Notícias provenientes da Europa na semana passada
informaram ao público brasileiro a respeito de providências tomadas pelas
autoridades fascistas no sentido de cercear, na Itália, a liberdade de manifestação
do “Osservatore Romano”, órgão da Santa Sé. O motivo apontado foi a atitude
assumida por aquele jornal perante a situação internacional. O mesmo motivo
tinha sido alegado, dias antes, para explicar o fato de terem elementos
fascistas incendiado em plena rua, em Roma, exemplares daquele diário.
Infelizmente, os telegramas não foram bastante
explícitos, e, dando embora a certeza da existência de fortes medidas
restritivas, não esclarecem se a circulação do jornal chegou também a ser
afetada.
Entretanto, o fato oferece outros aspectos que não
podemos deixar de comentar.
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O “Osservatore Romano” queimado em plena via
pública, na Capital da Cristandade, e coarctado em sua liberdade de expressão
por toda a península italiana! Se há alguns anos, ou simplesmente há alguns
meses atras, o “Legionário” tivesse previsto a ocorrência deste fato, com que
indignação truculenta os elementos fascistas não teriam-nos
acusado de injustiça e até de má fé! Hoje, no entanto, o fato aí está patente,
gritante, indiscutível. E estes mesmos elementos que se teriam irritado com uma
possível previsão nossa neste sentido, agora fazem ouvidos moucos, calam-se e
continuam a pensar e a agir como se estes fatos não se tivessem verificado.
Não percebem eles a clamorosa incoerência existente
em sua conduta? Tanta é verdade que essa ofensiva oficiosa ou oficial contra o
“Osservatore” é importante, que eles se teriam irritado imensamente se nós a
tivéssemos prenunciado. Mas se é importante, por que não se irritam eles com o
fascismo pela atitude que este assume agora?
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Infelizmente, não faltarão elementos que procurarão
explicar o fato, e até justificá-lo dizendo que o governo italiano se viu
obrigado a proceder desta forma porque o Santo Padre está agindo com base em
informações inverídicas. Daí também a irritação de
elementos fascistas, que os fez chegar a ponto de incendiar escandalosamente o
órgão do Vaticano.
Tal atitude é indigna de um católico. Permitam-nos
os nossos leitores uma reminiscência histórica. Não foi Lutero quem apelou “de
Papa mau informado ad papam melius informadum”, e queimou em público as bulas pontifícias?
Naquele tempo, ainda não existia o “Osservatore”, e só havia bulas para
queimar...
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O que de tais incidentes se depreende com uma
clareza meridiana - e seria preciso ser cego e surdo
para não chegar também, por outras vias, à mesma conclusão - é que a orientação
política do fascismo está em profunda divergência com a Igreja. A Itália se arvorou em
aliada de um bloco ideologicamente absolutamente anticatólico,
como seja o eixo totalitário Moscou-Berlim e apoia em
sua solidariedade moral, e quiçá militar, acontecimentos dignos de indignar
qualquer consciência reta, como seja a invasão da Holanda, da Bélgica e do
Luxemburgo. A Igreja, profundamente ferida com a expansão do paganismo e do
ateísmo teuto-russo na Europa, também se sentiu
magoada ao último ponto com a transgressão violenta e escandalosa de todas as
regras internacionais por parte do III Reich, por ocasião da invasão da
Dinamarca, Noruega, Holanda, Bélgica e Luxemburgo. Assim, a divergência é
profunda e a situação existente entre o Vaticano e a Praça Veneza é das mais
tensas.
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A esta altura, é da maior oportunidade uma
verificação. Espíritos superficiais ou mal intencionados censuram,
freqüentemente, o fato de se compor de uma forte maioria de italianos o Sacro
Colégio dos Cardeais, e de ultimamente só serem eleitos Papas italianos.
A delicadíssima situação em que atualmente se
encontra o Vaticano mostra, porém, que nenhuma injunção
de caráter nacionalista seria capaz de levar o supremo governo da Igreja a
renunciar ao seu dever para favorecer a Itália. Por outro lado, estando confiado a um Papa italiano e a
Cardeais em sua maioria italianos o governo da Santa Igreja, torna-se evidente
que esta [quando] se vê na obrigação de contrariar a política do governo
italiano, fá-lo a contra gosto, no cumprimento árduo de um penoso dever, e sem
se deixar influenciar por considerações outras que não as de caráter
estritamente religioso.
