Estão terminadas as hostilidades russo-finlandesas. O “Legionário”, fiel à sua norma de
reivindicar em tudo e por tudo os direitos da Santa Igreja Católica, não pode
deixar de manifestar sua mágoa profunda pelo modo por que cessou o conflito. A
magnífica epopéia finlandesa provou ao mundo inteiro o valor militar da pequena
república báltica, e a vergonhosa impotência do
exército vermelho. Entretanto, a desproporção de forças era por demais
sensível. E alguns dos territórios finlandeses, exatamente aqueles que
suportaram o peso da guerra e foram o teatro dos maiores lances de heroísmo das
tropas do Gal. Mannerheim, passam agora para o bolchevismo.
Assim a hidra do ateísmo deglutirá populações
inteiras, subvertendo nas consciências as mais elementares idéias religiosas,
transtornando a ordem jurídica e social, e martirizando por todos os modos
possíveis aqueles que se conservarem hostis ao bolchevismo.
Apraza a Deus que nesta luta nova e ainda mais
terrível, que se abre agora para as populações conquistadas, elas saibam
demonstrar um heroísmo não menor do que no campo de batalha.
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Durará esta paz? Só Deus poderá dizê-lo. Uma séria
apreensão nos assalta neste momento. Incorporada ao território soviético
precisamente a parte do território finlandês que se revelou tão dificilmente
acessível às tropas invasoras, pelos obstáculos naturais e militares ali
existentes, a nova fronteira da Finlândia com os limites
inteiramente desguarnecidos de defesas naturais, que o exército soviético
poderá transpor amanhã sem dificuldade.
Neste último caso, a única coisa que restará à
Finlândia, em matéria de garantias, será a palavra soviética. E o mundo inteiro
sabe, hoje, do que vale a palavra totalitária.
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Registramos a este propósito as últimas declarações
do “Osservatore Romano”. O órgão da Santa Sé, pouco antes de ser assinado o
armistício, predisse que a paz se verificaria em breve na Finlândia, e
acrescentou que se tratava de uma paz tão vergonhosa que todos os círculos
políticos tinham constrangimento em se referir a ela. Era a paz entre o lobo e
o cordeiro...
O órgão do Vaticano mostrou como se aplicavam no caso
as graves palavras do Papa em uma alocução que pronunciou: “certo que a espada
pode ditar condições de paz, mas a espada não tem o poder de criar a paz”. A
paz, di-lo Pio XII em seu formoso
lema, “opus justitiae”,
[é] fruto da justiça. Só a justiça pode criar a verdadeira paz. A paz criada
com flagrante violação de todas as normas de justiça não é senão uma trégua oprobriosa para o vencedor, que cessará dia mais dia menos,
quando o vencido desembainhar novamente a espada da justa reivindicação de seus
direitos, ou... o que parece as vezes tardar porém não falta. Deus faz sentir
sobre o vencedor a cólera de Seu braço vingador.
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A visita do Sr. Von Ribbentrop ao Vaticano se
cercou de pormenores preciosos, que não podemos deixar de registrar.
O primeiro deles é que os automóveis que compunham
o cortejo com que o ministro alemão se fez acompanhar ao Vaticano não estavam
decorados com a cruz gamada. Em geral, nas cerimonias análogas a esta, os
automóveis dos visitantes oficiais ostentam, entrelaçadas, as bandeiras do respectivo
país e do Estado do Vaticano.
A derrogação desta praxe tradicional foi
interpretada pelos romanos, com evidente razão, como a expressão do desejo da
Santa Sé de não ver entrelaçadas a bandeira do Papa e a flâmula nazista, que
tem no centro “uma cruz inimiga da Cruz de Cristo”, como disse o imortal Pio XI.
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Também é extremamente interessante o empenho
demonstrado pelo “Osservatore Romano” e pelos jornais católicos da Itália -
hoje em dia são eles, aliás, muitíssimo pouco numerosos graças à pressão
fascista - em frisar que o Sr. Von Ribbentrop solicitou a audiência ao Sumo Pontífice, e que o
Vaticano de modo nenhum tomou a iniciativa de convidar o ministro alemão.
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Os leitores do “Osservatore Romano” sabem que esta
folha costuma publicar na primeira página, com destaque, e encimada pelas armas
pontifícias, uma seção em que menciona todas as audiências concedidas pelo
Santo Padre. Além disto, costuma o órgão da Santa Sé publicar varias
fotografias representando aspectos da visita de cada ministro de Estado ou
embaixador que visita o Vaticano com caracter solene e oficial, como foi o caso
do Sr. Von Ribbentrop.
Entretanto, desta vez o “Osservatore” quebrou todas
as praxes. Transferiu para uma pagina de dentro a noticia da audiência do Sr. Von Ribbentrop, para acentuar a
pouca simpatia do Vaticano, e não publicou uma só fotografia da visita.
Limitou-se, apenas a dar uma noticia em meia coluna de jornal, na qual insistia
muito no fato de o Vaticano não ter pedido a visita do Sr. Von
Ribbentrop, mas, pelo contrário, ter este solicitado
uma audiência ao Sumo Pontífice. Aqueles, de nossos leitores que estiverem um
pouco familiarizados com o processos jornalístico poderão compreender melhor do
que ninguém o que esta atitude do “Osservatore” significa .
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Como todos os anos, a Sagrada Rota, tribunal supremo em que são julgados no Vaticano os
processos de anulação de casamento religioso do mundo inteiro, publicou uma
estatística das anulações requeridas e do número de processos deferidos por
aquele tribunal. Dado o fato de se tratar de processos provenientes do mundo
inteiro, seu número é insignificante, elevando-se a algumas dezenas somente. E
a proporção dos indeferimentos extremamente forte. Isto denota a suma moralidade
com que a Santa Sé age em matéria tão delicada, o que estabelece um triste
contraste com muitos tribunais civis onde as anulações as mais evidentemente
descabidas encontram às vezes acolhimento simpático.
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Convém notar que usamos o termo “anulação” para
mencionarmos a expressão consagrada na linguagem corrente, mas com o propósito
de acentuar fortemente sua impropriedade. A Santa Sé não anula casamentos.
Anular significa tornar nulos os efeitos de um casamento válido. Ora, o que a
Igreja faz é coisa muito diversa. Ela declara que sempre foram nulos, e nunca
produziram efeitos válidos, os casamentos em questão. O casamento não existe,
por exemplo, sem o consentimento de ambas as partes. Se, pois, uma das partes
foi forçada a casar-se, com o revólver no peito, a Igreja não anula tal
casamento, mas se limita em declarar que nunca houve casamento naquele caso
concreto.
No divórcio, pelo contrário, atos civis de
casamentos absolutamente irrepreensíveis sob o ponto de vista da correção
jurídica são dissolvidos voluntariamente pelo juiz e pelas partes. Nada há,
pois, de mais diverso do que a nulidade declarada ou reconhecida oficialmente
pela Igreja depois de rigorosíssimo inquérito, em certos casos concretos, com a
imoralidade sem nome que é o divórcio com casamento ulterior.