Legionário, N.º 405, 16 de junho de 1940

7 DIAS EM REVISTA

Entrando na guerra ao lado da Alemanha, a Itália confirmou todas as previsões desta folha. Se há um ano atrás, a França e a Inglaterra constituíam com a Rússia uma tríplice aliança, entente contra a qual se erguiam as forças coligadas do eixo Roma-Berlim, e a propaganda fascista denunciava ao mundo inteiro as democracias como bolchevisantes por sua escandalosa ligação com os sovietes. Nessa ocasião, o “Legionário” já sustentava a plena inconstância da luta entre o totalitarismo da direita e o da esquerda. Segundo as previsões desta folha, dia viria em que os fatos demonstrariam esta tese, e o mundo ainda assistiria a aliança de uma e outra ideologia. Veio, finalmente, o pacto Ribbentrop-Stalin, e de lá para cá nosso ponto de vista tem recebido da realidade a mais plena confirmação.

Se disséssemos há um ano atrás que, firmado um pacto como o que atualmente existe entre a Rússia e a Alemanha, nenhuma trinca se observaria no eixo Roma-Berlim, teríamos recebidos de certos elementos críticas furiosas, segundo as quais estaríamos caluniando o fascismo. Hoje, que o fato se deu, alguns elementos que nos chamavam caluniadores, justificam a atitude do governo fascista...

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Nesta época  de nacionalismos exacerbados, o “Legionário” timbra em se conservar católico, isto é universal no mais amplo sentido desta palavra. Exatamente por isto, timbra em mostrar que nenhum preconceito racista, isto é pró ou contra certa nação, ou certa raça, anima seus comentários. Indiferente às questões políticas de interesse meramente temporal, preocupado exclusivamente com a exaltação da Santa Madre Igreja, que é seu anseio de todos os momentos, o “Legionário” jamais consentiria em ser contrário a qualquer povo considerado como tal. Lamentando os erros em que certos elementos de certo povo possam incidir, e qual o povo hoje em dia que não tenha “certos elementos” imersos em erros profundos, o “Legionário” não pode deixar de se lembrar de que Deus é o Pai das misericórdias que, castigando embora os povos, chama-os entretanto para o caminho da penitência que os levará ao céu. Não há povos intrinsecamente bons ou intrinsecamente maus. Desagradar-se de uma raça por ser ela especialmente, irremediavelmente má, é entrar em colisão com a doutrina católica e pactuar com o ultra-nacionalismo moderno.

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Por aí se compreende como andam errados os que pensam que o “Legionário” é inimigo deste ou daquele povo. Acusados de anti-germânicos porque somos inimigos do nazismo, de anti-italianos porque denunciamos a solidariedade doutrinária entre o fascismo e o nazismo, de anti-russos porque nos colocamos contra a expansão comunista, do lado da Polônia e da Finlândia; também fomos tidos em outros arraiais por anti-franceses, e isto em duas ocasiões: quando esta folha moveu, há anos atrás, vigorosa campanha contra o então chefe do governo, Leon Blum e quando demonstrou os erros (...) inomináveis praticados pelos “homens de Munich”.

Nossa atitude de imparcialidade não poderia ser compreendida pelos que se deixaram elucidar por um mal compreendido nacionalismo. Mas a própria diversidade destas críticas reciprocamente as destroi, e estabelece uma flagrante analogia entre nossa situação e a do Santo Padre Bento XV, acusado pelos alemães de francófilo, e pelos franceses de germanófilo. Só muito mais tarde é que a humanidade lhe prestou o tributo de sua justa veneração.

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Honra seja feita, porém, aos católicos estrangeiros aqui residentes, pois que essas incompreensões foram sempre parciais, e nunca nos faltaram amigos franceses, alemães ou italianos que tenham sabido compreender que nunca fomos contrários a seus respectivos países.

Já temos dito mil vezes que não somos anti-alemäes nem anti-franceses. Hoje queremos repetir que não somos anti-italianos.

Raciocinemos. Ser anti-italiano é odiar o povo italiano como tal. Odiá-lo como tal é odiá-lo por ser tal, e isto por ser italiano. Logo, este ódio deveria atingir indistintamente todos os italianos. Ora, o Santo Padre é italiano, a maioria dos membros do Sacro Colégio Cardinalício é de italianos, quase toda a Cúria Romana recruta nas fileiras do Clero italiano seus elementos. Os Núncios de Sua Santidade são quase sempre italianos, etc., etc. Logo, ser anti-italiano por tal e como tal seria odiar os elementos que na Hierarquia Católica se encontram colocados pela Divina Providência nos lugares de maior responsabilidade e autoridade, e por isto mesmo merecem dos fiéis mais veneração e mais amor.

Como, pois, poderia um católico ser anti-italiano?

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O “Legionário” não é ultra-nacionalista. Isto não impede, porém, que não consinta que ninguém o exceda em patriotismo. O ultra-nacionalismo não se deve confundir com o patriotismo do qual é apenas a caricatura. Ora, se um católico não pode ser anti-italiano e a fortiori não o pode ser um católico brasileiro. De fato, são tão visíveis os benefícios que nossa Pátria auferiu com a imigração italiana e tão íntimos os laços culturais que, ligando-nos à latinidade, nos ligam também à Itália, que seria uma aberração um brasileiro anti-italiano.

A verdade é a verdade, e deve ser dita como ela é: a Alemanha nazista está aliada à Rússia soviética, e a Itália fascista está aliada à Alemanha nazista. Deste fato, surpreendente para muitos, tirem todas as conseqüências competentes. Isto, entretanto, não importa em que consintamos que nos chamem de inimigo de um povo em cujo território quis a Providência engastar a jóia mais preciosa que existe neste mundo: a Santa Sé.

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A este propósito, seja-nos lícito acentuar que nossa oposição ao ultra-nacionalismo vai mais longe. Aproveitamos aqui a oportunidade para, em nome dessa hostilidade que é santa, repudiar os ataques injustos que certos ultra-nacionalistas brasileiros - que felizmente são poucos - tem dirigido ao Clero estrangeiro aqui residente. Este Clero - no qual figuram, aliás, de modo quantitativo e qualitativamente tão apreciável, elementos italianos - tem prestado a nosso país os mais inestimáveis benefícios espirituais e até temporais, e somente uma ingratidão criminosa poderia apontar nele um instrumento de desagregação de nossa Pátria.

O ultra-nacionalismo gera toda espécie de desequilíbrios. E, enquanto leva certos elementos a identificar sua pátria de origem com os homens ou regimes ali existentes, leva certos brasileiros a um chauvinismo que seria estúpido se não fosse pior do que isto: criminoso.

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 Este ultra-nacionalismo é, aliás, fonte de outros erros também. Entre eles, se aponta a irritação que sentem certos elementos por ser recrutada entre italianos a maioria dos membros do Sacro Colégio, e terem sido sempre italianos os últimos Papas.

Só mesmo os desvarios do ultra-nacionalismo poderiam levar pessoas bem intencionadas a formular considerações desta ordem.

Basta olhar para a atual situação da Santa Sé na Itália para se compreender de modo inexcedivelmente claro a alta sabedoria com que anda a Igreja ao proceder por esta forma. E basta isto, também, para fazer compreender claramente os perigos de um ultra-nacionalismo que, apresentando-se a princípio com a roupagem sedutora de um patriotismo ardente, acaba por se transformar em um câncer que corroe nas suas mais íntimas fibras os laços sagrados que vinculam todos os povos da terra ao indefectível trono do Pontífice Romano.