Legionário, N° 359, 30 de julho de 1939 

 

7 Dias em Revista

 

O prof. Filadelfo de Azevedo, diretor da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, concedeu à imprensa uma entrevista sobre o projeto de revisão do Código Civil, que será apresentado ao Governo Federal. Este projeto, que se reveste de grande importância por ter sido solicitado pelo próprio ministro da Justiça, servirá de elemento inicial para a elaboração de uma reforma do Código Civil, que o Sr. Francisco Campos já noticiou em recente entrevista.

Informou o prof. Filadelfo de Azevedo que o projeto conterá um dispositivo acautelatório dos direitos dos filhos de pais desquitados, nascidos posteriormente ao desquite.

Considerada a questão em si mesma, ninguém pode deixar de louvar uma lei que cuide de responsabilizar os pais pelas conseqüências dos atos por eles praticados posteriormente ao desquite. Entre pai e filho há, de direito natural, certas relações morais que a lei deve proteger na medida do possível.

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No entanto, não nos devemos esquecer de que, por mais justa que seja a aplicação de uma lei neste sentido em determinados casos, os interesses dos filhos não são os únicos que se devem tomar em consideração.

Ninguém ignora que os chamados  “casamentos no Uruguai” se transformaram entre nós numa verdadeira lepra social. Quando um casal constituído normalmente segundo nossas leis eclesiásticas e civis resolve separar-se para contrair novas ligações — faz uma viagem ao Uruguai — onde, de modo sumamente fraudulento e em contravenção a todas as leis, se divorcia na conformidade com a lei uruguaia, que admite o divórcio pleno, com o casamento subseqüente dos cônjuges divorciados.

E, no Uruguai mesmo, cada um dos divorciados contrai novo “casamento”, plenamente nulo perante as leis brasileiras, além de nulo e pecaminoso perante a Santa Igreja.

Aliás, é preciso dizer que, em certos casos, o casamento no Uruguai já está um pouco fora de moda. Não falta quem prescinda desta formalidade dispendiosa e vá passar um mês na fazenda com seu novo “cônjuge”, dizendo, na volta, que andou pelo Uruguai, onde se casou.

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A verdade é que contra esta lepra social não temos uma única lei. Por toda a parte estes casos se repetem e se multiplicam. E não existe contra eles qualquer repressão. De sorte que, na ordem prática das coisas, o artigo da Constituição que proíbe o divórcio no Brasil é de uma eficácia muito relativa.

A única barreira legal existente para tais imoralidades é a distinção estabelecida pelo Código Civil entre os filhos legítimos e os filhos havidos fora do casamento. No mesmo caso concreto, considerando a lei plenamente nulos os “casamentos no Uruguai” , os filhos nascidos desses “casamentos” têm direitos insignificantes em comparação dos filhos legítimos. E, assim, tais “casamentos” se não são proibidos de fato, ao menos são ignorados pela lei.

Se, agora, se fosse beneficiar largamente os filhos nascidos fora do casamento, em que situação ficaria a proibição do divórcio? Se os filhos legítimos forem equiparados ou quase equiparados aos que não o são, qual a diferença entre uma família legítima e uma família ilegítima, perante a Lei? Mínima, já se vê. Não é temerário afirmar que a implantação do divórcio no Brasil eqüivaleria quase a isto.

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Se, portanto, é legítimo que se procure, de certo modo, acautelar os interesses de crianças que não têm culpa do mal feito pelos pais, mais legítimo ainda é que se procure não ferir, sob esse pretexto, a moral pública e social, com flagrante e manifesta desobediência às leis de Deus.

Devemos, pois, esperar que o anteprojeto apresentado ao Governo, como expressão da cultura jurídica de um país católico como o Brasil, empenhe os mais árduos esforços em não ferir, de leve que seja, os direitos supremos de Deus e da família, ainda mesmo que com isto venha beneficiar certas situações pessoais incontestavelmente dolorosas, mas que não são suficientes para justificar o que jamais se justificaria: a promulgação de uma lei imoral.

Que se protejam os filhos nascidos fora do casamento, está certo. Que esta proteção assuma tais proporções que se transforme em meio de dissolução da instituição da família, não.

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Aliás, devemos ainda acrescentar a este propósito que temos muitas razões para esperar que o Governo não atenda a qualquer imprudência contida no anteprojeto da reforma do Código Civil.

O artigo constitucional que proibia o divórcio é o ponto nevrálgico de toda opinião católica. Qualquer esbarro contra ele, por menor que seja, encontrará uma repercussão imensamente ampla. E não devemos admitir a hipótese de um governo que, se não é liberal é, entretanto, democrático, pretender ferir violentamente este ponto nevrálgico, colocando-se assim contra a vontade popular.

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(...) Ninguém ignora que a situação do Catolicismo na Inglaterra tem melhorado sensivelmente de algum tempo para cá, o que se deve em grande parte à promulgação de leis menos hostis aos católicos do que as que vigoravam no Reino Unido desde a pseudo-Reforma. E é incontestável que essa melhoria se deve em parte à simpatia que a Casa Real tem manifestado para com os católicos, tomando muitas vezes a dianteira na violação de praxes seculares do protestantismo. Ainda recentemente, a Rainha Mary visitou, pela primeira vez na História da Inglaterra, desde Henrique VIII, um estabelecimento mantido por religiosas católicas. (...)

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Pio XI, na sua magistral Encíclica Mortalium Animos, aliás, tão pouco conhecida, já denunciou o perigo da colaboração ingênua e imprevidente de católicos com protestantes, em base larga e vagamente cristã.

Como muito bem disse Sua Santidade, o Cristianismo autêntico só existe na Igreja Católica. O que existe nas outras “Igrejas” com aparências de Cristianismo é, segundo diz o Papa, “o perfume de uma coisa que já morreu lá” e que só sobreviveu na Igreja.

Fora da Igreja, não há salvação para a civilização.

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Efetivamente, não há salvação para ela fora da Igreja, e isto se aplica tanto ao protestantismo quanto ao totalitarismo das pseudodireitas.

Já temos mostrado como o nazismo e seus sucedâneos se injuriam em público e depois “flertam” amistosamente nos bastidores.

Um telegrama vindo do México esta semana anuncia, ali, a fundação de um partido nazista cujo nome é “sinarquista”, isto é, antianárquico. Este partido, de feição nitidamente fascista, foi fundado... pelo “camarada” Melchior Ortega, ex-ministro de Calles, o Nero do século XX.

Não confere?