis à continuação, e
espalharam por toda a parte a notícia da rendição.
São esses ministros contrários à capitulação que
vão ser processados pelos favoráveis à capitulação, como sendo responsáveis
pela derrota.