Depois da crise francesa, veio a crise inglesa.
Descontente a opinião pública na França com a política
exterior e inércia militar do governo, a queda do ministério se impunha como
uma conseqüência forçosa. E a demissão de Daladier teve repercussão
desfavorável sobre a situação de Chamberlain, que também se vê agora a braços com a oposição crescente
de seus patrícios.
De há muito, o “Legionário” vinha acentuando a
pusilanimidade, a curteza de vistas e a inércia sistemática de Daladier e de Chamberlain. Certos
estrangeiros aqui residentes se magoaram com nossa atitude. Imaginaram eles
candidamente que, em tempo de guerra, o melhor que se tem é fechar sempre os
olhos para todos os disparates governamentais, a fim de não por em risco a
unanimidade da opinião pública. Há nisto um ilogismo
fundamental. Quando se trata de questões secundárias esta atitude é um dever.
Mas quando a orientação do governo é tal que ele caminha inevitavelmente para a
derrota (um “novo Munich” seria apenas uma derrota
disfarçada), deixá-lo seguir seu curso livremente, só para evitar cisão na
opinião pública, seria apenas acompanhá-lo no caminho do abismo. Neste caso,
uma reação se imporia. E foi esta reação que o “Legionário” preconizou, e a
opinião franco-inglesa está realizando.
* * *
A este propósito, cabe entretanto um comentário. Os
telegramas desta semana anunciaram que o Sr. Bonnet, ex-ministro do gabinete Daladier,
está chefiando um movimento de oposição ao Sr. Reynaud, por achar errônea a orientação de firmeza que alguns
gestos deste último tem deixado até certo ponto transparecer... relativamente.
Acrescentam os comunicados telegráficos que o Sr. Bonnet
é favorável a um “nova Munich”. É incompreensível
como possa um francês ser favorável a um tal desfecho para a atual guerra.
Só uma cegueira que transpusesse os limites da
normalidade poderia chegar a explicar esta atitude. Tome-se qualquer francês
médio, ou mesmo de ínfima extração social: ele urraria de indignação diante da
perspectiva de uma capitulação diplomática disfarçada. Será possível que os
inconvenientes claríssimos deste desfecho para a atual guerra, perceptíveis
para qualquer homem da rua, não firam a atenção de um parlamentar experimentado
dos negócios públicos e que já esteve à testa de uma das mais importantes
pastas ministeriais?
* * *
Paralelamente a este gesto do Sr. Bonnet, deve ser assinalada a atitude do Sr. Chamberlain. O “premier” inglês, diante da onda crescente de
descontentamento que sua política vai suscitando, não quis, entretanto,
reformar o ministério. Se ele tivesse o propósito de dar um caráter sério à
atual guerra, não lhe seria difícil incluir no ministério os homens que a
opinião aponta como os únicos capazes de arcar com as responsabilidades do
momento. Ao menos, ser-lhes-ia fácil dar lugar de maior saliência aos Srs.
Churchill e Eden, pessoas que parecem
dotadas de todas as qualidades para tocar avante as operações militares desde
que o queiram fazer. Esses dois políticos já fazem parte do ministério, mas em
condições tão secundárias, que qualquer ação energicamente propulsionadora da
guerra está fora de seu alcance. O Sr. Chamberlain
teria um meio simplicíssimo de desarmar a oposição nas fileiras de seu próprio
partido, e não nas linhas oposicionistas, encontraria ele os homens que fariam
calar todos os protestos. Por que, então, não os chama ele ao governo? Se ele
quer fazer a guerra, por que não desarma a oposição, dando deste seu propósito
garantias seguras? E se ele não quer fazer a guerra, por que não o declara,
francamente? E por que não há de querer fazê-la?
* * *
Devemos acolher como uma manobra vulgar a notícia
de que Monsenhor Godfroy, representante do Santo Padre em Londres, teria
comunicado ao Vaticano, a pedido do Foreign Office, a inquietação deste por motivo dos progressos que
está fazendo a opinião católica nos Balcãs. O Ministério do Exterior da
Inglaterra teria alegado que a
conversão de importantes massas cismáticas à Santa Igreja acarretaria uma forte
preponderância italiana naquela península, o que, evidentemente, não
favoreceria a Inglaterra.
Em primeiro lugar, é pouco provável que o Monsenhor
Godfroy se incumbisse de transmitir tal recado. Qual
seria seu objetivo? Que a Santa Sé deixasse de chamar os cismáticos à comunidade
da Santa Igreja? Isto seria o absurdo dos absurdos. Em segundo lugar, é muito
questionável que a conversão dos cismáticos tivesse como conseqüência um
fortalecimento da influência italiana. As razões que para tanto se pudessem
alegar teriam contra si o argumento muito forte de que mais de uma vez os
prelados cismáticos tem servido de instrumentos nas mãos do nazismo. É este,
por exemplo, o caso do clero cismático iugoslavo, que sob pressão do Sr. Hitler
se opôs tenazmente à concordata do governo sérvio com
a Igreja. Pelo contrário, os Prelados católicos não podem deixar de considerar
com apreensão um aumento da influência totalitária.
Finalmente, o Sr. Chamberlain,
o pacífico, inerte, otimista, inocente, tranqüilo, despreocupado Sr. Chamberlain, que dorme tão bem em Londres apesar da
concentração das tropas alemãs no Reno, teria motivos de sobressaltos sérios
ante esta simples hipótese de uma consolidação da influência italiana nos
Balcãs.