Legionário, 371, 22 de outubro de 1939

7 DIAS EM REVISTA

Um dos fatos mais animadores da vida do “Legionário” é a indefectível fidelidade com que ele tem sabido interpretar o pensamento da Santa Sé, até mesmo em questões susceptíveis, por sua complexidade quase inexaurível, de suscitar uma grande variedades de opiniões. Neste sentido, é significativo o fato de, muito e muito freqüentemente, o vulto dos acontecimentos internacionais forçar o “Legionário” a se pronunciar sem ter o tempo necessário para aguardar os exemplares do “Osservatore”, vindos de Roma. É mesmo esta a regra geral. Entretanto, jamais se deu o caso de nossa opinião, emitida antes de lermos o órgão oficioso do Vaticano, discordar ainda que somente em meros detalhes, do pensamento da Santa Sé.

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Mais uma vez, o fato acaba de se dar com a guerra européia. Como o “Legionário” acentuou logo no início do conflito, dois aspectos devem ser claramente focalizados na atual situação: o aspecto ideológico e o temporal. Quanto ao primeiro, não há neutralidade possível, máxime para católicos. Quanto ao segundo, se bem que os católicos possam ter individualmente sua opinião, ditada por motivos de ordem patriótica, como católicos entretanto devem ser rigorosamente neutros. Daí a atitude francamente contrária à agressão nazistico-soviética contra a Polônia, que assumimos. Nunca foi nosso propósito – declaramo-lo muito explicitamente - debater e tomar posição a respeito dos problemas internacionais, políticos ou econômicos, relacionados com a independência polaca. Mas o fato que nos impressionou, dominou nosso espírito e lhe ditou sua atitude, foi a nazificação e a bolchevização de um país fundamentalmente católico.

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Ora, foi exatamente esta a atitude que o Santo Padre assumiu no discurso com que saudou, no dia 17 pp., o embaixador da Lituânia que lhe entregava suas credenciais. Disse Sua Santidade que “consciente dos deveres atinentes a seu alto cargo de pastor supremo, não deixará que sua ação seja envolvida em controvérsias puramente temporais e competições territoriais entre os Estados”. Mas acrescentou que não pode ser indiferente aos perigos incomensuráveis que “a sombra sinistra do pensamento e da ação dos inimigos de Deus” faz surgir sobre a Europa inteira.

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A este propósito é oportuno acrescentar que o “Legionário” agiu em estrita conformidade com sua missão, quando sustentou desassombradamente sua posição hostil à paganização da Polônia.

Deste desassombro, deu um belo exemplo o “Osservatore Romano”, em nota publicada no dia 14 p.p. e transmitida a nossos diários pelo telégrafo. O jornal oficioso da Santa Sé censurou vivamente, em tal nota, os que acusavam o Santo Padre de se ter conservado indiferente à bolchevização e paganização da Polônia, quando pelo contrário ele exprimira de modo claro “a dor e a angústia que sentia em face dos acontecimentos que se estavam desenrolando na Polônia”.

Em outros termos, afirmar ou insinuar que a Santa Sé fora indiferente ao conflito, ou procurara ao menos ocultar sua dor para agir com prudência (?!) é coisa inteiramente alheia às intenções do Pontífice.

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Causou-nos viva satisfação a atitude assumida pelo governo brasileiro, que continua a manter relações diplomáticas normais com o governo polonês estabelecido atualmente em Paris. Esse belo gesto de nossas autoridades, que seguiram assim a linha geral imposta pelas condições políticas do continente americano, prova que o Brasil se soube conservar uma explicável neutralidade, não quis dar a tal neutralidade o sentido de uma indiferença apática ante aquilo a que, em recente discurso, o Ex.mo Rev.mo Sr. Arcebispo de São Paulo chamou com razão “os efêmeros triunfos do direito sobre a força”.

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As manobras dos pescadores de águas turvas, que incessantemente reaparecem entre nós, infelizmente ainda não chegaram ao seu ponto final, do qual aparecem bem distantes. Assim, a questão do exame pré-nupcial continua novamente a ser ventilada pelo “Diário da Noite”, do Rio de Janeiro, com sua costumeira parcialidade. E a obra de desagregação da família, à qual se referiu tão oportunamente o Ex.mo Rev.mo Sr. Bispo de Bragança em sua Pastoral, continua a encontrar o deplorável apoio de certas autoridades judiciárias. No Paraná, o Tribunal de Apelação, resolveu em recente sentença sobre seguros de vida, equiparar os direitos de filhos ilegítimos e legítimos.

Assim, pois, os filhos das trevas não dormem. Vejam-no os filhos da luz, os membros da Ação Católica sobretudo, para que neste momento de confusão não mereçam a queixa do Divino Mestre: “Não pudestes vigiar comigo uma hora?”