Legionário, N.º 386, 4 de fevereiro de 1940

7 DIAS EM REVISTA

Com uma insistência que parecerá fastidiosa a muitos leitores, o “Legionário” não se tem fartado de afirmar que não toma posição nas questões internacionais em que não estejam empenhados os interesses da Igreja ou da Pátria. E nas próprias questões diplomáticas que afetarem a preservação ou propagação da Fé, os aspectos que eventualmente não interessem à Igreja deverão ser por nós tratados com a máxima serenidade. É esta a obrigação que nos impõe a neutralidade assumida pelo Brasil na atual situação.

Assim, pois, abster-nos-emos de quaisquer comentário acerca do aspecto meramente diplomático do recente plebiscito realizado em terras italianas para resolver o caso da minoria alemã ali existente.

Entretanto, não podemos deixar de manifestar nossa profunda apreensão pelos riscos espirituais iminentes que as populações que ora retornarão à Alemanha irão sofrer, em contato com o ambiente absolutamente pagão do III Reich.

Quando, certa ocasião, algumas levas de camponeses italianos foram fixar-se na Alemanha para estudar certos processos novos de agricultura, o S. P. Pio XI julgou dever fazer um protesto, pois que receava os efeitos dessa permanência - que era temporária, note-se bem - no Reich nazificado. Que dizer-se, então, de uma transferencia de populações, que será não temporária mas definitiva?

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É curioso notar que o livro “Mein Kampf”, do sr. Hitler, distribuído como um evangelho em toda a Alemanha, tem, periodicamente, sucessivas reedições que asseguram ao Partido a possibilidade de o difundir a todas as gerações novas que vão aparecendo.

Ora, de um tempo para cá, os editores oficiais estavam em apuros. A obra de Hitler contém as mais acerbas invectivas contra a Rússia e seus dirigentes. Como agir depois do pacto de Ribbentrop-Molotov? Suprimir os trechos anticomunistas? Seria um desprestigio para o livro preconizado pela propaganda nazista como a intangível “bíblia do nacional socialismo”. Conservar os trechos, que constituem a mais formal contradição com a atual política alemã? Seria evidentemente incômodo. Tendo que dar ao problema uma solução qualquer, a propaganda nazista preferiu manter os ditos trechos. E o “Mein Kampf” continua a sair, com as mais severas... e aliás merecidas críticas ao comunismo e seus próceres.

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Imagine-se o sorriso malicioso de muito alemão ao ler, enquanto os jornais nazistas proclamam a doçura do conúbio político entre o nazismo e o comunismo, pérolas como estas  que se encontram na nova edição:

“Nunca se deve esquecer que os atuais dirigentes da Rússia são criminosos baixos e sem escrúpulos, a escoria da humanidade, os quais golpearam um grande Estado, martirizando milhões a fim de poder exercer a mais cruel tirania de todos os tempos”. É o que figura na pg. 750...

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O recente artigo do “Legionário” sobre a suposta neutralidade da imprensa terá, certamente, causado estranheza em certos círculos que não chegam a compreender como é que uma imprensa que se diz neutra - e que portanto não é inimiga - pode não ser tratada com toda a simpatia e solidariedade pelos católicos.

Nosso Senhor Jesus Cristo veio ao mundo para pregar a Sua doutrina e redimir a humanidade pelo Santo Sacrifício da Cruz. Para assegurar a todas as gerações vindouras a continuidade exuberante destes benefícios, instituiu Ele a Santa Igreja Católica, incumbida de pregar o Evangelho a todos os povos. Pregado o Evangelho a um povo, só há entre os membros deste duas atitudes possíveis: ou de crer ou de não crer.

Quem crê não pode ser neutro, pois que ninguém tem o direito de ser neutro entre Deus e o demônio, a verdade e o erro, a luz e as trevas. Portanto, quem se diz neutro não crê. Mas quem, ouvida a pregação evangélica, não crê, evidentemente também já abandonou o terreno da neutralidade, pois que recusou os argumentos em que se funda a Verdade. Perante a Religião não há, pois, neutralidade.

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Não é, pois, necessário supor um propósito veladamente hostil na imprensa neutra para que os católicos a acolham com todas as reservas e precauções. Sua própria “neutralidade” já é para tanto razão suficiente.

A este propósito, veja-se a atitude da grande maioria dos jornais neutros de nosso país quanto ao carnaval. Consagram as colunas inteiras para noticiar todos os bailes e bailescos, saracoteios e festinhas, (...) nos clubes os mais ignorados. Há um evidente esforço para pôr em relevo o pouco de vida que ainda existe no carnaval. Enquanto isto, para os noticiários dos fatos religiosos, quanta parcimônia, muitas vezes! E quanto aos próprios retiros fechados realizados no carnaval, quanto silêncio em muito e muito jornal por esse imenso Brasil!

Afinal, que neutralidade é esta?