Quantas e que profícuas explorações poderia fazer a
imprensa fascista se o Papa fosse por exemplo francês!
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Merecem registro os seguintes tópicos publicados
pelo “Osservatore”, tópicos estes que talvez tenham concorrido para irritar as
autoridades fascistas, porque nada dói mais à consciência impenitente do que a
verdade dita com desassombro apostólico: “A iniciativa germânica não pode ser
beneficiada com nenhuma justificativa baseada em princípios de civilização
pacífica. Os acontecimentos atuais nada mais constituem que uma triste
repetição de tristes precedentes. A Bélgica e a Holanda mantiveram sua
neutralidade com rigidez e escrúpulo, confirmando as palavras do Presidente do
Conselho belga e as múltiplas declarações holandesas de que manteriam a sua
neutralidade como tomariam as armas se fossem atacados.”
“A terrível agressão germânica é contrária aos
princípios expostos por Pio XII. A ação alemã é inconciliável com as regras de direito
positivo e internacional e contradiz os ensinamentos da paz, que proclamam o
direito de existência e independência de todas as nações grandes ou pequenas.”
“Que Deus, perdoando, faça aparecer mais claramente
o seu poder, que disperse o turbilhão de mortos que pesa sobre a humanidade
remida e que triunfe no mundo e faça voltar a paz entre os povos e as nações.”
* * *
Quando da anexação da Áustria pela Alemanha, esta
folha publicou um trabalho (...), em que historiando os acontecimentos que, de
longe ou de perto, preludiaram a hecatombe em que soçobrou o heróico governo do
imortal Schuschnigg, denunciou a trama diabólica urdida nos bastidores da
política pelos inimigos da Igreja, e apontou tanto os direitistas pretensamente anti-maçônicos
quanto a corte liberal, socialistas e comunistas como instrumentos de execução
desta trama.
Dissemos, naquela ocasião, que os governos francês
e inglês poderiam ter evitado o advento de Hitler se tivessem concedido à
Alemanha condições de existência mais benignas e que uma das causas profundas,
se não a causa única, da queda da democracia liberal na Alemanha é que esta
estava sendo governada pelo Partido Católico, tinha no poder o catolicíssimo
sr. Bruning, e, assim, não convinha de nenhum modo aos altos
interesses localizados nos bastidores da política, que lhes preferiram, “et pour cause”,
o paganismo nazista.
É curioso ouvir da boca do Sr. Lloyd
George a confirmação desta
verdade. Discursando há dias na Câmara dos Comuns, disse ele que “havia, na
Alemanha, um governo democrático, e foi porque não cumprimos nossos
compromissos para com ele que Hitler subiu ao poder do
Reich.” O que o Sr. Lloyd George
não disse, é que este governo democrático era católico.
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Transcrevemos, finalmente, este telegrama altamente
significativo, a respeito da atitude do “Osservatore Romano”.
“A invasão da Bélgica, do Luxemburgo e da Holanda pela
Alemanha inspira novamente considerações amargas ao “Osservatore Romano” que
analisa principalmente os aspectos políticos e jurídicos do golpe de força do
“Reich” e salienta, à luz de documentos antigos e recentes, a má fé e o caráter
particularmente odioso dessa ação.
“Osservatore Romano” lembra as declarações solenes
pelas quais o “Reich” se comprometeu reiteradas vezes, e principalmente no início
do conflito, a respeitar a integridade dos três países hoje atacados.
“Salienta os esforços patentes e múltiplos
desenvolvidos principalmente pela Bélgica para não dar motivo
à mínima ameaça de invasão por parte dos seus vizinhos. Lembra a recusa
sistemática dos governos de Bruxelas e de Haya em
procurar qualquer contato de seu Estado Maior com a França e a Grã-Bretanha e
ressalta a “linguagem brutal e insolente do memorandum alemão no qual se nota
analogias com o “ultimatum”
de 1914.
“O órgão do Vaticano refere-se em seguida à
proclamação do rei dos belgas e ao discurso do Sr. Spak, ministro dos Negócios Estrangeiros da Bélgica, dos quais
reproduzem as frases essenciais ressaltando a altivez e a nobreza.
“O conflito atual - termina o “Osservatore Romano”
- arrastou ao turbilhão três povos ciosos de sua paz e que trabalhavam para a paz.
Esses povos, cujo único fim é defender seus próprios lares, são castigados pelo
terror que cai sobre eles.
“A generosidade de seus sacrifícios é a única chama
que brilha numa noite tão escura”.