Com uma insistência que parecerá fastidiosa a
muitos leitores, o “Legionário” não se tem fartado de afirmar que não toma
posição nas questões internacionais em que não estejam empenhados os interesses
da Igreja ou da Pátria. E nas próprias questões diplomáticas que afetarem a
preservação ou propagação da Fé, os aspectos que eventualmente não interessem à
Igreja deverão ser por nós tratados com a máxima serenidade. É esta a obrigação
que nos impõe a neutralidade assumida pelo Brasil na atual situação.
Assim, pois, abster-nos-emos
de quaisquer comentário acerca do aspecto meramente diplomático do recente
plebiscito realizado em terras italianas para resolver o caso da minoria alemã
ali existente.
Entretanto, não podemos deixar de manifestar nossa
profunda apreensão pelos riscos espirituais iminentes que as populações que ora
retornarão à Alemanha irão sofrer, em contato com o ambiente absolutamente
pagão do III Reich.
Quando, certa ocasião, algumas levas de camponeses
italianos foram fixar-se na Alemanha para estudar certos processos novos de
agricultura, o S. P. Pio XI julgou dever fazer
um protesto, pois que receava os efeitos dessa permanência - que era
temporária, note-se bem - no Reich nazificado. Que
dizer-se, então, de uma transferencia de populações, que será não temporária
mas definitiva?
* * *
É curioso notar que o livro “Mein
Kampf”, do sr. Hitler, distribuído como um evangelho em toda a Alemanha, tem,
periodicamente, sucessivas reedições que asseguram ao Partido a possibilidade
de o difundir a todas as gerações novas que vão aparecendo.
Ora, de um tempo para cá, os editores oficiais
estavam em apuros. A obra de Hitler contém as mais acerbas invectivas contra a Rússia
e seus dirigentes. Como agir depois do pacto de Ribbentrop-Molotov?
Suprimir os trechos anticomunistas? Seria um desprestigio para o livro
preconizado pela propaganda nazista como a intangível “bíblia do nacional
socialismo”. Conservar os trechos, que constituem a mais formal contradição com
a atual política alemã? Seria evidentemente incômodo. Tendo que dar ao problema
uma solução qualquer, a propaganda nazista preferiu manter os ditos trechos. E
o “Mein Kampf” continua a
sair, com as mais severas... e aliás merecidas críticas ao comunismo e seus
próceres.
* * *
Imagine-se o sorriso malicioso de muito alemão ao
ler, enquanto os jornais nazistas proclamam a doçura do conúbio
político entre o nazismo e o comunismo, pérolas como estas que se encontram na nova edição:
“Nunca se deve esquecer que os atuais dirigentes da
Rússia são criminosos baixos e sem escrúpulos, a escoria da humanidade, os
quais golpearam um grande Estado, martirizando milhões a fim de poder exercer a
mais cruel tirania de todos os tempos”. É o que figura na pg. 750...
* * *
O recente artigo do “Legionário” sobre a suposta
neutralidade da imprensa terá, certamente, causado estranheza em certos
círculos que não chegam a compreender como é que uma imprensa que se diz neutra
- e que portanto não é inimiga - pode não ser tratada com toda a simpatia e
solidariedade pelos católicos.
Nosso Senhor Jesus Cristo veio ao mundo para pregar a Sua doutrina e
redimir a humanidade pelo Santo Sacrifício da Cruz. Para assegurar a todas as
gerações vindouras a continuidade exuberante destes benefícios, instituiu Ele a
Santa Igreja Católica, incumbida de pregar o Evangelho a todos os povos.
Pregado o Evangelho a um povo, só há entre os membros deste duas atitudes
possíveis: ou de crer ou de não crer.
Quem crê não pode ser neutro, pois que ninguém tem
o direito de ser neutro entre Deus e o demônio, a verdade e o erro, a luz e as
trevas. Portanto, quem se diz neutro não crê. Mas quem, ouvida a pregação
evangélica, não crê, evidentemente também já abandonou o terreno da
neutralidade, pois que recusou os argumentos em que se funda a Verdade. Perante
a Religião não há, pois, neutralidade.
* * *
Não é, pois, necessário supor um propósito
veladamente hostil na imprensa neutra para que os católicos a acolham com todas
as reservas e precauções. Sua própria “neutralidade” já é para tanto razão
suficiente.
A este propósito, veja-se a atitude da grande
maioria dos jornais neutros de nosso país quanto ao carnaval. Consagram as
colunas inteiras para noticiar todos os bailes e bailescos,
saracoteios e festinhas, (...) nos clubes os mais
ignorados. Há um evidente esforço para pôr em relevo o pouco de vida que ainda
existe no carnaval. Enquanto isto, para os noticiários dos fatos religiosos,
quanta parcimônia, muitas vezes! E quanto aos próprios retiros fechados
realizados no carnaval, quanto silêncio em muito e muito jornal por esse imenso
Brasil!
Afinal, que neutralidade é esta?